Agostinho de Hipona
IX
‘Apreciando a Paulo’
comentários em torno
das Epístolas de S. Paulo
por Ernani Cabral
Tipografia Kardec - 1958
“Em verdade que não convém
gloriar-me;
mas passarei às visões e revelações
do Senhor.
«Conheço um homem em Cristo que há
catorze anos
(se no corpo não sei, se fora do
corpo não sei, Deus o sabe)
foi arrebatado até ao terceiro céu..
E sei que o tal homem
(se no corpo, se fora do corpo, não
sei; Deus o sabe)
Foi arrebatado ao paraíso; e ouviu
palavras inefáveis de que ao
homem não é lícito falar.” II
Epístola aos Coríntios, 12:1 a 4
Paulo de Tarso fala aqui, nesta
segunda epístola aos coríntios, das visões que teve, referindo-se até a um
desdobramento em Espírito, sendo arrebatado ao que chamou terceiro céu e, depois paraíso; “onde ouviu palavras
inefáveis, de que ao homem não é lícito falar”.
Já na primeira epístola aos
coríntios Ele fez referência direta aos dons espirituais, sobre os quais
desejou não fôssemos ignorantes (1 Cor., 12:1 a 11). Esses dons espirituais é o
que nós, espíritas, chamamos mediunidade.
Paulo mencionou ali diversos desses
dons, como os de curar, a profecia, a faculdade de falar em variedade de
línguas (que denominamos xenoglossia) e fez ainda menção expressa ao dom de
discernir os espíritos... Note-se que São Paulo usou esta palavra no plural, o
que tira o ensejo de outra interpretação, pois que o apóstolo reconheceu a
possibilidade de os espíritos serem discernidos, o que constitui um dom pessoal
de alguns cristãos.
Ora, se existe a faculdade de
“discernir os espíritos”, é porque estes se comunicam com os homens, não
obstante a negativa sem consistência de nossos irmãos protestantes.
Tais dons foram confirmados por São
Pedro (I Pedro, 4:10) e o apóstolo S. João chegou a advertir (I João, 4:1),
como já foi frisado alhures:
“Amados,
não creiais a todo o espírito, mas provai se os espíritos são de Deus; porque
já muitos falsos profetas se têm levantado no mundo”.
Aliás os primitivos doutores da
Igreja Romana, os seus grandes teólogos, criam nessas manifestações, que alguns
sacerdotes católicos hoje querem negar também, esquecidos da Bíblia, que a elas
se refere, em inúmeras passagens.
Santo Agostinho, o imortal bispo de
Hipona, no seu tratado “De Cura pro Mortius”,
escreveu:
“Por
que não atribuir esses fatos aos espíritos dos finados, e deixar de acreditar
que a Divina Providência faz de tudo um uso acertado, para instruir os homens,
consola-los e induzi-los ao bem?”
A verdade é que, confirmando os
fenômenos agora estudados pelo Espiritismo, o apóstolo dos gentios fala aqui,
nesta segunda epístola aos coríntios, das visões que teve, e refere-se em
seguida ao seu “arrebatamento” ao terceiro céu e ao paraíso.
Mas essa classificação numérica dos
céus é, sem dúvida, uma impressão pessoal do apóstolo.
Dante Alighieri, por exemplo, na “Divina
Comédia”, idealizou nove céus: “As nove hierarquias angélicas movem-se em
círculos concêntricos, em torno de um ponto luminosíssimo, que é Deus”. Ele fala
também no paraíso, e “o faz baseado no sistema geocêntrico da Bíblia e também
na teoria astronômica de Ptolomeu, vigente em sua época”.
Os Mensageiros do Senhor, de tempos
a esta parte, comunicando-se com os homens de boa vontade, têm levantado uma
parte do véu que nos separa dos planos espirituais. Há várias obras nesse
sentido, explicando a vida no além, sendo aconselhável a leitura da série de
André Luiz, que começa com Nosso Lar,
livro psicografado por Francisco Cândido Xavier, o grande médium de Minas
Gerais. Dela fazem parte Os Mensageiros,
Missionários da Luz, Obreiros da Vida Eterna, No Mundo Maior e Libertação. A leitura desses livros, além de esclarecedora, é muito
edificante. As obras espíritas, geralmente, ilustram e edificam, pois são
possuidoras de moral elevada, traçando um verdadeiro roteiro para nossas
atividades na Terra, à sombra benfazeja do puro Cristianismo.
Jesus também advertiu, no Evangelho
de João: “Na casa de meu Pai há muitas moradas”. (João, 14:2) Hoje, que nosso
entendimento a respeito está mais ampliado, não convém classificar o céu por
números.
É evidente que a própria Terra está
nos céus, pois nele gravita. Assim, “o reino de Deus está entre nós mesmos”.
(Lucas, 17:21) O céu é sobretudo um estado d'alma. Tal seja nosso ânimo, nossa
satisfação, nossa alegria íntima, e este mundo mesmo nos parecerá, por vezes, o
próprio céu!
Mas os planos elevados da
espiritualidade são em número infinito, como infinita é a criação divina.
Para facilidade do estudo, Allan
Kardec classificou os mundos em cinco categorias: mundos primitivos; de provas
e expiações (como a Terra); mundos de regeneração; ditosos e celestiais. Mas é
claro que se trata de subdivisões genéricas, comportando um número ilimitado de
posições intermediárias, entre os diversos planos da vida. Em torno da crosta
terrestre, por exemplo, há vários ambientes espirituais, que variam entre as
zonas infernais e as paradisíacas. Mas é claro que o inferno ou os umbrais,
como os Espíritos chamam, não são regiões de penas eternas. Algum dia, cada um
de seus habitantes sairá de lá, quando tocado pelo arrependimento sincero. O
sofrimento é proporcional à culpa, e como a maldade absoluta não existe, não
pode haver condenação perpétua, pois o Senhor deseja “que todos se salvem e
tenham a vida eterna”.
“A cada um será dado segundo as suas obras”, tal o cânon manifestado
pelo Cristo de Deus (Mateus , 16:27).
A própria fé, sem obras, é morta
(Tiago, 2:20).
E foi São Paulo mesmo quem frisou
que: “Ainda que tivesse toda a fé, de
maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse caridade, nada seria”.
(1 Cor., 13-2.)
Ele ainda acentua que, entre a fé, a
esperança e a caridade, a maior destas virtudes é a caridade (1 Cor., 13-13).
Eis porque os Espíritos de Deus declaram que “fora da caridade não há salvação”.
Na Epístola a Tito, repisa a
necessidade das boas obras, que dão testemunho da fé, e aponta os que “confessam
que conhecem a Deus, mas negam-no com as obras, sendo abomináveis e
desobedientes, e reprovados de toda a boa obra" (Tito, 1:16).
Em Romanos, 2:6, Paulo proclama que
Deus recompensará a cada um, segundo as suas obras, repetindo, aliás, o próprio
ensinamento do Divino Mestre, o que merece ser ponderado e aceito.
Assim, não se devem interpretar isoladamente certas epístolas do
apóstolo dos gentios, mesmo porque os ensinamentos gerais (ou de natureza
genérica) só podem ser a consequência da interpretação conjunta dos textos. Ler alguns versículos de certas epístolas, sem
os comparar com outros, que completam a lição, é tirar conclusões parciais ou
defeituosas.
Destarte, é exato que Paulo, em
algumas epístolas, dá assinalado valor à fé, mas completa depois sua concepção
religiosa, apontando também as obras como complemento indispensável à salvação,
consoante acabamos de ver.
Achar também que a salvação vem só
pela graça, é admitir um Deus faccioso, que escolhe criaturas privilegiadas.
Não é possível que Ele tenha criado toda a Humanidade e destinado a maioria à
perdição eterna. E os budistas, os maometanos e os ateus, que compõem
a maioria do gênero humano, estarão destinados à desgraça perene! Essa teoria,
presa à letra de certos textos, é evidentemente ilógica, absurda. Em verdade, a
reencarnação não fecha a porta a quem quer que seja para obter a purificação
espiritual, o conhecimento das verdades eternas, ou seja, a salvação. Admiti-la,
como está enunciada em João, 3:3, é compreender a misericórdia divina. Mas
aceitar um estado de graça limitado, e como regra geral, é conceber um Deus
parcial, que cria somente alguns para a felicidade eterna e a maioria para a
perdição. Este Deus não é, efetivamente, o de amor e de misericórdia a que
Jesus tanto se referiu. O Cordeiro Imaculado, mesmo no alto da cruz, ainda teve
palavras de perdão para os seus algozes. Tal a doutrina que nos legou, cheia de
amor e de bondade para com todos, e não somente para os que merecerem o tal
estado de graça.
Portanto, nossos irmãos protestantes
não têm razão em achar que a salvação vem só pela fé ou pela graça de Deus,
pois que as obras distinguem e assinalam o verdadeiro cristão, e são
imprescindíveis como testemunho da legítima evolução espiritual da criatura que
se regenerou. E as obras manifestam-se pela prática da caridade, que é amor, a
maior e a mais sublime de todas as virtudes.
Mesmo que Paulo não tivesse
totalizado seu pensamento e não se referisse à necessidade das boas obras, como
condição sine qua non da evolução do Espírito, teríamos que dar
predominância doutrinária à palavra de Jesus (que é superior à de Paulo), pois
que o Divino Mestre ensinou, repetindo as lições dos profetas, que o Pai “dará
a cada um segundo as suas obras”, conforme se lê em Mateus, 16:27, e não
segundo a sua fé ou seu estado de graça.
O Velho Testamento, fonte do Novo,
confirma tal assertiva em várias passagens, e pedimos que o leitor o examine:
I
Samuel, 2:3;
Provérbios,
24:12;
Isaías,
59:18;
Job,
34:11;
Salmos,
62:12;
Jeremias,
32 :19;
Oseias,
12 :2, etc.
E o último livro da Bíblia, o
Apocalipse de S. João, ainda repete que “a
cada um segundo a sua obra” (Apoc. 22-12), o que também é reconhecido, como
vimos, pelo próprio Paulo (Rom., 2:6) .
É estranho, portanto, que ante a
clareza e a repetição persistente dessa verdade bíblica, nossos irmãos
evangelistas queiram dar tanto valor religioso a uns textos isolados de algumas
epístolas de S. Paulo, que ele mesmo, logo depois, não direi que retifica, mas sim
que completa, de conformidade absoluta com as lições dos profetas e com a
palavra insofismável do Divino Mestre, que é a verdadeira pedra na qual devemos
repousar a doutrina cristã.
Que Jesus é a pedra, foi o próprio
Pedro quem proclamou (I Pedro, 2:4), como Paulo já o dissera - “e a
pedra era Cristo” (I Cor., 10 :4), sendo que São Pedro também reconheceu
que o Pai julga “sem acepção de pessoas”
(não havendo privilegiados), dando a cada um “segundo as suas obras”. (I Pedro, 1:17.)
A conclusão que tiramos destas
apreciações é que o Espiritismo, a terceira revelação de Deus, prevista pelo
próprio Jesus (João, 14:26 e 16:12 a 14), fundamenta-se na Bíblia e especialmente
nos ensinos imorredouros de Nosso Senhor, como nos de São Paulo, o “vaso escolhido” para a vulgarização do
Cristianismo e das verdades evangélicas (Atos, 9:15).
Os Mensageiros de Deus .também nos
têm dado a exata interpretação dos textos, bíblicos, já que os homens se tem
digladiado, através dos séculos, em torno da letra que mata, esquecidos do
Espírito que vivifica, para usarmos ainda a imagem do apóstolo dos gentios (I
Cor., 3:6).
Seria natural que nos tempos
prescritos o Senhor interviesse, através de seus emissários, dando o sentido
exato de suas palavras.
Nestes comentários, baseamo-nos nas
lições de nossos maiores da espiritualidade, trazendo embora nosso contingente
pessoal ao estudo e à divulgação da verdade. Mas se Deus é amor, como disse o
apóstolo João (I João, 4:8), a doutrina de Jesus, toda inteira, também se
resume no amor:
“Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e
de todo o teu pensamento.
Este é o primeiro e grande
mandamento,
E o segundo, semelhante a este, é:
Amarás o teu próximo como a ti
mesmo.
Destes dois mandamentos depende toda
a lei e os profetas.”
(Mateus, 22 :37 a 40.)
Assim, pelas citações ora feitas,
provamos que o Espiritismo, com seu corpo de doutrina e com suas provas,
constitui o Cristianismo Redivivo, com toda a sua pureza primitiva, quando os
fenômenos espirituais abundavam entre os crentes, e tem por fundamento “o livro
dos livros”. Paulo de Tarso mesmo já se referira a tais fatos, ou aos fenômenos
espíritas, que tão bem sentiu, com visões e arrebatamentos, assinalados em suas
epístolas, as quais merecem recordadas e maduramente refletidas por nós,
cristãos, amantes da Verdade que liberta (João, 8:32)
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