XV
‘Apreciando a Paulo’
comentários em torno
das
Epístolas de S. Paulo
por Ernani Cabral
Tipografia Kardec - 1958
“E Tu, Senhor, no princípio fundaste
a terra,
e os céus são obra de tuas mãos.
Eles perecerão, mas Tu permanecerás;
e todos eles, como roupa, envelhecerão.
E como um manto os enrolarás,
e como um vestido se mudarão,
mas Tu és o mesmo, e os teus anos
não acabarão.
E a qual dos anjos disse jamais:
Assenta-te à minha destra até
que ponha teus inimigos como escabelo
de teus pés?
Não são porventura todos eles espíritos
ministradores,
enviados para servir a favor daqueles
que hão de herdar a salvação?
(Epístola aos Hebreus, 1:10 a 14)
O fenômeno da gêneses ou da origem
da Terra, dos seres que nela habitam e das coisas que nela existem, vem
preocupando os homens, desde a mais remota antiguidade. Filósofos, cientistas e
religiosos têm procurado resolvê-lo, mas é claro que toda explicação religiosa
ou filosófica, que contradiga a ciência, não pode ser aceita, porque a ciência
provém de Deus, e é fruto do estudo, da experiência e da observação de fatos
positivos, tudo sujeito a leis determinadas, contra as quais a religião, que
também deflui de Deus, não se deve chocar, mas harmonizar-se, numa concepção
una e indestrutível.
Foi-se o tempo em que se dizia, erroneamente,
que ciência é uma coisa e religião outra, que se não devem misturar, nem confundir.
Se a ciência provém do Senhor e a religião a este conduz, tem que haver
reencontro ou união de ambas; assim, como é possível achar que esta pode
contradizer aquela, em suas afirmativas lógicas ou racionais, se elas têm a
mesma origem, o mesmo fluxo criador?
Nem somente a religião é abstrata,
nem só a ciência é correta. Esta também possui suas leis, seu campo
especulativo ou ideológico, e a verdadeira religião, por outro lado, não palpita
apenas na fé, mas concretiza-se em atos ou em obras que a manifestam, e até em
fenômenos positivos que a comprovam.
A vida de Jesus, fundamento do Cristianismo, é
real e palpitante, assim como a ciência espírita, baseada em fenômenos positivos,
serve de base ao Espiritismo-cristão. A vida do Espiritismo são os fenômenos,
assim como a do Cristianismo é a de Jesus. Portanto, a ciência funda-se no
positivo e a religião também; ambas têm seu terreno especulativo, mas possuem
igualmente seu campo de ação prático, concreto, positivo, aplicável à
Humanidade. Esta se beneficia da ciência, assim como da religião, e ambas têm
de ser racionais, para serem exatas.
Assim, o Espiritismo, como síntese
das religiões e como legítima expressão de unificação da verdade, ensina que
devemos ter uma fé racional, filtrada pelo crivo de nosso entendimento, a fim
de que possa inundar de paz e de luz o nosso coração, e não uma fé cega ou
baseada em dogmas de mistérios impenetráveis, criados pelos teólogos para
dominar e aterrorizar as consciências, pois todo e qualquer mistério é mero
fruto de nossa ignorância, que irá desaparecendo, à medida que formos
evoluindo, tornando-nos capazes de repelir as imposturas, frutos de “tradições
que afogam” a inteligência e a verdade.
Se todo homem tem sua “zona lúcida”,
sua capacidade máxima de percepção, tudo o que passar daí será mistério para ele.
O grau de entendimento, assim como o livre arbítrio, são limitados, porém, à
medida que o Espírito evolve, à medida que se instrui, mais dilatada se vai
tornando sua inteligência, maiores serão seus conhecimentos, menor o número de
mistérios relativos à obra divina.
Por consequência, afirmar que o
dogma existe, na concepção católica romana ou protestante, falar, por exemplo,
numa Santíssima Trindade, como mistério impenetrável, é, além de tudo,
contrariar as próprias palavras do Divino Mestre, que assegurou:
“Nada há de encoberto que não haja de revelar-se, nem de oculto que não
haja de saber-se.” (Mateus, 10:26.)
O próprio esoterismo, que era
constituído da ciência hermética ou oculta, dada, antigamente, só aos iniciados
que se tornavam dignos de possuí-la, perdeu sua razão de ser como esoterismo,
pois que se tornou exotérico, isto é, descoberto, acessível a qualquer pessoa
que, hoje em dia, queira estudá-lo. O “mistério”, só conhecido pelos
hierofantes, já se vulgarizou, embora constitua ainda objeto de estudos
especiais e muito interessantes à cultura do homem. Assim, o nome de esoterismo
ficou; mas aqueles ensinamentos não são mais ocultos, porém abertos e livres ao
estudo de quem neles se queira aprofundar.
Os livros que tratam do esoterismo,
repetimos, são muito instrutivos e úteis para a cultura intelectual, mesmo os
rosacrucianos, mas, se as revelações são progressivas, é claro que o
Cristianismo, sendo posterior, já superou o esoterismo, na explicação das
coisas
celestiais.
Se a lei é da evolução, através do tempo e do espaço, não podemos negar que o
que vem depois, em matéria de revelação, amplia ou retifica o que lhe antecedeu.
Elifas Levi, um dos mais autorizados
mestres do esoterismo, afirmou em “O Grande Arcano”, pág. 86: “Os antigos ritos perderam sua eficácia
desde que o Cristianismo apareceu no mundo.”
Portanto, sendo o
Espiritismo-cristão a última das revelações dada à Humanidade, ele completa e
supera todas as outras, expressando uma parcela maior de verdade (a verdade
absoluta não está na Terra, mas pertence a Deus), a qual, se está fragmentada
em todas as religiões, o Espírito Santo a condensou melhor em sua obra de luz,
que é o Espiritismo. As religiões ou as doutrinas filosóficas que o
antecederam, representam degraus da escada evolutiva, que Jacó viu em sonhos,
ascendendo aos céus, no cimo da qual se encontram os Mensageiros do Senhor,
fazendo derramar sobre a Terra o Espírito de Verdade, iluminando e consolando
os corações dos homens de boa vontade, que possuam olhos para ver e
entendimento para sentir.
Cumpre-se, assim, a promessa do
Cristo de Deus, contida no Evangelho de João, 16:12 a 14:
“Ainda tenho muito que vos dizer, mas vós não o podeis suportar agora.
“Mas, quando vier aquele Espírito de
Verdade, ele vos guiará em toda a verdade; porque não falará de si mesmo, mas dirá
tudo o que tiver ouvido e vos anunciará o que há de vir.
“Ele me glorificará, porque há de
receber o que é meu e vo-lo há de anunciar.”
É inegável que os apóstolos e os
primeiros cristãos receberam o Espírito Santo no dia de Pentecostes, pouco
depois da ressurreição de Jesus Cristo, nosso Senhor e nosso Mestre, conforme está
descrito em Atos, 2:1 a 12.
Mas o fenômeno estancou e não se
expandiu com a intensidade de hoje, porque a Humanidade não estava preparada
para receber uma parcela ainda maior da verdade, que apenas foi vislumbrada
naquela época, por alguns eleitos. Mas agora “os tempos estão chegados” e
cumprem-se as profecias de Joel, um dos grandes médiuns proféticos do Velho
Testamento:
“E há de ser que derramarei o meu
Espírito sobre toda a carne, e vossos filhos e vossas filhas profetizarão, os
vossos velhos terão sonhos, os vossos mancebos terão visões.” (Joel, 2 :28).
E a mediunidade hoje surge por toda
a parte! Lares de católicos e de protestantes, lares de indiferentes, veem-se
às voltas com fenômenos estranhos. Pode-se dizer, sem exagero, que talvez não
haja no Brasil uma família que não tenha um “caso de Espiritismo” para contar,
passado entre o aconchego honesto de quatro paredes ou mesmo guardado com certo
segredo, como se a verdade merecesse encoberta. São Espíritos de todas as
categorias que se manifestam, sobretudo os familiares, desejosos de demonstrar
que ainda continuam a viver, na verdadeira vida, que é a espiritual, e na qual,
mais cedo ou mais tarde, ingressaremos. Há
fenômenos
provocados também pelos “falsos profetas” ou por Espíritos atrasados, o que
também foi previsto (Mateus, 7:15).
O mérito está em saber sentir e
conhecer o que vem do Alto, em separar o joio do trigo. Isto foi indicado por
Allan Kardec, para que a Humanidade não ficasse sem rumo, indecisa e perplexa,
ante a multiplicidade de tais fenômenos. Era necessário que tivéssemos um
roteiro exato, o que nos foi dado por ele, que se tornou o Codificador do
Espiritismo. Destarte, para conhecê-lo, convém estudar as obras fundamentais da
doutrina, “O Livro dos Espíritos”, “O Livro dos Médiuns” o “Evangelho segundo o Espiritismo” - e
medir também as comunicações recebidas pela luz da palavra de Nosso Senhor,
como está escrito no capítulo sétimo de Mateus:
“Pelos seus frutos o conhecereis. Toda árvore boa produz bons frutos e toda
árvore má produz frutos maus.”
Assim, as comunicações que se
fundarem nos Evangelhos, harmonizando-se às que foram dadas pelos Espíritos
Superiores a Allan Kardec, são frutos saborosos, que merecem nossa reflexão e
nosso acatamento. Defluem, como diz Paulo, nesta Epístola aos Hebreus, “de
espírito ministradores, enviados a favor daqueles que hão de herdar a salvação”.
Portanto, de um lado temos certas
interpretações dos textos bíblicos, a teologia feita na Terra, e, de outro
lado, as interpretações dos Espíritos do Senhor. Mas os homens, por mais cultos
e eruditos que sejam, mesmo reunidos em concílios, estão sujeitos ao erro, que
é característico de nosso plano. Dizer que os concílios têm o apoio do Espírito
Santo, é ainda faltar à verdade, porque ali são homens que se manifestam e não
Espírito ou Espíritos.
Mas as comunicações dos Mensageiros
do Senhor, estas nos devem merecer fé. Não se denunciam por conclusões
momentâneas, como frutos de discussão entre seres falíveis, mas vêm dos céus e
se caracterizam por sua uniformidade, manifestada em tempos, lugares e médiuns
diferentes. Até hoje, em matéria doutrinária, eles repetem em nossas sessões
aquilo que foi dito no tempo de Kardec! Se algum falso profeta da erraticidade
interfere, é facilmente
descoberto, porque milhares de pessoas poderão passar o ensinamento pelo crivo
da razão, já que nossa fé não é cega, mas raciocinada. Somente o que é lógico e uniforme constitui o corpo da Doutrina dos Espíritos, que também é
evolutiva. À medida que os homens vão desenvolvendo seu grau de entendimento,
novos esclarecimentos lhes são prestados, baseados sempre na mesma estrutura,
sem discrepar dos Evangelhos, nem das linhas mestras traça das pelo
Codificador. É a obra do Paracleto, o Consolador prometido por Jesus, que
ficará eternamente conosco, ensinando-nos “toda a verdade”.
O céu e a terra perecerão, como
ensina Paulo, na lição acima, mas o Pai Celestial permanecerá ad
eternum, como eternamente ficará conosco a palavra do Espírito Santo,
sempre repetida, sempre renovada, guiando-nos com Jesus em nossa vida imortal!
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