XXI a
‘Apreciando a Paulo’
comentários em torno
das Epístolas de S. Paulo
por Ernani Cabral
Tipografia Kardec - 1958
«Admoesto-te pois, antes de tudo,
que se façam deprecações,
orações, intercessões, e ações de
graças por todos os homens;
.....................................................................................................
“Porque isto é bom e agradável
diante de Deus nosso Salvador,
“Que quer que todos os homens se salvem,
e venham ao
conhecimento da verdade.
Porque há um só Deus e um só
Mediador entre Deus
e os homens, Jesus-Cristo homem.”
(Paulo – 1ª Epístola a
Timóteo, 2: 1, 3 e 4)
São Paulo recomenda que se façam
orações por todos os homens, pois reconhece que todos somos irmãos. Ele não
tinha a concepção exclusivista, limitada ou parcial de certos religiosos, que
olham só para os de sua seita.
Aliás, Jesus - o modelo da
Humanidade, o Mediador, como diz Paulo, isto é, “o médium de Deus” - sempre deu
esse exemplo. - Quando curava ou quando ensinava, não escolhia pessoas nem as
distinguia por suas crenças ou por suas raças. Tanto advertiu a samaritana como
sarou a mulher cananeia; tinha palavras de consolo para com todos, fazia o bem
indistintamente, e mesmo na cruz teve misericórdia para com um ladrão.
“Eu não vim chamar os justos, mas os
pecadores, ao arrependimento.” (Mateus, 9:13)
E como Dimas foi tocado pelo
arrependimento, mesmo na hora da morte, ele teve compaixão do “bom ladrão” e lhe declarou:
“Hoje estarás comigo no paraíso.”
(Lucas, 23:43)
Eis uma passagem bíblica muito
explorada pelos que negam a reencarnação, apesar de o Divino Mestre ter
enunciado esta lei em João, 3:3 e em Mateus, 11:13 e 14.
Realmente, Jesus prometeu o paraíso
àquele pecador arrependido, mesmo antes que ele produzisse “os frutos do
arrependimento” a que se refere em Lucas, 3:8.
Sabemos que há regiões espirituais paradisíacas.
Desencarnando na cruz, o Espírito de Dimas foi levado para uma destas, conforme
a palavra do Cordeiro de Deus. Não podemos julgar “o bom ladrão”, pois não sabemos quais os motivos que o induziram ao
mal e nem tampouco se houve em seu caso um erro da justiça humana, que é
falível. Temos certeza somente de que Dimas, ao contrário de Gesta, “o mau ladrão”, mostrou-se humilde
perante o Nazareno,
crendo nele e suplicando: “Senhor,
lembra-te de mim, quando entrares no teu reino.” (Lucas, 23:42.)
E Jesus, que sempre apreciou a
humildade, como se vê em Mateus, 18:4, e em outros textos bíblicos,
prometeu-lhe aquela graça. Note-se que a graça não é arbitrária, mas sempre
determinada por motivos que a justificam ou que impelem a misericórdia divina .
Contudo, prometendo a Dimas o
paraíso, Jesus não afirmou que ele estaria isento da reencarnação.
Um Espírito pode desencarnar e
merecer logo uma região espiritual superior. Mas isto não quer dizer que esteja
livre da reencarnação e de pagar, se for o caso, e quando se tornar oportuno, “até o último ceitil”.
Dirão que isto é um “nunca acabar”
de lutas e de sofrimentos. Mas a lei divina é perfeita e ela não tem pressa. Há
em nossa frente a eternidade, e a evolução do Espírito dura mesmo muitos
séculos ou milênios, porque, como disse o apóstolo Paulo, “Deus quer que todos os homens se salvem e venham ao conhecimento da
verdade.”
Como poderão todos os homens vir ao conhecimento da verdade, como disse São
Paulo, nesta Primeira Epístola a Timóteo, se alguns nascem e morrem no estado
de selvajaria? Como conciliar essa lição de Paulo de Tarso com a doutrina
cristã, senão admitindo
a lei da reencarnação?
Mas os teólogos fecham os olhos a esse
e a outros versículos bíblicos (Lucas, 3:6; João, 12:32 e Isaías, 52:10) para
admitir uma só existência do Espírito na Terra, o que importa em proclamar a
falta de equidade divina para com as suas criaturas e a vida de seres
privilegiados. Por que uns são inteligentes e outros curtos de ideia, mesmo
estudando? Por que essa diversidade econômica na Terra? Por que alguns contraem
moléstias horríveis, que lhes servem de flagelo a vida toda, e outros não? Por
que crianças nascem em lupanares e outras em berços reais? Para onde irá um
idiota depois da morte? Para o céu? Se tal se desse, não seria melhor que a
Humanidade toda fosse idiota, para ser salva, totalmente? Não seria mais
misericordioso do que sujeitar alguns homens às penas eternas do inferno, que
nossos irmãos católicos e protestantes dizem existir, tomando a Bíblia ao pé da
letra?
O certo é que, não aceitando a
reencarnação, que Jesus enunciou com tanta clareza em seus Evangelhos, o
teólogo cairá em ilogismos tais que farão o homem duvidar da Justiça de Deus,
ou achar que está cercado de tantos mistérios, que só lhe servirão para gerar o
pavor, a dúvida ou a fé cega, se quiser crer. Mas acabará, no íntimo, achando
que Satanás é mais poderoso, pois tem ao seu lado a maioria... Ou então,
possuindo um Espírito forte, sorrirá dessas coisas como de histórias para crianças.
É o estado mental de muitos que não querem saber de religião, porque acham que
isto só serve para ocasionar discussões sem resultado prático,
enquanto flui a luta pela vida, com a preocupação pelas coisas materiais, é de
maior proveito.
Infelizmente, as religiões
dogmáticas, que negam a lei da reencarnação como processo evolutivo do
Espírito, jogaram a maioria dos homens nos braços da dúvida ou da indiferença. Eles
não se querem dar ao trabalho de raciocinar sobre sua destinação espiritual, vão
à missa de vez em quando, por descargo de consciência, mas declaram-se sem
tempo para tratar desses assuntos. Deixam que os padres ou os pastores pensem
por eles, porque estudaram tais coisas ... Mas, quando têm uma decepção na
vida, tornam-se revoltados contra Deus e contra os homens, porque não podem
compreender tanta injustiça na Terra, e alguns morrem com um vazio no coração,
por culpa das religiões que lhes não souberam incutir, com lógica, a noção da
justiça divina.
A evolução do Espírito não se processa
de maneira simplista ou arbitrária. Só atingem a perfeição os que a conseguem
por esforço próprio ou consciente, através de vidas sucessivas na Terra e em
outros mundos. Jesus mesmo confessou: “Ainda
tenho outras ovelhas que não são deste aprisco” (João, 10:16) e disse
também: “Na casa de meu Pai há muitas
moradas.” (João, 14:2)
Os idiotas são Espíritos de grandes
pecadores em outras vidas, que agora se redimem através do sofrimento que
purifica, já que não são inteiramente inconscientes.
A perturbação dos desequilibrados
mentais, maior ou menor, conforme o caso, prende-se a culpas velhas ou atuais,
como sinal de expiação.
XXI b
‘Apreciando a Paulo’
comentários em torno
das Epístolas de S. Paulo
por Ernani Cabral
Tipografia Kardec - 1958
Tudo tem uma explicação lógica,
dentro do Espiritismo.
Falando deste modo, não aludimos ao
aspecto material do fato, pois bem sabemos que, sob o ponto de vista médico, a
loucura ou qualquer outra psicose é um estado patológico, motivada por favores,
diversos, como a sífilis, as lesões cerebrais, etc., havendo também as que não
acusam causas determinantes de ordem material, pelo menos na aparência, mas que
seriam provocadas por fobias, neuroses ou por qualquer outro distúrbio
psíquico. Mas queremos
referir-nos ao Espírito que anima o físico de um louco qualquer ou de um
imbecil; este foi ligado pela justiça divina a um corpo doente, por motivos
hereditários ou por outros quaisquer, a fim de que a lei se cumprisse. E quando
não há causa material determinante, então a moléstia será exclusivamente da
alma, como na maioria das esquizofrenias, mas, de qualquer maneira, o fato se
prende ao cumprimento da lei, que é justa. Tanto isto é certo que, nem sempre,
a hereditariedade se manifesta, mas somente no corpo cujo Espírito merece tal
influência. Há filhos de leprosos que não se tornam portadores do mal de
Hansen, enquanto que outros o são. Por quê? A resposta somente pode ser dada
admitindo-se a lei da reencarnação, cujo mecanismo se processa, como tudo que
vem de Deus, com absoluta perfeição, com inteira justiça, atendendo-se ao
Espírito, de preferência, pois que a matéria vive em função da alma, é mera
roupagem desta, substituída nas vidas sucessivas, e tanto mais sadia será
quanto o for o Espírito que a anima. Os romanos já diziam: mens sana in corporo sano, o que é uma verdade.
Ao fazermos aquela afirmativa sobre
os filhos dos hansenianos, não desconhecíamos a teoria que declara não ser a
lepra moléstia hereditária, e que os descendentes de leprosos, quando afastados
dos pais, logo após o nascimento, não contraem a morfeia.
Mas a prática nos preventórios vem
demonstrando que nem sempre é assim. A maioria dos filhos de tais doentes,
quando afastada de seus genitores, logo após o nascimento, não contrai o
terrível mal, bem o sabemos. Algumas crianças porém, às vezes com poucos anos e
outras já púberes, criadas nos preventórios desde os primeiros dias de vida,
aparecem atacadas do mal de Hansen, de um momento para outro, inexplicavelmente,
e logo são levadas para os leprosários, onde às vezes não têm cura!
Mas, por que tanto sofrimento apenas
para algumas criaturas? Qual a religião que explica isto com lógica, senão o
Espiritismo, que reconhece a justiça divina operando através da lei da reencarnação,
dando “a cada um segundo as suas obras”?
Todavia, dirão, que proveito tirará
o Espírito de uma criança dessas, se não se lembra de seu passado, se não
poderá reconhecer a justiça de Deus?
Voltando ao plano invisível, é dado
ao Espírito, geralmente, a lembrança de suas vidas pregressas. Então, ele
compreenderá porque sofreu tanto. Se se recordasse, já neste mundo, da causa de
seus males, isto viria agravar ainda mais os seus sofrimentos atuais, com a
recordação de um passado delituoso.
Portanto, o esquecimento, longe de
ser um mal, é uma bênção. Mesmo porque o Espiritismo lhe explicará ainda aqui,
se quiser compreender através de tais ensinamentos, que tudo tem sua razão de
ser, restando ao nosso irmão leproso resignar-se ante seu destino, pois que tem
a eternidade na frente, e algum dia será muito feliz. Além disto, tal moléstia,
hoje em dia, em muitos casos, tem cura.
Não fomos criados para o sofrimento,
mas para a felicidade eterna. O sofrimento é transitório, enquanto existirem as
imperfeições, e é o remédio de Deus para a purificação do Espírito. Algum dia
bendiremos os padecimentos, quando atingirmos a perfeição e quando tivermos
séculos sem fim de felicidade à nossa frente. Então compreenderemos que Deus é bom, como disse Jesus (Mateus,
19:17). Mas Ele quer que alcancemos a felicidade, merecidamente, isto é, por
nossos próprios esforços em busca da perfeição, certos de que nosso sofrimento,
algum dia, terá fim.
Aquele que crê deve confiar no
Senhor e convencer-se de que o Pai Celestial a ninguém desampara. Ele quer,
como disse Paulo, “que todos os homens se
salvem e venham ao conhecimento da verdade.”
A vida eterna já é um consolo para
quem nela acredita. Ao demais, os grandes sofrimentos, quase sempre, são sinal
do fim das provações neste mundo, e só são dados aos Espíritos fortes. Mas é
preciso ter fé, resignação e confiança em Deus, para suportar a cruz,
indispensável ao progresso espiritual e à felicidade futura.
Lembremo-nos da lição do Cristo de
Deus:
“Se
alguém quiser vir por mim, negue-se a si mesmo, e tome a sua cruz, e siga-me.”
(Marcos, 8:34)
No final dos versículos ora
comentados, da Primeira Epístola a Timóteo, Paulo afirmou:
“Há
um só Deus e um só Mediador entre Deus e os homens, Jesus-Cristo homem.”
Esta passagem é a confirmação da
inexistência do dogma da Santíssima Trindade, cujos comentários fizemos no XVI
artigo desta série.
Paulo, na Epístola aos Filipenses
(2:6), disse ainda com clareza que Jesus “não
teve por usurpação ser igual a Deus”. Ele é o Mediador entre Deus e os
homens, como ora reitera, o protetor e o governador de nosso planeta, conforme
bem diz a “Revelação da Revelação» de J. B. Roustaing. Ninguém irá ao Pai senão
por seu intermédio, isto é, senão através de seus ensinamentos, que são “espírito e vida” e cuja síntese é o
amor.
Mas Paulo de Tarso, o apóstolo dos
gentios, baseando-se sempre na Boa Nova do Cristo, desdobrou-a com a clareza e
com a sinceridade, que defluem de seu Espírito de escol, para que ela se
tornasse sempre viva, sempre oportuna, sempre presente à nossa indignidade e às
nossas imperfeições, que clamarão eternamente por aquele roteiro de luz, a fim
de que possamos ser desviados das trevas do erro e da ignorância, compreendendo
a justiça de Deus, através
do conhecimento da verdade, fonte da libertação eterna.
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