quinta-feira, 22 de novembro de 2012

3. 'À Luz da Razão' por Fran Muniz





3
“À Luz da Razão”

por   Fran Muniz

Pap. Venus – Henrique Velho & C. – Rua Larga, 13 - Rio
1924



DEUS

            Compreender e descrever Deus, seria o mesmo que tentar dar cor ao perfume ou forma ao infinito. Contudo, servindo-nos dos meios intelectuais ao nosso alcance, podemos, para facilitar a imaginação, considera-lo qual um éter inteligente e sutilíssimo preenchendo todo o universo incomensurável; de sorte que todas as coisas, assim, submetidas à ação dessa inteligência estão permanentemente em presença de Deus e, por isso, “Deus está em toda a parte.”

            Assim sendo, vê ininterruptamente os nossos atos, ouve os nossos rogos e blasfêmias, penetra os nossos corações e os nossos intrínsecos pensamentos, sem precisar deslocar-se do infinito.

            Um raciocínio, pois, mais ou menos lucido, nos impele a refletir que a natureza de Deus, nada absolutamente contém do que conhecemos por matéria e, por isso, Deus é imaterial: sem o que estaria submetido às modificações naturais da matéria que o faria mutável: logo Deus não pode ter nenhuma forma apreciável ou ponderável aos nossos sentidos.

            A doutrina da igreja romana, porém, vê Deus por outro prisma. Nem indaguemos que interesse mais representa para ela, a conservação da palavra “Padre” puramente espanhola, com que nomeia Deus, quando dispõe de tanto latim: tratemos, apenas, de conhecer esse Deus nº1 com o qual a igreja mimoseia aos seus fiéis:

            É um ancião de longas barbas brancas, coberto com um manto e refastelado sobre um trono cravejado de “estrelas”: sustém na mão esquerda um “mundo” simbolizando a força e o poder, e na direita um bastão cujo emprego será, talvez, para castigar os que erram.

            Esse seu Deus é também apresentado de braços abertos pregado numa cruz representando o Deus Filho e na forma de uma pomba figurando o Deus Espírito Santo.

            É deplorável mas é verdade!

            A razão nos força a admitir que o supremo poder que faz Deus Onipotente, deve ser considerado de tal grau, que a nossa imaginação, prolongando-se ao infinito, não alcance, jamais, um outro “ser” que o exceda,. nem mesmo o iguale.

            No entanto. “os cegos condutores de cegos” afoitam-se a negar a Onipotência de Deus, visto que os padres e o diabo também tem poder: este de arrebatar os próprios filhos do Criador para queima-los nas “chamas infernais” e aqueles, de auxiliarem Satanás a remeter, gratuitamente, os condenados pela excomunhão, para o inferno, ou a retirá-los de lá por efeito de ofícios pagos.

            Quando distendemos o olhar e o pensamento sobre tudo que existe na sabedoria da criação, vemos e a apreendemos a soberana justiça e a infinita bondade divina e somos induzidos a pensar que Deus é infinitamente justo e bom. Ora, se o infinito de uma qualidade só é considerado quando outra qualidade oposta não o possa alterar, ainda que na insignificância de um átomo, conclui-se que num “ser” infinitamente bom não pode existir a menor partícula de maldade, nem num infinitamente mau, a menor parcela de bondade.

            Se Deus fosse infinitamente bom e mau ao mesmo tempo, deixaria de ser Deus, porque poderíamos imaginar um outro que fosse exclusivamente bom: sendo pois racional, que Deus não seja infinitamente mau ou bom e mau ao mesmo tempo, só pode ser infinitamente bom.

            Visto que a soberana bondade é um apanágio da soberana justiça, colige-se que Deus não pode proceder injusta e parcialmente com qualquer das suas criaturas sem o que deixaria de ser infinitamente bom, pois poderíamos imaginar “outro” que só procedesse com infinita justiça. Portanto. Deus é infinitamente justo.

            Mas a igreja preocupada com os interesses dos seus negócios, jamais se dispôs a perder tempo em ajustar melhor estas coisas do raciocínio e propõe-nos o seu Deus injusto e mau, criador de seres perfeitos e aleijados, de ricos e pobres, de sábios e ignorantes, de felizes e desgraçados, sem compensações possíveis. E, faz mais: dá-nos a ideia de um deus político ou mais claramente, de um deus camarada, sempre pronto a atender o empenho dos sacerdotes de uma religião, na remessa de seus amigos para o céu e na dos desafetos para o martírio do “inferno”.

            Custa a admitir-se ingenuidade tamanha entre tantos doutores!

            Como já vimos, a inteligência divina, irradiando-se por todo o infinito, torna-se, consequentemente, infinita e por isso mesmo soberana. Se ela confinasse num ponto qualquer que lhe demarcássemos, a nossa razão buscaria um outro “ser”, cuja onisciência transpusesse esse limite e assim infinitamente. É evidente, pois, que Deus é a suprema inteligência.

            Acham, porém, os legisladores católicos que isso é muito complicado e pretendem provar que Deus não tem talento algum porque crê todas as almas manchadas pelo “pecado original” para serem lavadas com água, óleo, sal e saliva ministrados por homens cheios de faltas e erros, iguais aos outros e porque reparte o seu supremo poder com esses mesmos homens para que perdoem e mantenham faltas, condenem e absolvam quando julgarem conveniente.

            Se a congregação romana trabalhasse desinteressadamente para auxiliar os surtos do espírito humano, modificaria a sua doutrina para ensinar que Deus, além do que vimos de esclarecer, é também Eterno, porque não teve princípio nem jamais terá fim. Se lhe quiséssemos dar um começo, teríamos de supor ter sido ele gerado do nada; ora, não sendo o - nada - coisa alguma, nada poderia engendrar. Se fosse criado por outro ser, este seria anterior e portanto, o verdadeiro Deus e assim recuando indefinidamente para o incógnito, até encontrar um ser que não seja criado nem tenha principio para ser o Deus insubstituível como o que imaginamos.

            Mas a igreja achou que isso era muito transcendente para a percepção intelectual de seus fieis e impingiu-lhes um Deus circunscrito, com a sua obra definida, tão somente, na criação da Terra, sol, lua, céu. estrelas e nada mais, talvez por ser isso que ela conheça do infinito de Deus.

            É lamentável que os fabricantes de doutrinas, cuja sapiência tanto se tem feito proclamar, ignorem, no entanto que - Eterno - quer dizer,  sem princípio nem fim; visto que dão a Deus um princípio quando nasceu de Maria e um fim quando os sacerdotes o mataram na cruz do Gólgota.

            Isto, afinal, é perdoável como revelador de ignorância: o que não se perdoa, porém, é a heresia de asseverarem que Deus é filho de José, criado pelo Deus nº 1 e concebido pelo Espirilo Santo. Deus nº 3.

            Um Deus com três pais! Parabéns à igreja de Roma!

            Perdoai-lhes, Senhor!.. E auxiliei-nos a esclarecê-los!

            Aceito o raciocínio de que Deus não é material, evidente se torna ser também imutável, visto não estar sujeito a mudanças; sem o que as leis que regem o universo, sendo estabelecidas por Deus, seriam alteradas e, por consequência, Deus não seria infinitamente perfeito.

            A igreja, porém, não pensa assim, e afirma que Deus muda de formas nas três pessoas da trindade e muda de ideia quando, forçado pelas orações, aplaca trovoadas e temporais, extingue epidemias e outros flagelos e quando recebe no céu, a pedido dos padres, as almas dos criminosos que teriam de ir para o inferno, se a igreja não se interessa-se por eles.

            As prerrogativas de Deus não devem sofrer alternativas porque seríamos compelidos pela razão, a desejar um ser que as possuísse completas e inalteráveis.

            Não lhe faltando, pois, o mais diminuto fragmento de condição. Deus é infinitamente perfeito.

            No entanto, a igreja com as suas contradições impõe um Deus como acabamos de ver: imperfeito, tanto ou mais do que as suas criaturas.

            O Meigo Nazareno proclamou, insistentemente, dezenas de vezes,  a unidade de Deus e o nosso raciocínio o aplaude porque se existisse outro, só poderia ser em perfeito igualdade de condições, visto que os atributos de um Deus devem ser compreendidos de forma absoluta.

            Ora, existirem vários deuses com predicados perfeitamente iguais, é o mesmo que si existisse um; portanto, os demais seriam inúteis. Se, porém, houver atribuições especiais entre eles, é evidente que uns tenham autoridade para certos misteres que os outros não possuam. A concepção, portanto, da existência de um só Deus que tenha em si os apanágios infinitamente completos, ocorre clara e logicamente.

            Não convindo, porém, à igreja os ensinamentos do Mestre nem os ditames da boa razão, ela multiplicou o Fator do Universo e o apresenta à turba inconsciente como sendo três, nas pessoas do Padre, do filho e do Espírito Santo; problema este que até hoje ainda não foi resolvido por nenhum matemático nascido de mulher, nem o será, até que seja modificado o sistema aritmético de Pitágoras.

            Desse modo, temos um Deus, cujos atributos infinitos são negados e reduzidos pela seita católica, que não previu as consequências desastrosas de sua doutrina, antes de lança-la aos quatro ventos. E enquanto os sensatos meditam sobre a existência desse Deus amoldado às opiniões dos santos concílios, insistimos em repetir, ainda, que o nosso Deus, o Deus que deve ser adorado é a principal Causa Inteligente, criadora de tudo o que existe nos universos sem fim. Sua existência se revela na sabedoria evidenciada da criação de tudo o que É; desde o infinitamente pequeno conhecido até a infinitamente grande que a razão nos induz a imaginar.

            Eis a percepção concludente que devemos ter do Autor da nossa existência, a quem devemos o supremo amor e a veneração máxima, porque Ele é o Deus único, soberano, absoluto e infinitamente perfeito.

            E, quando o resto da humanidade pensar também assim, essa doutrina de Roma, eivada de contradições, estará já há muito se desfazendo em algum museu de coisas inúteis.










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