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“À Luz
da Razão”
por Fran Muniz
Pap. Venus – Henrique Velho & C. – Rua Larga, 13 -
Rio
1924
O CÉU E OS ANJOS
Eis a paragem deliciosa, o sítio dos
prazeres supremos e gozos indefinidos, dos querubins! Paraíso murado de cristal
celeste, com tapetes de nuvens, ambiente de música, ventiladores de perfumes,
cortinas de luz e sanefas (Larga tira de fazenda, que se atravessa como
ornato na extremidade superior de uma cortina) de
rasarias (passado rente)! E
tudo isso criado, somente, para os padres e demais católicos!
Que
desgosto para o resto da humanidade, que nunca lá penetrará!
Consolemo-nos!
Demais, o número dos deserdados é excessivamente superior porque antes dos católicos
merecerem essa distinção; a
humanidade desde o princípio do mundo; também não gozou o céu; portanto, “mal
de muitos, consolo é.”
No
entanto, como não é possível crer na injustiça divina, vamos distrair as nossas
mágoas com um pouco de raciocínio, e, com certeza, descobriremos mais uma pretensão
dos exclusivos proprietários do céu.
Comecemos
a nossa investigação de 4000 anos antes de Cristo, isto é, da criação do mundo
segundo o cálculo da igreja.
E,
como explicará ele o encontro de uma camada de carvão de pedra, na espessura de
400 melros, para cuja formação foram precisos 68.000 anos? Mas, a Terra, a
igreja é teimosa, só tem 6.000 anos de criação!..
Vamos,
porém, ao céu, queremos dizer, falemos desta paragem encantadora:
A
intuição inata que temos da imortalidade da alma, nos faz pensar que esta, chegado
o seu desprendimento, seja conduzida para fora do nosso mundo. E, assim se admitiu,
desde a antiguidade mais remota, a existência de um céu para morada eterna dos bons.
A
igreja romana concordando com ideia tão maravilhosa, prevaleceu-se da sua pretensa
autonomia e fez propagar a existência desse paraíso como coisa nova e de sua
propriedade.
Segundo
a gênese mosaica o céu foi criado no segundo dia para separar as águas de cima
das de baixo, de sorte que a inteligência primitiva, inclusive a da igreja, supôs
que o céu devia ser côncavo e bastante sólido para suportar o peso das águas
que lhe ficaram por cima.
Ora,
sabendo-se hoje que somente existe acima da Terra o espaço infinito com essa
poeira brilhante de inumeráveis mundos, pergunta-se: Que foi feito do céu?
A
igreja não responde, pois nós sabemos: Foi arrombado no fundo pelo peso das águas, produzindo o célebre
dilúvio que obrigou Noé a andar ao leu,
na barquinha, com toda aquela bicharada durante 960 horas.
Assim,
tendo baqueado a propriedade celeste, para onde irão os pensionistas mandados
pela igreja, admitindo que ela de boa fé se encarregue disso?
Mas,
pouco importa que o céu não exista; o Concílio já o fantasiou com os devidos
predicados. O invento revela grande poder de imaginação e os fieis com isso
lucraram um magnífico engodo. Demais, se o catolicismo não dispusesse de um -
reino da glória- o que outra recompensa podiam esperar os católicos?
E,
aproveitando-se da sua patente de invenção, continua a igreja a estimular o seu
rebanho na compra da felicidade eterna por preços abaixo do custo.
Desse
modo, o céu continua a ser o paradeiro das criaturas angelicais, cujos dotes e ocupações
vamos examinar, tais como a igreja os considera:
“Os
anjos foram, no começo dos tempos, criados privilegiados para comporem a corte
celeste, adorarem a Deus no auge da glória e servirem de intermediários dos
incensos e orações dos homens ao Criador.”
“Essas
criaturas espirituais foram criadas do nada, conjuntamente com as corporais e,
entre ambas, formando um elo, foi criada a natureza humana composta de corpo e
espírito”.
Ora,
se o homem foi criado há seis mil anos, como diz a igreja, é logico que a criação
dos anjos, tem a mesma idade, portanto, antes dessa época, a obra de Deus era incompleta.
Salvo se a existência de Deus e a sua criação começaram de Adão para cá.
Quanto
à criação feita do nada, a igreja
ganharia mais se não tivesse proclamado este outro contrassenso, visto que o
nada não pode produzir coisa alguma.
Do
mesmo modo, evitaria a crença absurda de serem os anjos criados já com todos os
conhecimentos e virtudes e elevados assim à suprema felicidade eterna, sem
causa alguma terem feito para isso merecer.
“Apesar
de serem os anjos espíritos como o dos homens, todavia existe uma grande
distinção entre eles: Os anjos são espíritos puros e o dos homens forma com o
corpo uma só pessoa, sendo tal e essencialmente o seu destino.”
Nesse
caso, que será feito do espírito do homem quando deixar o corpo, visto que o
seu destino é ser ligado a ele? Terá de procurar outro corpo? Isso seria
confessar a reencarnação que a igreja não admite. Logo, se não há outra
explicação, a igreja está errada.
“O
número de anjos deve ser prodigioso, pois que se a majestade dos reis se
ostenta pelo número de vassalos, que ideia não devemos fazer da majestade do
Rei dos reis?”
Vê-se
que o catolicismo procura por todos os meios igualar e comparar Deus às
entidades terrenas; mas o bom senso se recusará, por certo, a emprestar ao Criador
as vaidades e ostentações dos magnatas da terra, fazendo-se cercar por legiões
de adoradores genuflexos em eterna beatitude.
Diz
ainda a igreja que “as ideias dos homens lhes chegam pelos sentidos, na
comparação dos objetos exteriores”.
Como
se explicam, pois, as ideias que as crianças trazem do berço sobre música,
pintura, soluções de problemas, etc. sem nunca as terem aprendido?
Por
outro lado, se uma criança morre sem que as ideias lhe tivessem chegado pela
comparação dos objetos, qual a vantagem de ter ela nascido, uma vez que a alma
não renasce?
Se
a alma não progride depois da morte, o que será feito, ainda, da criança, do
selvagem, do imbecil ou do idiota?
Permanecerão,
eternamente, condenados à nulidade? Mas se, ao contrário, a alma adquire novos
conhecimentos depois da morte, então, é porque pode progredir, e, nesse caso,
se chega à conclusão de que as penas eternas são absurdas, visto que havendo o progresso, é natural que a alma possa chegar ao
grau de elevação dos anjos ou puros espíritos.
Assim,
pois, haveria iniquidade na criação de seres privilegiados, isentos de trabalhos
e, portanto, favorecidos, o que é incompatível com a justiça de Deus.
Ora,
é muito feio a igreja supor Deus injusto e mau como se fora qualquer papa que
amaldiçoa e condena seus irmãos, só pelo prazer de contrariar Cristo, que mandou
amar e perdoar a todos, indistintamente.
Não.
Os anjos devem ser considerados os espíritos das criaturas que adquiriram
posições na luta e por mérito próprio, e assim devem ser os espíritos de todos
nós porque todos somos filhos do Criador.
O
céu, por sua vez, não se acha circunscrito em nenhum lugar; ele consiste,
unicamente, na felicidade que cada um obtém pelo progresso realizado para seu
espirito. De sorte que um pode ser mais feliz do que outro, em virtude do
adiantamento moral e intelectual adquirido, sem que, todavia, se achem em lugares
distintos.
Assim, o céu é o próprio universo para os que
gozam os esplendores e harmonias de acordo com a elevação adquirida, conforme
esta frase:
“A
cada um segundo as suas obras.”
Esse
céu, contudo, é acessível a todos os filhos de Deus, católicos ou não; é apenas
questão de tempo; mais breve para os que se adiantam no progresso e mais moroso
para os que se retardam pela negligência e odiosidade à luz.
Estes,
devem o seu atraso a si mesmos ou à igreja
que, com os seus conselhos e ensinamentos, só faz cegos e tardígrados. (assim denominadas cerca de 300 espécies de seres microscópicos.
Habitam na película que envolve os musgos e nos líquens nas águas doces e nas
películas de água que envolvem os grãos de areia nos litorais marítimos.
O seu tamanho não ultrapassa 1 milímetro.)
Que
se queixem ao papa!
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