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‘Rimas do
Além Túmulo’
Versos Mediúnicos de
Guerra Junqueiro
Grupo Espírita Roustaing
Belém do Pará 1929
Casa Editora Guajarina
Apêndice
Críticas
e Réplicas
Tendo sido divulgada na imprensa, a
título de reportagem, a composição BENÇÃO DO PAPA, alguns dias depois veio o cônego Andrade
Pinheiro, figura de destaque no clero paraense, comentar, pelas colunas de órgão
católico, aqueles versos com as seguintes palavras:
“A
Benção do Papa e o Espiritismo
Se há neste mundo e entre os homens,
na vida humana, na família e nas nações bem como nas sociedades polidas, coisa
que mais mereça respeito, consideração, acatamento, veneração é a bênção dos pais.
Despreza-la fora injustiça, fora loucura, fora falta de senso, fora queda da
razão, fora a mais nojenta descortesia, fora a negação de um dos mais nobres
sentimentos do coração humano, que é a gratidão, A bênção de um pai, de um
amigo, de um protetor, de um dos nossos avós, de um padrinho, de um ancião
carregado de anos a um jovem na primavera da vida tem um não sei que de profundamente
sagrado e de elevado, que a ela nos curvamos, e lhe prestamos as homenagens que
merece. Se, pois, tão santa e tão respeitável
é uma benção, seja de um grande da Terra, seja de um pequeno deste mundo, e se
é ela objeto de apreço, reconhecimento e respeito, qual não ha de ser o mal em
contrário que é a maldição; nas Sagradas Letras temos e admiramos as efeitos
das bênçãos dos servos de Deus, dos profetas, dos patriarcas e do próprio Jesus
Cristo, Salvador do mundo. Por igual vemos e ficamos estupefatos e
aterrorizados com os efeitos das maldições! Ditoso do filho que todos os dias
recebe o grande benefício da bênção de seus pais; ou presente ou ausente um
filho bem criado recebe a bênção de seus progenitores como uma proteção e um
grande beneficio do céu. Oh! como é doce, como é sublime, como é alvissareira a
benção de uma boa e carinhosa mãe! Como é salutar, animadora e admirável a bênção
de um pai estremecido!
Estas ideias nos correram á mente
quando ao depararmos os assuntos da imprensa diária, nela lemos as blasfêmias
contra a benção do Papa, o maior vulto da humanidade, o pai por excelência dos
fieis católicos, esparsos por todo o mundo universo. Ninguém tão pai como ele,
ninguém tão amigo fiel e carinhoso como ele ! Nemo tam pater (ninguém é pai), como Ele! O que dizia Santo Agostinho de
Deus, podemos com toda razão dizer do PAPA, INCARNAÇÃO VIVA DE DEUS NA TERRA (1). Vigário de Jesus Cristo na Igreja
universal. Blasfemar da bênção do Papa, benção tão desejada, tão sagrada, tão
digna, tão amorosa e tão cheia das mercês do céu e das graças de Deus, é coisa
inaudita, é coisa que todo o homem de senso e de dignidade deve calcar aos pés
e repelir para bem longe de si, de seu lar e dos seus entes queridos.
(1) Os grifos correm à conta da
transcrição.
Pois, meu caro leitor, esta foi a
blasfêmia ou estas foram as blasfêmias que a seita espiritista ou espiritada
mandara publicar nestes últimos dias na imprensa para edificação dos incréus,
dos ímpios, e para a reprovação e execração dos católicos! A poesia blasfemadora
ou blasfematória diziam que é da pena do finado poeta luzo Guerra Junqueiro.
Mas convém saber que este grande
poeta morrera contrito e arrependido dos seus imensos pecados; renegou seus
erros e impiedades, e mandou que inutilizassem os seus maus livros e os
queimassem, declarando ainda que foram eles os desvarios de sua mocidade e de
grande parte de seus adiantados anos. Logo, foi
o espiritismo cavar nos arquivos do poeta luzo, condenados por ele próprio,
para deles tirar aquela peça (2) que se não pode ler sem asco e sem
horror. Quando o espiritismo se arrisca a tanto é porque está cavando cada vez
o buraco, onde se há de enterrar. Quando o espiritismo atira tão asquerosas injúrias
contra a bênção do Santo Padre, é porque tal seita está completamente
DESMORALIZADA, e perdida no conceito publico. Não se pode compreender como é
que uma seita, que anda tanto com o nome de Jesus na boca se atreva a tamanhos
insultos e desatinos! Não, o espiritismo não é religião, não é nada disto, está
composto de um bando de DESEQUILIBRADOS e blasfemos inauditos! E com isto vai
perdendo terreno na opinião, e no pensar dos homens sérios e criteriosos.
Quando o espiritismo diz tudo aquilo que mandou dizer pela imprensa contra a
sagrada bênção papal, é porque o espiritismo está no desespero e é capaz de
todas as ousadias indecorosas.
(2) Afora o falso testemunho de
afirmar que tenhamos recorrido ao arquivo deixado por Guerra Junqueiro, o que
equivale dizer que esses papeis vieram para o Brasil, - convém acentuar que a
poesia em causa (veja-se página79) se refere ao recente acordo assinado entre
Pio Xl e Mussolini, e que o grande Bardo desencarnou há mais de um lustro, em
1923.
A verdade e a lógica do reverendo
cônego...
Falar mal da bênção do Papa e tentar
menoscabar dela, enxovalha-la em público, cobrindo-a de injúrias e baldões (contratempo,
desventura),
é cair na mais deslavada protervia (ausência de prudência; imprudência ou
insolência) e
no mais assentado descrédito. Até um advogado, que se diz letrado, quis também
dar seu par de meias no injuriar a bênção do Santo Padre. Esse moço bacharel,
com certeza, ainda não estudou e não sabe o que é a Igreja, o que é o Papa e o
que é a bênção do Santo Padre: Ignorância! Aí ficam estes conceitos, bem próprios
a convencer aos amigos do bem, da religião católica e da verdade, qual ódio e a
mendacidade (hipocrisia,
falsidade)
que lavram nos arraiais espíritas contra o Sumo Pontífice, Chefe da Igreja de
Jesus Cristo.
14-3-929.
Andrade Pinheiro
*
O Espírito de Guerra Junqueiro, em
uma das sessões imediatas, replicou. E embora reconheçamos que esses versos não
se destinavam à publicidade, pois eram apenas o reflexo do carinho espiritual
seu para com os do Grupo Espírita ROUSTAING, dirigentes e frequentadores,
julgamos dignos de figurar aqui (o que decerto nos perdoará o magnânimo e
querido Amigo.
Eis a réplica:
Ao Andrade Pinheiro
Pinheiro, a Igreja está bem
desmoralizada, embora que a aparência encubra esta verdade. Quem te fala não é
uma alma aprisionada à Matéria, mas um ser já em liberdade, livre das
convenções, livre das pequeninas coisas que ao Espirito fazem vacilar: meu
irmão, eu
contemplo luzes diamantinas que na existência nunca pude lobrigar. No fim da
minha vida, a perda da memória me fez também perder a luz da Inspiração; para
mim, nada valem títulos de glória da Terra: só desejo chegar á Perfeição. Já
não pode atingir-me sanha dos “ministros”, estou liberto do invólucro material;
podem dar expansão aos ódios seus, sinistros: não causa
mais terror a excomunhão papal!
Tu me tens tanto ódio, e eu te
estimo tanto! e lamento quereres tu, na atualidade, esconder, sob a treva do
enganoso manto do Absurdo, o clarão imenso da VERDADE.
Não me admiro, não, do teu
espalhafato: o clero luta contra a própria EVOLUÇÃO, e, compreendendo que o
Espiritismo é um fato e que o mundo atual não teme a excomunhão, limita-se
vãmente a espalhar pela imprensa um punhado de asneiras à “vil heresia”,
tentando inutilmente implantar a descrença e os humanos cegar a pó de sacristia...
Continuo a afirmar que o abuso e a
mentira são males que merecem guerrear cerrado: eu enfrento com calma o fogo da
tua ira, embora me intitules - desequilibrado.
Mas... não diz que o “papa é a encarnação de Deus”, quando ele
é apenas um grande industrial que já fez dizimar inúmeros ateus - por terem
descoberto a farsa clerical.
E como era costume o papa,
antigamente, do alto - do seu trono abençoar o mundo, agora Pio XI,
audaciosamente, reaver de novo quis esse poder profundo na época atual. Mas
isto já é cúmulo da audácia, pois afianço: dos dogmas a fúria não pode sufocar
as vozes do
Além Túmulo; Espíritos não temem protestos da Cúria!
O clero, por astúcia, tem o
atrevimento de insultar a doutrina que prega a VERDADE, e no tumultuar do seu
desvairamento busca sempre enganar a pobre Humanidade.
Toda essa multidão de homens de
batina, que tenta acorrentar a consciência humana, não poderá manchar a sagrada
doutrina que os humanos conduz à senda soberana.
Ninguém pode fugir à real evidencia,
embora os clericais pretendam reduzir a cinza estes ensinos que na consciência
humana esclarecer vem um novo porvir.
Eu bem que te compreendo, ó Andrade
Pinheiro! O meu olhar arguto penetra a tua alma: o Espiritismo, vês, se espalha
ao mundo inteiro, - eis o motivo que te faz perder a calma!
Engolindo Jesus, na “hóstia consagrada”,
e bebendo o seu sangue em vinho preferido, os padres bem compreendem que isso é
uma farsa, mas apregoam que no - JESUS DIGERIDO - está “santo mistério”, uma coisa
extraordinária - que cristãos nao devem buscar analisar, pois merece castigo a
alma salafrária que indagar por que o CRISTO SERVE DE MANJAR! Isto seria
escandaloso para os homens honestos que trincam, fervorosos, hóstias
diariamente: provocaria grandes e ríspidos protestos no seio virtuoso da
piedosa gente! Mas como o Espiritismo é medonho invento do sábio Satanás (que é
um clérigo ilustrado), conseguiu acender no humano pensamento a luz que ao
clero faz tombar, desnorteado; - a Igreja, que simula ter toda a verdade e há séculos
tem lançado anátemas às seitas, já não pode fugir à dura realidade, agarrada
aos destroços de ilusões desfeitas...
E eis que vê surgir da fria
sepultura um bardo que pensou pra sempre adormecido, e qual gigante de uma incrível
estatura, brandindo enorme lança,- ataca destemido o clero, o cru algoz de ideias
progressistas, que, lépido, procura com habilidade insuflar ódios contra os
espiritualistas e encher de fanatismo a tola cristandade.
Mas não conseguirá eclipsar o sol que
brilhou para o bem do Espírito Moderno, fazendo-o despertar para um novo
arrebol, para a eterna paz, para o sossego eterno.
Meu caro: o Espiritismo é seita “diabólica”,
pois tem como alicerce a luz da CARIDADE e não pratica o BEM como a igreja católica
- que vende os “sacramentos - com toda a piedade...
Amedrontando as almas com ir pro
Inferno, a igreja conseguiu encerrar em prisão a fraca Humanidade que, em pavor
eterno, gemia na pesada e “santa” escravidão; mas, hoje, meu amigo, as coisas estão
mudadas, tudo remodelado pela EVOLUÇÃO, e o Inferno, repleto de almas
condenadas, desfez-se, fulminado ao sopro da RAZÃO!.. (Peço, meu caro, que te
acalmes, não te irrites; o ódio prejudica a alma e a saude; um abalo maior é
preciso que evites; Jesus aconselhou a paz, mansuetude.)
E, para terminar, ó Andrade
Pinheiro, embora me fulmine a tua maldição e me batizes mesmo de ímpio, aventureiro,
- eu te rogo que aceites o ósculo do irmão.
Guerra Junqueiro
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Além Túmulo’
Versos Mediúnicos de
Guerra Junqueiro
Grupo Espírita Roustaing
Belém do Pará 1929
Casa Editora Guajarina
*
Outras “criticas” houve, algumas das
quais o Poeta se referiu; mas não julgamos merecedoras de especial menção. Nos
versos abaixo, já publicados e precedidos das palavras que a reportagem jornalística
lhe ajuntou, pensamos estar a resposta a todos: aos doutos, aos bonzos,
aos incrédulos e aos espíritas meia-tigela.
Foi esta a publicação feita na FOLHA
DO NORTE, em sua edição de 19 de Maio de 1929:
“Nos
Domínios do ESPIRITISMO
Uma sessão
no Grupo Espírita ROUSTAING”
Muito Interessante, sob certo ponto
de vista, a sessão doutrinaria realizada quinta-feira última por esse núcleo de
propaganda espírita e a qual assistiram cerca de quinhentas pessoas.
Depois da prece inicial, de rigor
nessas reuniões, e lido o ponto de estudo, que foi o Sermão da Montanha (vers.
1 a 12 do Evangelho de Mateus, cap. V, a continuar), reapresentou-se o Espírito
que dá o nome de Guerra Junqueiro, declamando, incorporado na médium,
senhorinha América Delgado, os versos que damos a seguir.
Um curioso detalhe é que, depois de
recitados, o Espírito os dá por audiência, à médium e esta os escreve, enquanto
um orador, a seu lado, explana o assumpto do ponto em estudo.
Na sessão a que nos referimos, o
orador se ocupou largamente, em correlação doutrinaria, da Família,
referindo-se à obediência das filhas - que tem nas mães a melhor e inexcedível
amiga. Ao que parece, em consequência dessa explanação, que foi, como dissemos,
ampla, manifestou-se, no final da sessão, o Espírito da infortunada atriz
portuguesa Maria Alves, assassinada
há cerca de dois anos pelo conhecido empresário teatral Augusto Gomes.
Incorporada na médium, comovidíssima,
chorando mesmo, Maria Alves dirigiu súplice apelo a todas as filhas, lembrando
o seu caso, pois desprezara os conselhos maternos, abandonara o lar, fascinada
pelos brilhos do inundo, causando à sua pobre mãe - que a amava com verdadeiro
fanatismo - as maiores dores, o mais inconsolável pranto.
Tanto esta manifestação, quanto à
atribuída a Guerra Junqueiro, causaram intensa emotividade, provocando lágrimas
em quase toda a assistência.
São dignos de desapaixonado estudo
os trabalhos de Grupo Espírita Roustaing, e ali já se notam elementos de
destaque social e muitos intelectuais da ciência, da literatura e da religião,
entre a vultosa assistência.
Eis os versos supra referidos:
Aos Doutos e aos Bonzos
Fazeis questão do estilo e
metrificação... que pena! Eu, que perdi a antiga ilustração, hoje sou
pequenino, analfabeto mesmo; envolto num burel, ando a rimar a esmo; como um
proscrito, sigo animado ao bordão da Fé, que faz nascer a viva inspiração, que
vem de Deus. Incréus, atirai ironias; é conveniente, em suma, a estas heresias
que escrevo, e é de ver como a revolta surda explode com furor contra a “verve”
absurda de um poeta falido que não saúda a Egreja pelos crentes que faz (é
moda, e a moda, seja exótica ou perfeita, é mister ser seguida por aqueles que
têm um bom nome na vida) .... Que lhes importa a Lei? A Lei é muito dura. O
obreiro que se verga ao peso da amargura, por amor à Justiça, e não cai, é mal
visto. Os doutos falam bem, amam a Jesus Cristo, e as vaidades da Terra, e está
muito direito... Para ser homem bom, trabalhador perfeito, não é justo padecer;
o gozo, a alegria são acordes que arrancam a alma à nostalgia monótona da vida,
e quem diz o contrario é tido como um doble pária refratário ao progresso atual
que provoca o delírio.... É muito bom subir as escada do Empíreo (o lugar mais alto
do céu)
ornado de veludo e finas pedrarias, e, lá cima, encontrar, entre mil sinfonias,
num trono de ouro fino, como que engastado, um velho, de olhar flâmeo, calvo,
desdentado, que gosta de atender às súplicas dos entes, cumpridores da Lei, que
olham os mais crentes com o orgulho formal dos que não têm pecado, pois ao
Altar dão mimo (e enxotam o chagado que tem a petulância de lhes ir á porta!).
Vaidade! Exibição!.. o resto pouco importa. Mas, quando depararam olhos dos
papistas as rimas que alvejavam bonzos com modistas, os doutos exclamaram: É
anomalia, um Junqueiro que ataca o Erro, a Hipocrisia! É falso, e não pode
jamais ser verdadeiro! Fora esse bardo coxo, esse Guerra Junqueiro fingido que
compõe versos de tal jaez, na linguagem brutal de quem o português não sabe!
Para baixo o poeta macanjo (velhaco, tratante), que não usa batina, sem resplendor de
anjo! Mas, se fosse um Junqueiro açucarado, fino, embora que, em verdade, bardo
clandestino, ou aedo (poeta) senil que tecesse epifalâmios
(?) à Igreja e ao
Mundo, esses noivos de flâmeos topetes gloriosos, já divorciados por serem
desunidos, serem mal casados; e que viesse enfeitar com uma áurea capela o vício
aristocrata que almas esfacela, com a desfaçatez de cônego cevado -o lucro
embolsando ao fazer o batizado, o povo conclamava, É ele, é o Junqueiro! Oh!
que verve admirável, estro (inspiração) sobranceiro! Um prodígio! Quem ousa dizer que
é mentira? É o vate lusitano a dedilhar a lira, no mesmo entusiasmo! Oh! estilo
profundo: ELE
AFFIRMA QUE A IGREJA HÁ DE ENGULIR O MUNDO! Si fosse assim, ó Deus, os lacaios
do Altar sem a mínima dúvida haviam de achar nestas rimas aquele mesmo
sentimento que possui na vida em rijo pensamento e que ainda perdura... Agora
renasci. Se vacilei outrora, já fortaleci. Apreciais no verso o fogo do artifício!..
Por Deus, não aumenteis o meu atroz suplício:
como posso formar lindas frases brilhantes? O meu talento se foi, alou-se às
distantes regiões siderais do Evo (eterno) sitibundo (sequioso). Eu baixo, a
meditar, em torno deste mundo, perscruto a alma humana, esse louco batel que
vaga sobre um rio de lágrimas e fel. Também eu verto prantos e, por ela, aflito,
oro essa Prece que através vai do Infinito, arroja-se no Espaço, e milagrosa
faz, em vibrações sutis de esplendorosa paz, o servo pequenino alar-se ao Pai
clemente por uma dútil, mas indômita corrente. Ó doutos, ante vós, de rótulas
no chão, prosterno-me,
humilhado, em genuflexão... Que vos há de dizer pobre vate decrépito? Se vos
escandaliza o vergonhoso estrépito que estas rimas provocam em torno aos
sabidos, prendei num calabouço esses intrometidos Espíritos que vêm, de lá da
Eternidade, ideias perturbar da tola Humanidade; e que são, para vós, nocivos
elementos, pois vêm esclarecer os turvos pensamentos dos humanos. Mostrai, então,
vosso poder; a Verdade esmagai, fazei prevalecer o regime das eras em que a
Igreja tinha neste mundo o valor de fúnebre rainha. Mas cautela! pois, bem
inesperadamente, o luzeiro que ainda há de vir, resplandecente, libertar
Prometeu da sórdida opressão - há de lançar por terra essa maquinação que vos
faz desvairar. Ouvi-me, ò insensatos, não podeis destroçar a lógica dos
fatos!..
(Louvai sempre ao Senhor pelas inúmeras
graças que alcançais).
Guerra Junqueiro
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A MUSA DE GUERRA JUNQUEIRO NO
ESPIRITISMO
Sob o título acima publicou a “FOLHA
DO NORTE” em edição de 23-9-929, o seguinte: -
“Circunstância fortuita colocou um
de nossos colaboradores em roda amiga, constituída por três pessoas, na occasião
da leitura de uma carta a ser enviada para fora desta capital, tratando das
poesias ultimamente divulgadas sob o nome do finado poeta lusitano Guerra Junqueiro.
Embora com alguma dificuldade, o
nosso colaborador conseguiu cópia do principal trecho dessa missiva, que
julgamos interessante oferecer aos nossos leitores:
......................................
“Peço licença para destacar daquela
sua missiva os reparos feitos a propósito dos versos mediúnicos do nosso mui
amigo e querido Guerra Junqueiro.
Comecemos pela grafia da palavra
Igreja. Não sei se Junqueiro escrevia assim, tal qual v. confessa ignorar.
Afirmo, porém, para não alongar citações, que no artigo “Sacre coeur”, (“Prosas
dispersas”), ed. Chardron, 3ª, I926, pág., 8 e 9) está aquela grafia. Se o
certo é Egreja - e ali se encontra “errado”, com I, é de crer que o “erro”
represente um ato de respeito à ortografia do então já finado autor. Não lhe
parece? Tenho, além disso, edições portuguesas de obras do poeta com idêntico feitio
ortográfico.
Talvez não fosse de todo absurdo
chamar a sua atenção para as regras de um sr. d. Uso, que tem legalizado certas
formas de grafia; mas, não o faço, porque não sei latim e não posso, por isso,
avaliar si v. tem razão quando diz que a nossa brasileiríssima Igreja vem do
latim - Ecclesia. Jayme de Seguier, por exemplo (“Dicc. Pratico Ilustrado”, ed.
Chardron, 2ª, 1928, pag. 581, 1ª col.), manda escrever com I, e diz que a
origem é do português antigo - Eigreja. Modos de pensar, como vê, meu caro...
Muito mais interessantes são as
aparas que v. faz na métrica dos versos - “Clama, ne cessas”, oferecidos a v.,
e as outras, que cita, referentes à poesia – “Aos Ministros da Igreja”.
Respeitando todas as opiniões, não
teria eu despertada a curiosidade, no seu caso, se v. não houvesse frisado -
com delicadeza, mas peremptoriamente - que “desde os primeiros albores da
inteligência lê, conhece e admira Guerra Junqueiro - seu - mestre”, ficando implícita
a familiaridade com as respectivas produções poéticas, todas.
E, diante da sua critica de agora
aos versos “Aos Ministros da Igreja”, sou levado às pontas do dilema: ou v. há muito
tempo não lê Guerra Junqueiro, ou a sua memória está falhando. E isto porque o Junqueiro,
mediúnico, que tanto está escandalizando os “fariseus da crítica”, segundo sua bela frase, é o mesmíssimo
de outros tempos.
Não sei si v. conhece o proibido estudo
de Tomás da Fonseca, discípulo e amigo intimo, - "Guerra Junqueiro- Como
ele escrevia”. Conforme se aprende nesse opúsculo, Junqueiro jamais rascunhava
suas poesias. Imaginava-as, durante o percurso de longas caminhadas, e depois
as transmitia, em forma definitiva, ao papel. Desses verdadeiros e geniais
improvisos nos diz o próprio bardo: “Mergulhado, absorvido, assim, por esse
esforço mental, realizo, às vezes, longas caminhadas, marcha de léguas.
Voltando à casa, sento-me à banca de trabalho e, SEM UMA HESITAÇÃO, SEM UMA
EMENDA, CONFIO AO PAPEL TODA A COMPOSIÇÃO. NA SUA FORMA DEFINITIVA. NUNCA PUDE
COMPOR DE OUTRA MANEIRA. (Ed. Coimbra Editora
Lim., 1924, pago 9).
Ora, se na vida material o feitio da
sua musa foi SEMPRE o da improvisação, não é possível exigir que, em Espírito,
ele minute previamente os versos que nos diz e esteja, de papelucho em punho,
embora invisível, a ler bem medidinhas rimas. E v. concordara em que, no
improviso de uma centena de versos (“0 Ladrão” se compõe de 227), é impossível
saírem – todos - certos, perfeitos.
E por que do improviso resulte a
imperfeição, Junqueira, em vida na Terra, escreveu e publicou muitos versos
defeituosos, que a revisão nem sempre corrigiu. Se isso não mareou a glória do
poeta, foi porque a sua genialidade não permitia reparar na FORMA: a beleza
inexcedível
da frase, da tese, empolgava, arrebatava e permanecia vibrando no pensamento do
leitor. Eu o tenho por maior, exatamente porque, não sendo PERFEITO, lMPECÁVEL
na métrica. excedeu e deixou muito longe os “cinzeladores da forma”, os aplaudidos
autores de versos impecáveis, porém marmóreos artifícios de técnica, mas vazios
de sentimento.
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Reconheço- e que isto fique bem
entendido - a boa e pura intenção dos seus reparos, mas há injustiça em alguns.
V. se atira a estes versos, para notar lhes a falta de hemistíquio (cada uma das duas
partes de um verso dividido em dois) alexandrino:
e que amparava a
infância com divino amor
que celebrais a
missa- pela caridade
Eu bem sei que
existiram alguns missionários
da Igreja que
cumpriram grandiosas missões:
mas, estes, não
passaram nunca de operários,
os mártires cobertos
de sedas e rendas...
Mas v., nem mesmo empunhando a
lanterna de Diógenes, será capaz de descobrir onde estão as censuras
alexandrinas destes seguintes versos, que Junqueiro publicou aos 46 anos de
idade, em tempo de saber o que são hemistíquios ALEXANDRINOS:
As tremendas
calamidades da nação
telepatias,
bruxarias, judiarias
pesa de mais para
profeta ou visionário
o mal-estar... desassossego...
uma aventura...
no entretanto,
parada feita: jogo ao rei
de maneira que
apenas eu, sublime idiota,
se emigrando me
vejo livre de tal peste,
fico por lá... não
torno mais... fico de vez...
Incrível! No
momento grave em que a nação
e assim vamos
alegremente, que loucura!
Já não é tempo ...
As lavaredas da fogueira
que as vítimas
seremos nós, infelizmente!
Não abalemos,
galhofando, assim à toa
segundo ronde a
ventania lá por fora
Trinta e nove gran cruzes,
hã! no mesmo peito...
E o povo gosta
deixe lá... De mais a mais
Não precisamos
outras leis... Há leis à farta!
Cumpram as leis..!
Dentro da Carta realmente.
Desvairamentos. .. circunstâncias europeias...
derem de si em
conclusão regime novo...
Sabe v. onde se encontram esses
VINTE versos sem hemistíquio alexandrino? Todos na primeira cena da “Pátria”
(note bem, só na primeira), livro que é, sem embargo, maior do que todos os
elogios que lhe fizeram. Posso citar outros tantos, se v. quiser...
Contra este v. investe por verificar
que, além de estar sem urdidura (?), tem 13 sílabas:
por
única resposta, sorriam com brandura.
Parecerá um cúmulo que se atribua ao
IMPECÁVEL Guerra Junqueiro tal absurdo poético, ao “poeta de raça”, ao mestre
da rima, etc., etc...
Entretanto, peço a v. que pergunte
aos “críticos” (a quem v. alude) quantas sílabas se contam nestes que Junqueiro
escreveu e reviu em vida na Terra:
Para
estabelecer na luz as curvas sensuais
do Introito da “Morte de D. João”
(para encurtar citações), 8ª ed., da Livraria Editora Jacintho, Rio, 1902, pag.
12;
A
retalho. É de graça: o quilo a meio tostão
da “Velhice do Padre Eterno”, nova
ed. da Empresa Literária, Lisboa, pág. 153;
Era
a Esperança, meu Deus, que eu tinha imaginado
da “Musa em Férias” 7ª ed., Parceria
Pereira, 1923;
Eiras
de sonho, grutas de gênios e de fadas
da “Pátria”, edição citada, pag. 58.
E olhe que não lhe cito coisa idêntica
em “Os Simples” só porque nesse livro não há composições no metro de 12 sílabas
; mas, ainda assim, entre os 16 únicos alexandrinos que figuram na poesia “Canção
perdida”, eu não juro que este o
campo, Anoitecendo e adormecendo, exala
tenha A RIGOR, l2 sílabas, segando
nós outros, os leigos, contamos...
Mas, onda foi v. mais injusto? Foi
quando, apontando este verso quando a crença é robusta, nada a destrói ou abala
do “Aos Ministros da Igreja”, escreveu que isso era “IRONlA JAMAIS PRATICADA
PELO GUERRA!”
Ora, meu caro, tal opinião, naturalíssima
num “fariseu da crítica”, não assenta em espírito, qual o seu, habituado a, “desde
os primeiros albores da Inteligência”, ter trato com o grande poeta. Escandalizou-se
v. com as 14 sílabas? Pois vamos ver, nas edições citadas, estes versos:
Ai ao
relento, ai ao relento, sonham cavadores!
Sono
de arminho... colchão de terra, lençol de flores!
estribilho que se repete, no mesmo
metro de 14 sílabas, na poesia “Campo Santo”, de “Os Simples”, págs. 109 a 112;
A lua
morta boia nas nuvens toda amarela...
Corvos
marinhos, corvos daninhos, pousam sobre ela...
versos que, seguidos de mais 6 do
mesmo ritmo, v. encontrará à pág. 77 da “Pátria”, sendo inúmeros outros, de 14
e de 16 sílabas, encontrados em várias páginas.
Não os aponto para evitar os bocejos da enfadonha leitura destes despretensiosos
comentários.
Quanto a v. estranhar a presença de
dois versos (o 96º e o 97º) com 10 e 11 sílabas, em vez de 12, atribuo a lapso
de memória, pois sabe que o grande Junqueiro costumava interromper a monotonia
do ritmo de suas poesias, intercalando outras medidas, verdadeiras pausas de
leitura, de real efeito. Ha composições e trechos em que estão empregados
quatro e cinco ritmos diferentes.
Em resumo, meu caro, nós precisamos
mostrar, com os livros do nosso excelso e fiel amigo, que o Junqueiro mediúnico
é o mesmo e idêntico Junqueiro que emocionou e comove ainda a todos que lhe
sentem a magia dos versos, ou antes, dos ensinamentos empolgantes.
Não julgue v. que por aqui faltasse
a crítica dos “admiradores” que, das obras de Junqueiro, conhecem... “O Fiel”, “O
Melro” e a “Caridade e Justiça”. Houve; mas, por junto, o Espírito deu a
merecida resposta – “AOS DOUTOS E AOS BONZOS”, que vai inclusa. Nesses versos
encontrará alusão aos que, dizendo-se espíritas, suspeitaram de apócrifas as
poesias, pois é curioso assinalar isto: dos que vieram a público, para
reivindicar as glórias do IMPECÁVEL bardo”, apenas um, o cônego Andrade Pinheiro,
admitiu que fossem autênticas, atribuindo que tivessem sido exumadas do arquivo-espólio
do vate. Apenas ele, um corifeu da Igreja,
parece incrível!
O mal, v. deve saber, está na falta
de leitura, de estudo, na mania de repetir de oitiva o que outros vão dizendo mais
ou menos a esmo. Não será disto frisante exemplo chamar-se a um homem virtuoso
e austero - Catão? Entretanto, Catão, o antigo, o censor, foi usurário, avarento
(e v. sabe que a avarícia (o
mesmo que avareza)
é um dos maiores cancros da alma, cruel
para os seus escravos, bêbedo e, na velhice, devasso. E... “cosi va il mondo”.
Mas, nós outros, os espiritas, precisamos estar sempre na estacada, prontos a
defender a Verdade, dispostos e expostos ante aqueles que investem contra as
conquistas do nosso modesto porém sincero trabalho de adeptos da Terceira
Revelação.
E, no caso do nosso mui querido e
amigo Guerra .Junqueiro, precisamos desfazer a balela de “impecável” com a qual
se pretende amesquinhar, desmoralizar as manifestações desse Espírito iluminado
e bom. Digamos, afirmemos, sem timidez ou receios injustificados, que
ele não foi um fetichista das regras da métrica, das clássicas pausas tônicas
dos versos choramingas; mas, apesar disso, foi o mais formidável poeta-filósofo
em seu tempo e tão grandioso quanto o foi seu mestre Victor Hugo.
Agora resta que v. perdoe estes
desalinhavos, escritos com o intuito de prevenir sua atenção no sentido de ser,
aí, um defensor das “RIMAS DO ALEM-TÚMULO”, já no prelo. Guerra Junqueiro
aquiesceu, generosamente, em auxiliar o respectivo trabalho; as falhas que v.
notar serão devidas à imperfeição dos instrumentos de que o Espirito teve de
servir-se, pois bem
sabemos todos quanto somos ainda canhestros no serviço dos Espíritos, evoluídos
ou não.
No prólogo do livro há alguns outros
detalhes interessantes sobre o versejar de Junqueiro, pormenores que omito aqui
por parecer-me demasiada já a dose de... ópio “literário” propinado à sua paciência
e delicadeza. Demais, eu, para estas coisas de epístolas e “críticas”, nunca
tive feitio e jeito e engenho e arte.
Abraços cordiais e votos de saude,
paz e prosperidade do seu sempre muito grato e admirador.
A. Martins de Castro
FIM
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