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“À Luz
da Razão”
por Fran Muniz
Pap. Venus – Henrique Velho & C. – Rua Larga, 13 -
Rio
1924
DEUS
Compreender
e descrever Deus, seria o mesmo que tentar dar cor ao perfume ou forma ao infinito.
Contudo, servindo-nos dos meios intelectuais ao nosso alcance, podemos, para
facilitar a imaginação, considera-lo qual um éter inteligente e sutilíssimo
preenchendo todo o universo incomensurável; de sorte que todas as coisas, assim,
submetidas à ação dessa inteligência estão permanentemente em presença de Deus
e, por isso, “Deus está em toda a parte.”
Assim
sendo, vê ininterruptamente os nossos atos, ouve os nossos rogos e blasfêmias,
penetra os nossos corações e os nossos intrínsecos pensamentos, sem precisar
deslocar-se do infinito.
Um
raciocínio, pois, mais ou menos lucido, nos impele a refletir que a natureza de
Deus, nada absolutamente contém do que conhecemos por matéria e, por isso, Deus
é imaterial: sem o que estaria submetido às modificações naturais da matéria
que o faria mutável: logo Deus não pode ter nenhuma forma apreciável ou ponderável
aos nossos sentidos.
A
doutrina da igreja romana, porém, vê Deus por outro prisma. Nem indaguemos que
interesse mais representa para ela, a conservação da palavra “Padre” puramente
espanhola, com que nomeia Deus, quando dispõe de tanto latim: tratemos, apenas,
de conhecer esse Deus nº1 com o qual a igreja mimoseia aos seus fiéis:
É
um ancião de longas barbas brancas, coberto com um manto e refastelado sobre um
trono cravejado de “estrelas”: sustém na mão esquerda um “mundo” simbolizando a
força e o poder, e na direita um bastão cujo emprego será, talvez, para
castigar os que erram.
Esse
seu Deus é também apresentado de braços abertos pregado numa cruz representando
o Deus Filho e na forma de uma pomba figurando o Deus Espírito Santo.
É
deplorável mas é verdade!
A
razão nos força a admitir que o supremo poder que faz Deus Onipotente, deve ser
considerado de tal grau, que a nossa imaginação, prolongando-se ao infinito,
não alcance, jamais, um outro “ser” que o exceda,. nem mesmo o iguale.
No
entanto. “os cegos condutores de cegos” afoitam-se a negar a Onipotência de
Deus, visto que os padres e o diabo também tem poder: este de arrebatar os próprios
filhos do Criador para queima-los nas “chamas infernais” e aqueles, de
auxiliarem Satanás a remeter, gratuitamente, os condenados pela excomunhão,
para o inferno, ou a retirá-los de lá por efeito de ofícios pagos.
Quando
distendemos o olhar e o pensamento sobre tudo que existe na sabedoria da criação,
vemos e a apreendemos a soberana justiça e a infinita bondade divina e somos
induzidos a pensar que Deus é infinitamente justo e bom. Ora, se o infinito de
uma qualidade só é considerado quando outra qualidade
oposta não o possa alterar, ainda que na insignificância de um átomo, conclui-se
que num “ser” infinitamente bom não pode existir a menor partícula de maldade,
nem num infinitamente mau, a menor parcela de bondade.
Se
Deus fosse infinitamente bom e mau ao mesmo tempo, deixaria de ser Deus, porque
poderíamos imaginar um outro que fosse exclusivamente bom: sendo pois racional,
que Deus não seja infinitamente mau ou bom e mau ao mesmo tempo, só pode ser
infinitamente bom.
Visto
que a soberana bondade é um apanágio da soberana justiça, colige-se que Deus
não pode proceder injusta e parcialmente com qualquer das suas criaturas sem o
que deixaria de ser infinitamente bom, pois poderíamos imaginar “outro” que só
procedesse com infinita justiça. Portanto. Deus é infinitamente justo.
Mas
a igreja preocupada com os interesses dos seus negócios, jamais se dispôs a
perder tempo em ajustar melhor estas coisas do raciocínio e propõe-nos o seu
Deus injusto e mau, criador de seres perfeitos e aleijados, de ricos e pobres,
de sábios e ignorantes, de felizes e desgraçados, sem compensações possíveis.
E, faz mais: dá-nos a ideia de um deus político ou mais claramente, de um deus camarada, sempre pronto a atender o
empenho dos sacerdotes de uma religião, na remessa de seus amigos para o céu e
na dos desafetos para o martírio do “inferno”.
Custa
a admitir-se ingenuidade tamanha entre tantos doutores!
Como
já vimos, a inteligência divina, irradiando-se por todo o infinito, torna-se,
consequentemente, infinita e por isso mesmo soberana. Se ela confinasse num
ponto qualquer que lhe demarcássemos, a nossa razão buscaria um outro “ser”,
cuja onisciência transpusesse esse limite e assim infinitamente. É
evidente, pois, que Deus é a suprema inteligência.
Acham,
porém, os legisladores católicos que isso é muito complicado e pretendem provar
que Deus não tem talento algum porque crê todas as almas manchadas pelo “pecado
original” para serem lavadas com água, óleo, sal e saliva ministrados por
homens cheios de faltas e erros, iguais aos outros e porque reparte o seu
supremo poder com esses mesmos homens para que perdoem e mantenham faltas,
condenem e absolvam quando julgarem conveniente.
Se
a congregação romana trabalhasse desinteressadamente para auxiliar os surtos do
espírito humano, modificaria a sua doutrina para ensinar que Deus, além do que
vimos de esclarecer, é também Eterno, porque não teve princípio nem jamais terá
fim. Se lhe quiséssemos dar um começo, teríamos de supor ter sido ele gerado do
nada; ora, não sendo o - nada - coisa alguma, nada poderia engendrar. Se fosse
criado por outro ser, este seria
anterior e portanto, o verdadeiro Deus e assim recuando indefinidamente para o
incógnito, até encontrar um ser que
não seja criado nem tenha principio para ser o Deus insubstituível como o que imaginamos.
Mas
a igreja achou que isso era muito transcendente para a percepção intelectual de
seus fieis e impingiu-lhes um Deus circunscrito, com a sua obra definida, tão
somente, na criação da Terra, sol, lua, céu. estrelas e nada mais, talvez por
ser isso que ela conheça do infinito de Deus.
É
lamentável que os fabricantes de doutrinas, cuja sapiência tanto se tem feito
proclamar, ignorem, no entanto que - Eterno - quer dizer, sem princípio nem fim; visto que dão a Deus um
princípio quando nasceu de Maria e um fim quando os sacerdotes o mataram na
cruz do Gólgota.
Isto,
afinal, é perdoável como revelador de ignorância: o que não se perdoa, porém, é
a heresia de asseverarem que Deus é filho de José, criado pelo Deus nº 1 e
concebido pelo Espirilo Santo. Deus nº 3.
Um
Deus com três pais! Parabéns à igreja de Roma!
Perdoai-lhes,
Senhor!.. E auxiliei-nos a esclarecê-los!
Aceito
o raciocínio de que Deus não é material, evidente se torna ser também imutável,
visto não estar sujeito a mudanças; sem o que as leis que regem o universo,
sendo estabelecidas por Deus, seriam alteradas e, por consequência, Deus não
seria infinitamente perfeito.
A
igreja, porém, não pensa assim, e afirma que Deus muda de formas nas três pessoas
da trindade e muda de ideia quando, forçado pelas orações, aplaca trovoadas e temporais,
extingue epidemias e outros flagelos e quando recebe no céu, a pedido dos
padres, as almas dos criminosos que teriam
de ir para o inferno, se a igreja não
se interessa-se por eles.
As
prerrogativas de Deus não devem sofrer alternativas porque seríamos compelidos
pela razão, a desejar um ser que as
possuísse completas e inalteráveis.
Não
lhe faltando, pois, o mais diminuto fragmento de condição. Deus é infinitamente
perfeito.
No
entanto, a igreja com as suas contradições impõe um Deus como acabamos de ver:
imperfeito, tanto ou mais do que as suas criaturas.
O
Meigo Nazareno proclamou, insistentemente, dezenas de vezes, a unidade de Deus e o nosso raciocínio o
aplaude porque se existisse outro, só poderia ser em perfeito igualdade de
condições, visto que os atributos de um Deus devem ser compreendidos de forma absoluta.
Ora,
existirem vários deuses com predicados perfeitamente iguais, é o mesmo que si
existisse um; portanto, os demais seriam inúteis. Se, porém, houver atribuições
especiais entre eles, é evidente que uns tenham autoridade para certos misteres
que os outros não possuam. A concepção, portanto, da existência
de um só Deus que tenha em si os apanágios infinitamente completos, ocorre
clara e logicamente.
Não
convindo, porém, à igreja os ensinamentos do Mestre nem os ditames da boa razão,
ela multiplicou o Fator do Universo e o apresenta à turba inconsciente como
sendo três, nas pessoas do Padre, do filho e do Espírito Santo; problema este
que até hoje ainda não foi resolvido por nenhum matemático nascido de mulher,
nem o será, até que seja modificado o sistema aritmético de Pitágoras.
Desse
modo, temos um Deus, cujos atributos infinitos são negados e reduzidos pela
seita católica, que não previu as consequências desastrosas de sua doutrina, antes
de lança-la aos quatro ventos. E enquanto os sensatos meditam sobre a existência
desse Deus amoldado às opiniões dos santos
concílios, insistimos em repetir, ainda, que o nosso Deus, o Deus que deve
ser adorado é a principal Causa Inteligente, criadora de tudo o que existe nos
universos sem fim. Sua existência se revela na sabedoria evidenciada da criação
de tudo o que É; desde o infinitamente pequeno conhecido até a infinitamente
grande que a razão nos induz a imaginar.
Eis
a percepção concludente que devemos ter do Autor da nossa existência, a quem
devemos o supremo amor e a veneração máxima, porque Ele é o Deus único,
soberano, absoluto e infinitamente perfeito.
E,
quando o resto da humanidade pensar também assim, essa doutrina de Roma, eivada
de contradições, estará já há muito se desfazendo em algum museu de coisas inúteis.
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