terça-feira, 30 de julho de 2013

1.1 et 1.2 Mediunidade num poeta português



Mediunidade
num Poeta Português I
por Indalício Mendes
Reformador (FEB) Junho 1964

            Chegou-nos às mãos recorte dum artigo de José Afrânio Moreira Duarte, intitulado “Letras Portuguesas - Mediunidade em Fernando Pessoa?", publicado no "Diário de Notícias", do Rio, de 21 de Julho de 1963.

            Recusa o articulista aceitar a mediunidade do famoso poeta e propende para o "animismo", talvez por pressupor sejam as suas produções mediúnicas, insistentemente confessadas por ele, simples produto da subconsciência. E duvida. Ora, duvidar é sempre mais fácil e mais cômodo para os céticos, os indiferentes e os escravos de preconceitos e conveniências.

            Os espíritas não pedem que aceitem as suas crenças, mas que, antes de criticá-las, negá-las e repudiá-las, estudem os fatos espíritas, com frieza de ânimo, sem "parti-pris" nem azeda intolerância.

            O autor do artigo informa: "Sempre que se trata de Fernando Pessoa, vem à tona o "problema" dos heterônimos. Se os pseudônimos sempre proliferaram, em todas as épocas, quadrantes e literaturas, aqui o caso é inteiramente diverso, pois não são em verdade e ao pé da letra nomes falsos usados por um mesmo autor determinado e sim vários "autores" utilizando, por assim dizer, o mesmo "produtor" comum, tal qual personagens do "drama em gente" que o poeta se dizia" (sic).

            Esclareçamos o que vem a ser, literariamente, "heterônimo": é “outro nome, imaginário, que um homem de letras empresta a certas obras suas, atribuindo a esse autor criado por ele qualidades e tendências literárias próprias, individuais, diversas da do criador" (1). Completemos com esta achega do "Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa": "A palavra, neste último sentido, parece ter começado a circular depois do aparecimento de Fernando Pessoa, grande poeta português (1888-1935), que, além de usar o próprio nome em várias produções, assinou outras com os nomes Álvaro de Campos, Alberto Caeiro e Ricardo Reis, poetas, cada um destes, de características bastante individuais, na forma e no fundo, e até com biografia própria, curiosamente inventada por Fernando Pessoa (1). Essa diferença de características entre as obras das criaturas e as do criador é que distingue o heterônimo do pseudônimo." (1)

            Consoante semelhante suposição, nenhum homem de letras pode ser médium e, como tal, receber ditados de homens de letras já falecidos. Fugindo com esses subterfúgios ao reconhecimento da mediunidade, buscam os céticos escorar-se no pretexto do "heterônimo", não obstante ser justamente a "diferença de características entre as obras das criaturas e as do criador que distingue", não o heterônimo do pseudônimo, mas a realidade mediúnica da ilusão do "heterônimo".

            O articulista reputa "excêntrico" o procedimento de Fernando Pessoa, quando excêntrica é a explicação que oferece, por preconceito ou desconhecimento do Espiritismo. Não nos move o mais mínimo desejo de polemizar, mas apenas a intenção de reafirmar a pujança mediúnica de Fernando Pessoa, que as contestações palavrosas e inconsistentes não destroem. Já Paul Reboux fizera sucesso com o seu livro "À Ia Maniere de ... ", popularizando entre nós o vocábulo "pastiche". Seria o cúmulo do desrespeito admitirem eles na obra de Fernando a condição de "pasticheur", apenas para justificarem um ponto de vista caviloso.

            Prossegue o articulista:

            "Levando-se em conta o homem Fernando Pessoa e depoimentos por ele feitos, vem, assim, à primeira vista, a tendência de se acreditar, em certos casos, ter agido ele sob fortes influências mediúnicas. Em carta escrita em 1916 e endereçada a sua tia Anica, ao que tudo indica senhora que o iniciou na doutrinação espírita, ele mesmo fez minuciosos relatos de fenômenos mediúnicos que recentemente em si observara: "Aí por fim de Março (se não me engano) comecei a ser médium, Imagine! Eu, que (como deve recordar-se) era um elemento perturbador nas sessões espíritas que fazíamos, comecei, de repente, com a escrita automática.

            Estava uma vez em casa, de noite, vindo da Brasileira, quando senti a vontade de, literalmente, pegar numa pena para fazer rabiscos. Nessa sessão comecei a por a assinatura (bem conhecida de mim) "Manoel Galdino da Cunha". Eu nem de longe estava pensando no tio Cunha. Depois escrevi mais umas coisas sem relevo nem interesse nem importância. De vez em quando, umas vezes voluntariamente, outras brincando, escrevo" (1) .

            "É bem mais acertado acreditemos nos depoimentos do médium Fernando Pessoa, que viveu o "drama em gente", do que naqueles que procuram com falsa lógica desmenti-lo. Nada há de extravagante na manifestação repentina e espontânea da mediunidade. Fernando Pessoa não começou a ser propriamente médium "aí por fim de Março". Já o era, potencialmente, mas só nessa ocasião foi verdadeira e efetivamente chamado à tarefa mediúnica . Tudo simples e natural. Quantos médiuns tiveram, dum momento para outro, "de repente", a sua mediunidade revelada? Seria fastidioso citar exemplos comprobatórios do que afirmamos, pelo avultado número deles. Mencionaremos, contudo, apenas um, amparados na enorme autoridade do sábio Ernesto Bozzano, referente ao Prof. Francesco Scaramuzza, então, diretor da Academia de Belas Artes, de Parma, Itália, que se tornou espírita "quando já atingira idade bastante avançada e, aos 64 anos, as faculdades de médium escrevente nele se manifestaram" (2).

            Maior evidência ainda se encontra na afirmação de Fernando Pessoa, de que, certa noite, sentiu vontade de fazer rabiscos. Não há nisto nada de estranho, pois, conforme ensina Allan Kardec, "o primeiro indício para escrever é uma espécie de frêmito no braço e na mão. Pouco a pouco, a mão é arrastada por uma impulsão que ela não logra dominar. Muitas vezes, não traça senão rabiscos insignificantes; depois, os caracteres se desenham cada vez mais nitidamente e a escrita acaba por adquirir a rapidez da escrita ordinária" (1) e (3).

            Além do mais, frisou Fernando Pessoa que "nem de longe estava pensando no tio, Cunha", ao escrever involuntariamente o nome "Manoel Galdino da Cunha", e também que umas vezes escreve "obrigado", isto é, contra a sua vontade, o que comprova a realidade inequívoca da ação mediúnica em seu trabalho.

            A confissão espontânea de Fernando Pessoa, que deve merecer fé, em vista da sua reconhecida idoneidade, de "que não é apenas médium escrevente, mas vidente também, embora ainda não tivesse de todo desenvolvido suas qualidades", não bastou para levar o articulista à ponderação e, daí, a uma conclusão menos afoita, se possível imparcial, o que não se fez possível em vista da preocupação em negar a autenticidade da produção mediúnica do grande poeta.

            Ernesto Bozzano, em seu interessante opúsculo "Psicologia das Convicções", refere que "os preconceitos de raça, de ambiente, de religião, de educação, de escolas, de temperamento, que invadem e dominam a mentalidade da imensa maioria dos homens, suprimindo literalmente neles a faculdade de raciocínio, fazem-nos incapazes de distinguir o verdadeiro do falso em qualquer dos campos da atividade humana, seja político, social, religioso, moral, científico ou artístico".

            Pondo em destaque a relutância que o preconceito e a vaidade reforçam na defeituosa educação ética de certos homens, menciona adiante a visita que recebeu dum professor estrangeiro, bastante conhecido no ramo de ciência por ele, visitante, cultivada, o qual, ao ser indagado por Bozzano porque não declarava lealmente haver aceitado a hipótese espírita, pois reconhecera que nenhuma outra o levara a qualquer resultado positivo e convincente, retrucou, melindrado: "O senhor se esquece de que sou naturalista e os naturalistas não admitem nunca a existência e a sobrevivência da alma"... E assim a maioria dos negadores do Espiritismo. Muitos sabem, mas não querem dizer, como na anedota.

            Para o autor de "Mediunidade em Fernando Pessoa?", o famoso poeta não era médium, mas apenas um "heterônimo", e os seus trabalhos mediúnicos nada mais eram que da sua própria lavra, "inventados" por ele, iludido pelo "animismo". Depois nos haveremos de deter um pouco nesses argumentos ocos e falhos. Para justificar tão errada presunção, disse o articulista que Fernando Pessoa resolvera "de bom grado compartilhar com os companheiros sua genialidade e glória". O fato de ele sentir profundamente a obra de Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis não oferece base para revestir de razão o ponto de vista do contestante.

            Que o poeta possuía delicada e profunda sensibilidade, tudo o demonstra, inclusive a sua produção literária. O médium é invariavelmente um hipersensível. Quase podemos afirmar ser a hipersensibilidade prova de faculdade mediúnica. Consoante Alfred Still, "uma coisa é evidente quando aparece claramente ao espírito. A evidência é uma prova da verdade; ela é também uma prova da crença" (4). E sem dúvida alguma a evidência de que Fernando Pessoa era um hipersensível está justamente nos seus trabalhos e na sua produção mediúnica. Nesta, emprestando a sua condição de médium para que os poetas citados se manifestassem em toda a plenitude da sua imaginação poética, porquanto, se for realizado um confronto dos trabalhos por eles realizados quando ainda presos ao corpo somático, com aqueles ditados a Fernando Pessoa, por certo nenhuma diferença será encontrada no estilo e na ideia.

            Pretende-se insinuar estivesse Fernando Pessoa dominado por uma ideia fixa, qual a de que era médium, embora não o fosse. Para isso, o articulista recorda que ele deve, presumivelmente, ter sido iniciado na Doutrina Espírita por sua tia Anica. Viveria, portanto, em ambiente capaz de o sugestionar... E porque deva considerar Fernando um sugestionado, escreveu:

            "Coisas estranhas se passaram muitas vezes com ele: Quando Mário de Sá Carneiro atravessava em Paris a terrível crise de depressão nervosa que o levou - ao suicídio, lembrava-se constantemente do amigo, endereçando-lhe até carta em que revelava seus propósitos trágicos. Estando em Lisboa, embora tão distante no plano material, Fernando tece como que a sensação precisa de "sentir" em si todo o peso da angústia que em França ia oprimindo o companheiro, aniquilando-o gradativamente, parecendo-lhe participar de modo integral dela" (1).

            É mister não confundir as coisas. Fernando Pessoa era médium psicógrafo, mau, grado a negação, dos críticos infensos ao Espiritismo, que o incluem entre os “heterônimos", isto é, os que assinam trabalhos de sua autoria com os nomes de outros autores. É um sofisma, como tantos outros que se escudam em explicações absurdas por não quererem aceitar a interpretação simples, racional e cristalina do Espiritismo.

            Em outro artigo, terminaremos estas observações em torno da mediunidade de Fernando Pessoa.

(1) Todos os grifos são nossos. 
(2) Ernesto Bozzano - "Literatura d'Além-Túmulo".
(3) Allan Kardec - "O Livro dos Médiuns", Cap. XVII, 210.
(4) Alfred Still - "Aux confins de Ia Science'', pág. 15.




Mediunidade
num Poeta Português II
por Indalício Mendes
Reformador (FEB) Julho 1964


            Fernando Pessoa demonstrou ser um sensitivo de valor, porquanto, além da mediunidade psicográfica, incontestável, apesar das inúteis tentativas dos "heteronimistas" para negá-lo, era vidente e telepata.

            Dada a sua personalidade extremamente sensível, ao seu psiquismo requintado, Fernando Pessoa poderia perfeitamente atuar em casos tipicamente telepáticos e mesmo anímicos, como, aliás, se depreende do que foi relatado. Mas nada disso invalida a sua condição de médium, pelo contrário, a reforça.

            Supor-se que os seus trabalhos mediúnicos tenham sido de natureza anímica, mais acertadamente - produtos de auto alucinação, é insubsistente. Constitui até injúria à memória do grande poeta, o admitir-se sequer haja ele sido vítima de uma mistificação inconsciente, ao pensar estar recebendo mensagens de Espíritos desencarnados, quando elas eram mesmo suas. A argumentação usada para negar-lhe a mediunidade é artificial e frouxa.

            Examinemos os três aspectos da hipótese:

            Telepatia - Segundo o criador deste neologismo, F. W. H. Myers, é a possibilidade de transmitir pensamentos e sentimentos por meios outros que o canal conhecido dos sentidos. Literalmente, o termo significa "sensação recebida a distância" (2). Assim, Fernando Pessoa também foi um telepata, o que ficou provado no caso do seu inditoso amigo Mário de Sá Carneiro e no ocorrido com a sua mãe, dona Maria Madalena, "Ao regressar definitivamente da África, trazendo o resto da família, após enviuvar pela segunda vez, escreveu ao filho, na Capital portuguesa, avisando-lhe a data de sua chegada e pedindo-lhe que fosse esperá-la. Entretanto, sem ter recebido a comunicação que lhe fora remetida, sem aviso de espécie alguma, Fernando “sentiu" que sua mãe o aguardava, dirigiu-se ao porto e ali realmente a encontrou, a bordo de um navio, aflita, após longa espera de um dia e uma noite" (1).

            De que maneira poderia Fernando Pessoa saber da chegada de sua mãe, se nenhum aviso recebera? Animismo? Telepatia? Explanemos.

            A fixação do pensamento de dona Maria Madalena em seu filho, aflita com a sua ausência,com a sua demora, pode ter impressionado vivamente o Espírito de Fernando Pessoa, hipersensível, e, assim, receptivo. Um caso dessa ordem, convenhamos, está enquadrado na hipótese de uma comunicação telepático-mediúnica, classificável, portanto, na quinta categoria criada pelo sábio Ernesto Bozzano, dada a similitude com a tese por ele defendida:

            "Na quinta categoria, referente às mensagens transmitidas ao médium por expressa vontade de uma pessoa ausente, eu ressaltava, antes de tudo, a raridade das mensagens dessa natureza, quando, ao contrário, as mesmas mensagens, com caráter de espontaneidade, eram muito frequentes, nas condições de sono real ou aparente do agente, revelando-se estes últimos mais importantes do que os primeiros, dado que,
no caso de mensagem transmitida ao médium por vontade expressa de uma pessoa ausente, se tratava estritamente de um fenômeno de transmissão telepático-mediúnica"(3).

            Em sua monumental obra "Animismo ou Espiritismo?", Bozzano pulverizou todos os argumentos capciosos dos antiespíritas, reafirmando, com a autoridade de um experimentador e observador rigoroso, mas imparcial, que "o Animismo prova o Espiritismo" (1).

            Animismo - Reproduzamos os restantes parágrafos do articulista, examinando-os: "Dizia Fernando Pessoa que Alberto Caeiro lhe "aparecera" no dia 8 de Março de 1914 e que ele próprio permaneceu de pé, junto de uma cômoda alta, escrevendo a fio, como que em êxtase, trinta e tantos poemas que lhe iam sendo ditados ininterruptamente" (1).

            Compreendamos não acredite o autor do artigo na vidência de Fernando Pessoa e no fato de ele escrever "a fio, como que em êxtase, trinta e tantos poemas que lhe iam sendo ditados ininterruptamente". Quem desconhece é como quem não vê. Não há nada de excepcional nesse fato. Outros médiuns já trabalharam assim e ainda hoje temos médiuns que frequentemente recebem mensagens consecutivas, umas após outras, sem interrupção.

            Chamamos à atenção do articulista para o livro "A Psicografia ante os Tribunais", do confrade Miguel Timponi, recentemente desencarnado. Nesse trabalho, referente à questão das obras mediúnicas do escritor Humberto de Campos, recebidas pelo médium Francisco Cândido Xavier, encontrará ele muita coisa útil para desanuviar o seu espírito, inclusive o testemunho honesto, como os de tantos outros, do autorizado crítico literário Agripino Grieco, o qual, depois de ler e analisar os livros do Espírito de Humberto de Campos, conhecedor profundo que era do estilo, das preferências e tendências literárias de Humberto de Campos vivo - mais apropriadamente, encarnado -, concluiu, ao referir-se a uma crônica do mesmo: "Uma crônica, em suma, que, dada a ler a qualquer leitor de mediana instrução, logo lhe arrancaria este comentário: "É Humberto puro!"

            Mas, vale reproduzir o que Agripino Grieco escreveu a respeito, no "Diário da Noite", em 21 de Setembro de 1939: 

            "- Nisto, o orientador dos trabalhos pediu--me que rubricasse vinte folhas de papel, destinadas à escrita do médium; tratava-se de afastar qualquer suspeita de substituição de texto. Rubriquei-as e Chico Xavier, com uma celeridade vertiginosa, deixando correr o lápis com uma agilidade que não teria o mais desenvolto dos rasistas de cartório, foi enchendo tudo aquilo" (1).

            E mais adiante, apreciando o texto das comunicações, diz, concluindo:

             "- Será uma interpretação digna de respeito. Quanto a mim, não podendo aceitar sem maior exame a certeza de um pastiche, de uma paródia, tive, como crítico literário que há trinta anos estuda a mecânica dos estilos, a sensação instantânea de percorrer um manuscrito inédito do espólio do memorialista glorioso.

            "Eram em tudo os processos de Humberto de Campos, a sua amenidade, a sua vontade de parecer austero, o seu tom entre ligeiro e conselheiral. Alusões à Grécia e ao Egito, à Acrópole, a Teresias, ao véu de Isis muito ao agrado do autor de "Carvalhos e Roseiras". Uma referência a Sainte-Beuve, crítico predileto de nós ambos, mestre de gosto e clareza que Humberto não se cansava de exaltar em suas palestras. Conjunto bem articulado. Uma crônica, em suma, que, dada a ler a qualquer leitor de mediana instrução, logo lhe arrancaria este comentário: "É Humberto puro!"

            "Fiquei naturalmente aturdido... Depois disso, já muitos dias decorreram e não sei como elucidar o caso. Fenômeno nervoso? Intervenção extra-humana? Faltam-me estudos especializados para concluir. Além do mais, recebi educação católica e sou um entusiasta dos gênios e heróis que tanto prestígio asseguram à religião que produziu um Santo Antônio de Pádua e um Bossuet. Meu livro "São Francisco de Assis e a Poesia Cristã" aí se encontra, a testemunhar quanto venero a ética e a estética da Igreja. Mas - repito-o com a maior lealdade - a mensagem subscrita por Humberto de Campos profundamente me impressionou..."(4).

            Aí está o respeitável testemunho de um homem respeitável, sobretudo por sua condição de crítico literário severo, mas imparcial.

            Também os portugueses tiveram em Fernando Lacerda um grande médium psicógrafo, o qual, como o Chico, como tantos outros, deve ter igualmente recebido mensagens "a fio", "ininterruptamente".

            Querer o autor do artigo pressupor haja Fernando Pessoa, por estar muito identificado com o estilo e as ideias poéticas de Alberto Caeiro, feito imitações, principalmente numa produção de "trinta e tantos poemas que lhe iam sendo ditados ininterruptamente", é extravagante. É até desprimoroso insinuar-se a possibilidade de Fernando Pessoa ter sido um "pasticheur". O testemunho autorizado e insuspeito de Agripino Grieco, em caso idêntico, desmancha por completo o arrazoado do articulista.

            Diz ele ainda: “Mas acontece que o poeta sempre se referiu a esses trabalhos de Alberto Caeiro como o que havia de mais sincero em toda a sua obra, dando a entender, pois, que justamente nos versos desse heterônimo sua personalidade se achava melhor refletida."

            Não vemos como possa semelhante pormenor determinar a condição de "heterônimo" atribuída a Fernando Pessoa. O que prova, isto sim, é que, sendo grande a afinidade literária entre ambos, mais fácil é inferir-se da preferência do Espírito de Alberto Caeiro pelo médium Fernando Pessoa, capaz, por essa mesma razão, de captar suas mensagens e conservá-las em toda a sua pureza poética.

            Conclui, por fim, o articulista:

            "Não seria lógico, então, que um outro "ser" expressasse de maneira melhor e mais autêntica seu real sentir. Logo é forçoso deixar de lado, neste caso, a questão da mediunidade, uma vez que, consideradas as coisas dessa forma, no terreno da produção poética, pelo menos, os fenômenos aludidos não tinham um caráter mediúnico e sim anímico" (1).

            A conclusão é infeliz. Não foi outro "ser" que expressou o "real sentir" de Fernando Pessoa. Este é que permitiu pudesse Alberto Caeiro expressar o seu "real sentir" através da sua medianimidade, garantindo-lhe uma "reprodução" fiel das mensagens recebidas, tal qual sucede com outros, médiuns de categoria, como, por exemplo, Chico Xavier.

            Importa, pois, reconhecer a honestidade literária de Fernando Pessoa, a nobreza da sua conduta como médium e poeta. 

            Avançar que "é forçoso deixar de lado, neste caso, a questão da mediunidade, uma vez que, consideradas as coisas dessa forma, no terreno da produção poética, pelo menos, os fenômenos aludidos não tinham um caráter mediúnico e sim anímico", parece-nos temerário. Os fatos provam que, mesmo nesse caso, mesmo consideradas as coisas dessa forma, não é possível deixar de lado a questão da mediunidade. Os fenômenos foram típica e especificamente espíritas nessa parte dos poemas ditados. Ainda que, para satisfazer o desejo do articulista, se admitisse a possibilidade, aí, do animismo, ainda assim os fenômenos não deixariam de ser realmente mediúnicos. Portanto, que foram fenômenos espíritas, nem há que vacilar.

            Outra não pode ser, ultima ratio, a conclusão de todas as conclusões aqui encontradas: Fernando Pessoa foi médium psicógrafo e os trabalhos que apresentou como mensagens recebidas de poetas desencarnados o foram verdadeiramente captados pela sua medianimidade.

(1) Os grifos são nossos .
(2) Alfred Still - Ob. cit., pág. 237.
(3) Ernesto Bozzano - "Animismo ou Espiritismo?" pág. 54.
(4) Miguel Timponi - "A Psicografia ante os Tribunais", 4ª edição, págs. 67-68.



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