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“À Luz
da Razão”
por Fran Muniz
Pap. Venus – Henrique Velho & C. – Rua Larga, 13 -
Rio
1924
O PAPA E SUA INFALIBILIDADE
Dediquemos,
agora, um pouco da nossa atenção à supremacia desse personagem que a ambição de
mando e de poderio colocou à altura de um quarto Deus. E foi, precisamente esse
o propósito, visto que, para estabelecer a confusão na ingenuidade dos fiéis, deram-lhe o nome de Santo Padre e a Deus, o
de Padre Santo. Confessamos, todavia, não atinar com a causa do qualificativo
mudar de lugar, se a ideia é a mesma.
Mas
quem poderá coibir a pretensão do orgulhoso? Basta que nos reportemos ao
Evangelho onde se acha a exclusão “de chefes ou mestres” feita pelo Cristo,
quando recomendou aos seus apóstolos que não
reinassem nem exercessem senhorio.
Ao
contrário disso, a Igreja Católica organizou uma escala hierárquica desde o
papa até ao simples padre misseiro de qualquer capelinha.
E
assim, persuadidos de que Jesus se tivesse enganado, nem só o desobedeceram.
como ainda fizeram S. Pedro papa, contra a vontade de ambos.
Para
que pudesse, no entanto, prevalecer a necessidade da existência do papa e sua
respectiva infalibilidade, seria preciso que a igreja romana destruísse toda a
Escritura Sagrada e a própria história do Catolicismo, porque são eles os mais ferozes
e rancorosos documentos desmentidores da sua afirmativa, como vamos provar:
Desde
que se deseje ter “olhos para ver” verifica-se no Evangelho e na história, que
S. Pedro nunca foi papa, o que torna inexata a sucessão proclamada pelos santos padres romanos.
Quando
Cristo prometeu tronos a todos os seus apóstolos, não elevou Pedro além dos
outros, quando os enviou para pregarem o Evangelho do reino do Céu, deu a todos
igualmente, os mesmos poderes, sem fazer distinção de Pedro.
Nunca
Jesus falou em papa nem tão pouco conferiu a Pedro esse título, o que prova,
evidentemente, a inexistência do papado nessa época e, portanto, a sua inutilidade.
Quando
Pedro foi, com João, enviado à Samaria para difundir a doutrina do Cristo,
certamente não o fez na qualidade de papa sem o que seria disparate supor-se o
papa submetido às ordens de seus subordinados.
Percorrendo-se
toda a história dos quatro primeiros séculos do Catolicismo, nenhum vestígio se
encontra de que Pedro fosse papa nem da sucessão deste Apóstolo por outro vigário
de Cristo, ou a sanção da existência do papado.
Paulo,
em todas as suas Epístolas, João e Tiago em todos os seus escritos, nenhuma
referência fazem ao papado: Lucas, o historiador dos Apóstolos, abstém-se, igualmente,
de qualquer alusão a esse respeito.
O
próprio Pedro nunca agiu na qualidade de papa, quer quando pregou o seu
primeiro sermão no dia de Pentecostes, quer no Concilio de Jerusalém sob a
direção de Tiago, quer, ainda, em todas as suas Epístolas dirigidas às Igrejas.
Será razoável admitir que ele fosse papa inconscientemente?
Do
mesmo modo, Pedro nunca esteve (1), nem nunca
celebrou missa em Roma, onde se supõe ter sido crucificado de cabeça para
baixo. A própria história desfaz tal suposição, considerando-a simples lenda.
(1) Do Blog: A presença de Pedro em Roma foi
confirmada por Emmanuel em ‘Paulo e Estevão’ (pág 645 da 44ª Ed FEB), conforme trecho
abaixo, fato que não invalida o raciocínio do autor do livro:
“‘Às vésperas da partida em busca da gentilidade espanhola, eis que o
Apóstolo recebe uma carta comovente de Simão Pedro. O ex pescador de Cafarnaum
escrevia-lhe de Corinto, avisando sua próxima chegada à cidade imperial. A
missiva era afetuosa e enternecedora, cheia de confidências amargas e tristes.
Pedro confiava ao amigo suas derradeiras desilusões na Ásia e mostrava se lhe
vivamente interessado pelo que lhe sucedera em Roma. Ignorando que o ex rabino
fora restituído à liberdade, procurava confortá-lo fraternalmente. Também ele,
Simão, deliberara exilar-se junto dos irmãos da metrópole imperial, esperando
ser útil ao amigo, em quaisquer circunstâncias.... “
Os
anais do primeiro século do Catolicismo são um atestado pujante de que o papado,
além de inútil, não é também uma instituição divina e, isso vamos depreender
das opiniões dos patriarcas exaradas naqueles documentos.
No
sexto Concílio de Cartago, presidido por Aurélio, foi negado o título de “Príncipe
dos Bispos” (Papa) para não ser admitida a soberania entre eles; e Celestino,
bispo de Roma, foi censurado pelos bispos de África por se ter colocado em
plano superior aos demais, enviando comissários a esse mesmo Concilio.
Santo
Agostinho nega a supremacia emprestada aos bispos da nova Roma e os padres do
Concílio de Calcedônia equipararam todos os bispos na mesma categoria dos da
Roma antiga.
No
seu Prelágio 2º, S. Gregório I qualifica
o “Bispo Universal” (Papa): de “rei dos orgulhosos” e considera esse titulo um
descrédito para o de “Patriarca”, porque as ambições suscitadas por ele,
acarretariam desgraças entre os sacerdotes.
Fica
provado, pois, seguramente, que Pedro nunca foi papa porque, além de Jesus
nunca ter outorgado a esse Apóstolo maior poder que aos outros, estes, por seu
turno, jamais consideraram Pedro vigário de Cristo e infalível doutor da
igreja. Da mesma forma, os bispos de Roma, a principio, não foram
reconhecidos papas, nem os Concílios dessa época lhes deram o poder e a
jurisdição para tal fim.
Quanto
à celebre infalibilidade pretendida, basta virar mais uma página da história
para vermos as provas de como faliram muitos papas que têm governado uma parte
da humanidade inconsciente.
Ei-las:
O
papa MarceIino apostatou por haver entrado no templo de Vesta e oferecido
incenso a essa deusa do Paganismo e João XXII foi deposto pelo Concilio de
Constança, por ter negado a imortalidade da alma.
Honório
passou-se para o Monoteísmo e Libório para o Arianismo, depois de ter permitido
a condenação de Atanásio por crime equivalente.
Bonifácio
III, conseguiu de um Imperador parricida, o título de “Bispo Universal” e Gregório
I cognominava de “Anti-Cristão” a quem aceitava esse mesmo título.
Julio
II e Pio IV proibiram os duelos, enquanto que Paschoal II e Eugenio III os autorizaram.
No
ano 872, Adriano II validou o casamento civil e em 1825, Pio II o condenou.
Paulo III assentiu em admitir a “Campanhia de
Jesus” que havia sido abolida por Clemente XIV e restabelecida por Pio VII.
Ainda esse mesmo Pio VII excomungou uma edição da Bíblia que Xisto V publicou
recomendando a sua leitura.
O
segundo Concílio de Calcedônia condenou Virgílio por haver comprado o papado de
Belisário e seis séculos depois, Eugênio III foi repreendido por S. Bernardo
por ter feito o mesmo que Virgílio.
Estevão
XI foi envenenado depois de ter exumado o corpo do papa Formoso e mandado atirá-lo
ao rio Tibre, após haver-lhe cortado os dedos.
O
Cardeal Barônio assevera que as altas cortesãs se apossavam dos bispados para
vendê-los ou troca-los e faziam papas os seus próprios amantes.
João
XII foi eleito papa aos dezoito anos e teve por antecessor um filho do papa
Sergio com uma favorita e quanto a Alexandre VI, fala-nos a história das
relações incestuosas que mantinha com sua filha Lucrécia.
No
Concilio de 1870, o bispo Strossmayer teve a insólita hombridade de dizer
perante o próprio Pio IX, a quem se ia decretar a infalibilidade que, ele mesmo,
Pio IX acabava de falir, revogando tudo quanto se havia feito em contrário ao
determinado, inclusive as decisões dos seus antecessores; que a decretação da
infalibilidade estendendo-se aos papas anteriores, equivalia a igualar Deus a
todos os incestuosos, avaros, homicidas e simoníacos bispos de Roma, e que a
Igreja nunca havia sido mais bela, mais pura e mais santa que nos tempos em que
não tinha papas.
Estas,
porém, são provas ignoradas ainda por aqueles que não perdem tempo em pesquisar
a história. Está, entretanto, no conhecimento de todos, por ser um caso
frequentemente debatido, a gravíssima falibilidade papal demonstrada com a
canonização de Joanna d' Arc.
É
este um fato que, por si só, bastaria para produzir o desmoronamento do Catolicismo,
se a inteligência humana já estivesse mais apurada.
Joanna
d' Arc, a Donzela de Domremy, encarnou na Terra com a missão especial de
proteger a França contra a Inglaterra e possuía todos os predicados mediúnicos.
Espírito
muito elevado, escolheu o corpo feminino talvez para suscetibilizar a moral dos
homens que não souberam cumprir o seu dever.
Liberta
a pátria e reposto o rei, devido a seu denodado e assombroso heroísmo na chefia
do exército francês, quis a igreja de Roma chamar a si aquele inigualável
serviço prestado à Gália e, assim foi Joanna d'Arc aprisionada e submetida ao
tribunal do clero, onde, insistentemente e sob ameaças de inquisição, os bispos
lhe exigiram a confissão de que ela havia salvo a França, agindo em nome e por
conta da religião.
Honrando,
porém, a dignidade de seu caráter impoluto, recusou-se Joanna a tão degradante
submissão, respondendo que agira por inspiração dos seus protetores astrais e
em nome da Igreja de Deus, única a que obedecia.
Isto
lhe valeu a mais torpe e injusta das condenações e a 30 de Maio de 1431 foi,
por ordem do papa, queimada viva, na praça pública, a Donzela de Domremy.
Diz-nos
a história, que os soldados gauleses, então, também a serviço da religião
romana, viram, do montão de cinzas do “Anjo da França”, voar uma pomba branca
em direção ao Céu.
E
assim, consumou a igreja de Roma, por inspiração do Espírito Santo, mais um
nefando crime para servir a seu Deus!
Se
a “Libertadora da França” se houvesse submetido aos bispos, seria considerada uma inspirada pelo Espírito Santo, para
servir a igreja; recusando, como fez, era uma feiticeira que agia sob os impulsos de suas visões diabólicas...
Pois
bem, agora, decorridos 488 anos, (1) a igreja de
Roma retratou-se e o papa proclamou o mais retumbante desmentido à sua
infalibilidade, com a canonização de Joanna d'Arc, colocando, assim, nos
altares de sua igreja, a imagem daquela a quem outro papa mandou queimar como inspirada de Satanás.
(1) Joanna d'Arc foi canonizada
em 1919.
Ó
Joanna, Espírito sublime do Senhor, ilumine, com os teus raios fulgentes, a
consciência dos nossos irmãos que ainda vivem submetidos ao jugo dos teus
algozes!
Mas
basta. Estes ligeiros indícios, ínfima partícula das mil iniquidades papalinas, parecem suficientes demais para convencer a boa razão de que os papas erraram
desde a sua primitividade e no erro perseveram até os nossos dias.
A
insistente afirmativa de serem eles sucessores de S. Pedro, cai fulminada ante
a cabal demonstração de que tal Apóstolo nunca foi papa e nem se arrogou ou lhe
arrogaram jamais o título de infalível.
Do
mesmo modo não podem constituir predicados de infalibilidade as heresias dos
que conquistaram a tiara pelo poder do ouro ou por influência de cortesãs, nem
as contradições dos atos negados antes e afirmados depois, aprovados num dia
para serem condenados no outro.
Tanta
desorientação leva a confessar que o papa não é, nem jamais será infalível,
porque está sujeito ao erro comum a qualquer ser humano; e errando o papa,
erra, consequentemente, a sua igreja que, por seu turno, arrasta ao erro todos os
que nela militam. Nem pode deixar de assim ser pois Infalível só é Deus.
Vai,
pois, a igreja dos papas de queda em queda e, cada vez mais, se afunda no abismo,
onde se sumirá, finalmente, legando aos pósteros uma tradição dolorosa do atraso
em que manteve, por tantos séculos, essa humanidade tão digna de melhor sorte.
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