Oração
ante
a Manjedoura
Senhor: quando iniciaste o Divino
Apostolado, na Manjedoura singela, preocupava-se o Império Romano por um mundo só, em que se
garantisse a paz pela centralização administrativa. Augusto, o glorioso
imperador, ostentava a coroa do supremo poder humano, cercado de legisladores e
filósofos que pugnavam pela unidade política da Terra...
No
entanto, Senhor, sabias que além da superfície brilhante das palavras,
formavam-se legiões consagradas ao aniquilamento e à morte.
Enquanto
se erguiam as vozes do Senado, proclamando o direito, a concórdia e a dignidade
humana, a Espanha pagava dolorosos tributos de sangue à pacificação; a Germânia
experimentava a miséria; a Grécia conhecia incêndios e devastações da
conquista; a Panônia chorava os lares destruídos; a Arábia tremia sob o terror;
a Armênia pranteava os seus filhos; a África dobrava-se sob atrozes
humilhações.
Em
Roma, os poetas teciam madrigais à beleza e os literatos homenageavam a
justiça, mas, nas margens do Danúbio e do Reno, soluçavam crianças e mães
desamparadas.
Sabemos,
hoje, que a atmosfera de júbilo, reinante no mundo de então, representava fruto
de tua presença santificante e reconhecemos que os homens se embriagavam de
alegria por fora, continuando, porém, por dentro, os mesmos enigmas de luz e
treva, ignorância e conhecimento, impulsividade e razão. Sabias, por tua vez,
que eles glorificavam o respeito à dignidade pessoal e matavam-se, uns aos
outros, nos circos, sob o aplauso quente da multidão; reverenciavam os deuses
nos templos de pedra e partiam, em seguida, integrando expedições dedicadas à
rapinagem; declaravam-se livres perante a lei e escravizavam-se, cada vez mais,
ao império do egoísmo e da morte.
Não
consideras, Senhor, que o quadro atual continua quase o mesmo?
Desde
a Renascença, ouvimos lições de concórdia mundial, ensinamentos alusivos à
liberdade, cânticos religiosos exaltando a fraternidade, discursos filosóficos
definindo conceitos de solidariedade humana, argumentos científicos em favor da
renovação social para um mundo só, onde a existência seja digna de ser vivida,
mais elevada, mais feliz.
Todavia,
enquanto os peritos diplomáticos se reúnem, solenes, mobilizando rotativas e
microfones, o espírito de hegemonia domina os povos e o ódio calcina os
corações.
Entoam-se
hosanas à paz nos templos calmos e prepara-se a guerra nas fábricas febris. A discórdia doméstica e coletiva nunca foi tão
complexa, agora que a Sociologia é mais pródiga em conceituação de harmonia.
Os
homens, não contentes com o poder de matar pelo canhão e pela metralhadora,
pelo gás e pela fome, descobriram a desintegração atômica, a fim de que não somente
os irmãos na espécie sejam exterminados, mas também os animais e as árvores, os
ninhos e os vermes, os elementos vitalizantes doar, da água e do solo... E
invocam-te a presença, antes da batalha, abençoam armas em teu nome,
declaram-se teus protegidos, acionando maquinarias de arrasamento.
Relacionando,
porém, estas verdades, não desconhecemos que o teu amor infinito prossegue
vigilante e que, se nenhum serviço do bem permanece despercebido diante de tua
misericórdia, nenhuma interferência do mal se perpetua sem a corrigenda de tua
justiça! Acompanhas teu rebanho com a mesma esperança do primeiro dia e, quando
as ovelhas tresmalhadas se precipitam no despenhadeiro, ainda é a tua bondade
que intervêm, carinhosa, salvando-as da queda fatal. Teu devotamente cresce com
as nossas transgressões e se permites que a ventania do sofrimento nos fustigue
o rosto, que os golpes da guerra nos abalem as entranhas do ser é que, Artista
Divino, concedes poder ao martelo da dor, a fim de que, vibrando sobre nós,
desfaça a crosta de endurecimento que nos deforma a vida, entregando-nos a
temporário infortúnio estabelecido por nós mesmos, como se fôramos pedras
valiosas, confiadas ao zelo de um lapidário prudente e benigno! ...
É
por este motivo, Mestre, que, inclinados sobre a recordação de teu Natal,
agradecemos a luta benfeitora que nos deste, a experiência que nos permitiste,
as bênçãos que renovas sobre a nossa fronte todos os dias!
Pastor
benevolente e sábio, revela-nos o aprisco do bem! Conheces os caminhos que
ignoramos; acendes a tocha da verdade quando as trevas da mentira se espalham
em torno; sabes onde se ocultam as armadilhas perigosas das margens;
identificas de longe a presença da tempestade; tens o verbo que desperta o
estímulo sadio; ensinas onde se localizam os raios do farol que conduz e as
chamas do incêndio que destrói; curas nossas chagas sem panaceias de fantasia;
repreendes amando; esclareces sem ferir; não desprezas as ovelhas quebrantadas,
nem abandonas as que ouviram o convite sedutor dos lobos escondidos na sombra!
. .
Sê
abençoado, Senhor, nos séculos dos séculos, pela eternidade de teu amor, pela
grandeza de teu trabalho, pela serenidade de tua sublime esperança.
E
permite que nós, prosternados em espírito, ante a lembrança de tua manjedoura
desprotegida, possamos regressar às bases simples e humildes da vida,
continuando nosso trabalho redentor, após repetir com o velho Simeão,
encanecido nas inquietantes experiências do mundo: "-
Agora, Senhor, despede em paz o teu servo, segundo a tua palavra, pois já os
nossos olhos viram a salvação".
Irmão
X
por Chico Xavier
Reformador (FEB) Dezembro 1946
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