A Grande
Doutrina dos Fortes
Frederico Francisco / (Yvonne A Pereira)
Reformador (FEB) Setembro de 1963
De quando em vez chegam aos nossos
ouvidos queixas de irmãos em crença, cuja sensibilidade não se conforma com
certos deslizes praticados por espíritas, que parecem não estar à altura da
importante tarefa confiada pelo Invisível aos adeptos da Terceira Revelação. Temos
procurado reconfortar quanto possível esses delicados irmãos, chamando-lhes a
atenção para determinados pontos de Doutrina, capazes de explicar também essa
particularidade em torno dos mesmos adeptos. E isso para que os queixosos não
se dobrem ao desânimo, fazendo periclitar a própria fé, o que é sempre possível
aos adeptos
que se atenham a uma fé sorvida no que ouviram outros adeptos dizerem, em vez
de se dedicarem aos livros da legítima Doutrina Espírita e às observações daí
consequentes, indispensáveis sempre à boa instrução de cada um. O estudo
eficiente do Espiritismo esclarece de tal forma os aspectos gerais da vida,
como a situação dos espíritas, que, a ele nos dedicando devidamente, não mais
surpresas nem vacilações nos chocarão em qualquer setor. Seremos então
espíritas preparados para os entrechoques das múltiplas facetas da
existência... e saberemos que o Espiritismo e o próprio Evangelho exigem que,
para servi-los, sejamos realmente fortes, capazes de enfrentar quaisquer
situações difíceis, seja no ardor das próprias provações, nas lutas do trabalho
em geral ou diante das fraquezas e imperfeições dos irmãos em crença.
Meditando sobre o Evangelho, vamos
observar que, para podermos praticá-lo, deveremos, acima de tudo, ser vigorosos
de ânimo, corajosos a toda prova. Os primeiros discípulos do Nazareno e os
primeiros cristãos foram espíritos fortes por excelência, idealistas audazes,
práticos e não místicos, caracteres de ação, porque a tarefa a realizar seria
volumosa demais para os ombros de um contemplativo.
Um caráter tíbio, por exemplo, como
romperia ele com as tradições milenárias do Judaísmo ou do Paganismo, para
renovar totalmente as próprias convicções? Como enfrentaria, o tímido, a
necessidade de se curvar à palavra revolucionária de Jesus, palavra que
arrojaria por terra antigos preceitos de domínio e até de crueldade, para
aceitar a união das criaturas através do Amor, quando a força era que ditava
leis? E como suportaria o indeciso a ordem divina de compreender num mendigo,
num leproso, numa pecadora, num publicano ou num samaritano o irmão a quem
deveria amar e proteger, quando o ódio de casta ou de raça e o desprezo pelos
pequeninos eram recomendações seculares? Como se haveria o impressionável, sob
o imperativo de morrer pelo amor do Cristo à frente da espada dos herodianos ou
nas arenas dos Circos de Roma, dando-se como repasto às feras? E, sem a coragem
da própria fé - porque a fé é uma expressão de coragem -, como poderiam apor as
mãos sobre um endemoninhado, um paralítico ou um leproso e curá-los em nome do
Senhor? E ainda sem a fortaleza do ânimo, como acreditariam eles na vitória
daquela estranha Doutrina saída de uma obscura província dominada pela águia
romana, Doutrina que eles próprios deveriam espalhar pelo mundo, onde só a
força, o egoísmo e o orgulho lavravam leis?.. O próprio Jesus, expondo a sua
Grande Doutrina, lança sentenças impressionantes, que seriam como ordenações
irretorquíveis, próprias para espíritos fortes, que os pusilânimes demorariam a
compreender e aceitar:
"Seja o vosso falar: Sim, sim;
não, não."
"Aquele que ama a seu pai ou a
sua mãe mais do que a mim, não é digno de mim.
“E aquele que não renunciar a tudo o
que tem, não pode ser meu discípulo."
"Em verdade te digo que ninguém
pode ver o reino de Deus, se não nascer de novo."
"Eu não vim trazer paz à Terra,
mas a espada; vim separar de seu pai o homem, de sua
mãe a filha, de sua sogra a nora; e o homem terá por inimigos os de sua própria
casa. Vim
lançar fogo à Terra e desejo que ele se acenda."
"Se o teu olho ou a tua mão te
servem de escândalo, corta-os e lança-os fora de ti; porque melhor te é que se
perca um ou dois dos teus membros do que todo o teu corpo vá para o
inferno."
"Se alguém te ferir na face
direita, oferece também a outra; e àquele que tirar a tua túnica, larga-lhe
também a capa."
"Amai a vossos inimigos, fazei
bem aos que vos têm ódio, e orai pelos que vos perseguem e caluniam."
"Porque, se vós não amais senão
os que vos amam, que méritos haveis de ter?"
"Se vossa justiça não for maior
e mais perfeita do que a dos escribas e fariseus, não entrareis
no reino dos Céus."
"Assim, luza a vossa luz diante
dos homens, que eles vejam as vossas boas obras, e glorifiquem
a vosso Pai que está nos Céus."
"Sede, pois, perfeitos, como
vosso Pai Celestial é perfeito."
São, como vemos, ordens de comando
revolucionário, impelindo paladinos para a grandiosa batalha de encontrar Deus
em si próprios! E, se mais não citaremos, será porque iríamos longe com a
observação.
O Evangelho, pois, se é uma escola
onde aprendemos as doçuras do Amor, é onde também encontraremos as atitudes
corajosas do herói do ideal divino.
Nas mesmas condições encararemos os
espíritas. Os caracteres fracos, tímidos, indecisos, demorarão a se integrarem
nos embates fornecidos pelo Espiritismo. Também este é Doutrina para os fortes,
ou seja, para aqueles que, em migrações terrenas do, pretérito, tanto erraram,
e no Além-Túmulo tanto sofreram por isso, que agora se dispuseram a uma reforma
geral do próprio caráter através do Espiritismo. E, com efeito! Combater as
próprias imperfeições diariamente, não ignorando que, se o não fizer, desonrará
a própria Doutrina a que se julgou filiar; socorrer necessitados sem possuir
recursos suficientes para o mandato, confiante no auxilio do Mestre Nazareno;
medicar enfermos sem haver cursado Medicina; subir a uma tribuna diante de
assembleia numerosa, que espreita pronta para a crítica, a fim de defender a
Verdade, sabendo que esse
é um dever a que não poderá fugir, porque ainda ontem, em existências
transatas, deprimiu a mesma Verdade; enfrentar obsessores e fazê-los recuar dos
abismos do Mal para as suaves trilhas do Amor e do Perdão, certo de que é
apenas intérprete das forças do Céu, porque não possui virtudes para tão alto
feito; investigar o Invisível com a própria fé e as forças do coração, porque
sabe não ser anjo nem sábio; arvorar-se em secretário de entidades aladas para
a produção de compêndios de Moral, de Filosofia ou de ciências transcendentes,
e apresentá-los ao mundo impiedoso com suas críticas, não sendo escritor e tão pouco
possuindo diplomas universitários; submeter-se à vontade dos Mentores
Espirituais e executá-los, sobrecarregando-se, dia a dia, das mais pesadas
responsabilidades perante os homens e os Espíritos; ser levado, por amor a
Jesus, a perdoar e esquecer os ultrajes que lhe ferem o coração e conturbam o
espírito; renunciar a cada dia, às vezes até mesmo às mais doces aspirações do
coração, morrendo para si mesmo a fim de ressurgir para Deus, e, acima de tudo,
filiar-se às falanges dos discípulos de Jesus e dos baluartes da Terceira
Revelação - não será dispor de forças supremas na Terra, não será ser corajoso
por excelência? E convenhamos que é desses tais que Jesus precisa agora, como
ontem precisou dos pecadores, dos mendigos, dos malvistos pela sociedade para a
propaganda da Sua Doutrina, únicos indivíduos que, apesar das imperfeições que
portavam, estiveram à altura
de compreender e executar os sacrifícios necessários à difusão da Grande Nova
que surgia.
Muitos de nós, realmente, ainda não
somos verdadeiros espíritas nem verdadeiros cristãos. Mas também já não seremos
homicidas, nem roubadores, nem traidores, nem devassos, nem ébrios, nem
adúlteros, nem suicidas. Observaremos, então, que nosso progresso dentro do
ensino espírita há sido fabuloso, pois ainda ontem fomos tudo isso, não
obstante alguns deslizes que mais ou menos ainda praticamos. Devemos, portanto,
ver uns nos outros espíritos valorosos que lutam contra as próprias
imperfeições, sob a redentora proteção do Consolador enviado pelo Cristo de
Deus! Não vejamos em nossos irmãos
de crença, ainda imperfeitos, espíritas indesejáveis, mas pupilos de uma
Doutrina Celeste, recém-libertados de terríveis correntes malignas. E se, por
nossa vez, nos julgamos harmonizados com os esplendores da Verdade, estendamos
até eles nossos afetos, auxiliando-os quanto possível a se integrarem na
verdadeira essência da Doutrina Espírita, que
é poderosa bastante para reeducar os necessitados de forças renovadoras e de
luzes espirituais. E todo esse trabalho, que somos chamados a executar, será
labor para espíritos fortes ... porquanto, tal como aconteceu aos primeiros
discípulos do Nazareno, também teremos de desenvolver lutas árduas para o
estabelecimento das verdades celestes sobre a
Terra - supremo ideal daqueles que já conseguiram predisposições para a
comunhão com a Força Suprema do Eterno Bem.
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