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“À Luz
da Razão”
por Fran Muniz
Pap. Venus – Henrique Velho & C. – Rua Larga, 13 -
Rio
1924
Citemos
ainda, como simples curiosidade, outra demonstração da falta de fé e da pouca
importância ligada às orações pelo sistema católico romano.
O
fato, a seguir, passou-se em véspera de Carnaval. Realizava-se em certo lugarejo
uma batalha de confetes e nesse mesmo dia a igreja local celebrava a festa do
seu padroeiro; chamemos a esta igreja o nome suposto de –“Senhor Bom Jesus do
Morro”, porque não corra o risco de ser repreendido por sua Eminência, o
respectivo vigário.
O
povo, folião como o é o nosso, divertia-se, em ampla liberdade, ora nos folguedos
de Momo, ora nos atrativos da festa da igreja, em frente da qual se lia num
grande cartaz anunciativo, o nome do padroeiro:
Hoje
- Festa do “Senhor Bom Jesus do Morro” e da “Boa Imprensa”.
A
multidão, na sua maioria, de cabelos empoados, rostos coloridos, roupas e laços
espalhafatosos, espremia-se entre chufas e risolas, no adro da igreja onde, num
coreto, a música assinalava as vendas do leilão de prendas e o comércio das
barraquinhas.
Em
dado momento, porém, a massa começou a invadir a igreja em atropelos e
correrias. Era o Te-Deum que se
celebrava em pleno templo repleto de fantasiados.
E,
enquanto lá dentro se solenizava essa oração semi carnavalesca, um vendedor
ambulante apregoava lança-perfumes na porta da casa de Deus.
É
risível, não é verdade?
Pois
é a isso que está reduzida a religião romana.
A
nós outros, contudo, nada disso surpreende no catolicismo, porque conhecemos fatos
muito mais graves e quase inacreditáveis. O que nos admira, porém, é a audácia
daquele vendedor de artigos de carnaval fazer o seu negócio à porta do
estabelecimento dos outros...
Esse
episódio, apesar das reservas de que se cobre, não poderá ser susceptível de dúvidas.
Foi assistido por cerca de duas mil testemunhas.
Depois,
temos coisas idênticas, mais publicamente ostentadas:
Quem
não conhecerá, num subúrbio da Capital, o célebre “Mafuá” do padre J..?
Pois,
em pleno Carnaval de 1919, foi visto, por muitos milhares de pessoas, um padre
de batina e tudo, regendo a banda de música num coreto daquele chamariz.
E
o mais extraordinário é que, um outro padre a quem se fez sentir tal
rebaixamento da religião, respondeu:
“-
Nada de mal há nisso. O padre não estava se divertindo, nem era carnavalesco,
mas sim cooperava na obtenção de auxílios para a construção a uma
nova igreja”.
Assim,
pois, tudo serve de objetivo de uma classe que não treme de procurar, até no
deboche e na orgia, o auxílio monetário para o custeio da religião.
Mas,
confiemos isso ao critério das boas consciências e reatemos o nosso exame às
missas.
A
conclusão verificada neste dogma é que o padre ora por obrigação de cumprir o
que ensina o missal e os fiéis oram para satisfazer o uso ensinado pelo padre;
ambos, porém, fazem da oração um ajuntamento de palavras que partem dos lábios
sem passarem no coração. Mas como repetem a fórmula, um certo número de vezes,
julgam-se quites com o compromisso para com Deus.
Esta
incoerência bem define a falta de convicção observada entre os seus adeptos; daí
o tédio que se vai apoderando deles, começando pela redução das visitas à
igreja, no que, aliás, fazem muito melhor.
É
já bastante comum, por exemplo, ouvir dizer, mormente as senhoras:
Hoje
acordei tão indisposta, tão aborrecida ... e não tendo que fazer, fui à missa.
Ou
então:
Ora,
hoje não fui à missa: Acordei tão indisposta..., tão aborrecida...
Por
sua vez, concorrem grandemente para a destruição da fé, os símbolos e contra sensos
com que são mimoseados diariamente os visitantes para desfastio.
A
missa mesma, por si só, é um perfeito arsenal de símbolos.
Os
católicos devem conhecer perfeitamente todos os passos e circunstâncias
referentes à paixão do Nazareno e que são simbolizados na missa, por isso abstemo-nos
de especificá-los. Trataremos somente do que representa a ascensão do Mestre ao
seio do Onipotente.
Na
missa, a subida majestosa do Mestre dos mestres, é simbolizada na elevação da hóstia,
com a diferença, porém, de que, aí, o Cristo em forma de biscoito, em vez de
subir ao Céu, desce para as imundas vias gástricas do sacerdote.
Sinceros
e profundos pesares aos católicos que concordarem com esse gravíssimo
desrespeito ao seu Deus.
Na
verdade, a fé não pode persistir numa religião que está em plena decadência,
devido à falta de conhecimentos dos seus chefes e isso originou também em seus
súditos a falta de noção do valor e da sublimidade da prece.
E
o resultado é rezarem, sem consciência, como um gramofone que repete palavras
gravadas no disco.
A
prece, no entanto, não é nada disso. A prece é uma corrente fluídica que,
partindo do pensamento, pelo impulso do coração, atravessa o espaço universal
em direção a Deus ou aos espíritos, a quem nos queiramos dirigir. É como o som
transmitido pelo ar.
Mas,
para se conseguir a realidade da prece, são necessárias a perfeita concentração
do espírito, a vontade inabalável e a pureza de coração.
E
não é o que se obtém nas missas, entre a preocupação da pragmática simbólica, a
disparidade da fé e de sentimentos, o murmúrio dos sinos, das cantilenas e dos órgãos.
Urge,
pois, a humanidade compreender que a verdadeira oração consiste em cada qual
procurar se elevar a Deus pelo único veículo que é o coração.
Destarte,
será cassada para sempre, a procuração dos intermediários, devolvendo-se ao
mesmo tempo à igreja o que a ela, exclusivamente pertence: - Orgulho e ambição.
E
há de ser assim, pois vemos no Evangelho a profecia de “estar próximo o tempo
em que Deus não seria mais adorado nos montes nem nos templos, porque Deus é
Espírito e Verdade e em espírito e verdade quer ser adorado.”
Desta
predição, há muito se vai sentindo a realidade com o despontar dos raios benditos
e fulgurantes por novos horizontes.
E,
à proporção que esse ditoso “tempo” vem avançando para a felicidade humana, a
doutrina interesseira vai recuando para o -nada- de onde saiu.
Como
prêmio aos seus serviços, daqui a alguns séculos, certamente, a posteridade
sorrirá penalizada ao saber ter existido uma religião que pretendeu subornar
Deus, vendendo a salvação do próximo, quando, nem sequer dessa vantagem podia
dispor em proveito próprio.
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