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IX - Gênese espiritual e planetária.
Processo involutivo. De onde viemos. Individualização do princípio inteligente
através das séries naturais. Inteligência e instinto. Formação da consciência.
A queda. A encarnação como meio expiatório e educativo. Parábola do Filho
Pródigo. O perdão e o Cristo.
No pórtico da Divina Epopeia -
assim, com inteira propriedade, por Bittencourt Sampaio denominado aquele
monumento de literatura e da mais profunda ciência religiosa, que é o quarto
Evangelho - o iluminado vidente de Patmos inscreveu esta sentença lapidar:
"No principio era o Verbo...
"
A que princípio entenderia
referir-se João, o Evangelista?
Certo, por maior arrojo, que ao seu
espírito de alta envergadura fosse lícito, na sondagem das coisas, como dos
divinos mistérios, não pretendeu ele remontar à origem dos tempos, formula, ao
demais, que a nenhuma realidade corresponde, por isso que, inacessível embora à
percepção de nossas limitadas faculdades, como já tivemos ocasião de o
assinalar, a noção de eternidade se nos impõe, com a significação do sempre,
sem jamais admitir, para trás, um começo, nem para diante um fim. Nem ponto de
partida, nem finalidade. Nem antes, nem depois, mas sempre, sempre, sempre.
Como o espaço, de si mesmo infinito,
não pode ser medido e é apenas para nós a distância ou relação entre os corpos
que, com a relatividade e imperfeição dos nossos meios, possamos apreciar,
assim a eternidade exclui a noção de tempo, que só existe para nós como a sucessão
de fatos, impressões e acontecimentos, subjetivos, naturais ou cosmogônicos,
que se encadeiam e são pela nossa memória e consciência registrados e a cuja duração atribuímos uma medida, separando-os por intervalos que servem para os coordenar em séries.
Em nossa transitória condição
terrestre, escravizados assim às contingências do planeta, servindo-nos do pêndulo
- outra medida relativa, sujeita a variações determinadas pela temperatura, a resistência do ar e a pressão
barométrica, possivelmente ainda agravadas por influências elétricas, magnéticas,
etc., - e baseando-nos na rotação do nosso globo em torno do seu eixo e em
torno do seu centro de gravitação, convencionamos dividir o tempo, da fração mínima
ao prazo máximo, em segundos, minutos, horas, dias, semanas, meses, anos e séculos
(1). Para o observador, porém, colocado, mesmo que só o fosse em pensamento, fora
da órbita terrestre, em um qualquer ponto do espaço, de onde, não havendo a alternação
de dias e noites, pudesse abranger os movimentos colossais dos astros, sem ser
por eles afetado, essa divisão do tempo teria, ipso facto, desaparecido.
(1) Como esta obra não é escrita para os doutos, mas
para os estudiosos de todos os matizes, entre os quais alguns haverá de
rudimentar cultura, não será demais que noções elementaríssimas, como essa e
algumas outras que externamos em mais de uma passagem, sejam postas ao alcance
de sua inteligência. O nosso intuito, instruindo, é ser por todos entendido.
Não quer isso dizer, contudo, que se
deva proscrever toda possibilidade de medição do tempo, considerado num sentido
absoluto, senão que, afastada, por irrealizável à falta de objeto, a pretensão
de lhe remontar à origem, o tempo, mesmo para o observador nas indicadas
condições, poderá ser unicamente ritmado pelos grandes sucessos cosmogônicos,
como o aparecimento ou formação de astros, de sistemas planetários e pelas suas
diferentes fases de evolução e declínio, e pelas suas diferentes fases de
evolução e declínio, até a extinção
final. Cada uma dessas criações e desaparecimentos, que de certo se têm, de
toda a eternidade, sucedido, marcará uma época, ou um tempo, no que, ainda por
mera convenção, se poderá denominar o quadrante divino.
Pois bem, foi a um desses momentos
da história do universo, traçada a luz pelas constelações na tela do infinito; à
época em que no mapa dos céus não figurava ainda a nossa terra e com ela o
restante cortejo de mundos que triunfalmente consigo arrasta a nossa estrela
guiadora, rumo da constelação de Hércules: foi, numa palavra, ao tempo em que
no seio da nebulosa primitiva dormitava ainda nas caligens (escuridão, nevoeiro
denso)
difusas do não ser o nosso sistema planetário, que se quis indubitavelmente
referir o evangelista, ao formular no versículo inicial do seu Evangelho esta
profundíssima sentença: "No principio era o Verbo... "
E aqui, antes de lançarmos um rápido
golpe de vista - que de mais não haverá mister para os intuitos desta obra -
sobre a formação do nosso mundo, importa nos demorarmos um pouco sobre a precedência
do elemento espiritual em relação às criações materiais.
O Verbo, isto é, a Palavra, a
expressão do pensamento divino, com que o discípulo amado, em, sua, clarividência
incontrastável, começa por designar o amado Mestre, preexistiu - e não somente
preexistiu, mas presidiu (1) – à coordenação dos elementos necessários á
constituição da nossa terra.
(1) "Todas as coisas foram
feitas por ele," e nada, do que foi feito, foi feito sem ele." (João,
I,3).
De que se compunham esses elementos?
- No que se refere à estrutura física do globo, posterior e sucessivamente
desdobrada nas mais variadas manifestações de vida, representada nos seres de
todos os reinos e categorias que foram gradualmente aparecendo, a mais moderna
teoria científica admite, como o veremos em seguida um turbilhão de matéria cósmica,
de cujo fracionamento resultou a constituição de esferas separadas, cada uma
contendo os embriões de vida própria, que a ulterior condensação permitiu
manifestar-se. Por nossa parte, fiel ao nosso programa e orientação, iremos
mais longe, em busca do substrato espiritual incorporado a essa massa, acaso
constituindo o seu estado primitivo, tenhamos que para isso embora recorrer á à
hipótese, no que, de resto, mais não fazemos que adoptar o mesmo método da ciência,
em se tratando de explicar o que ainda não foi possível submeter aos rigorosos
processos da observação.
Que se passava então no período
anterior á formação da Terra?
Uma imensa, inumerável colmeia de
germens ou princípios espirituais - vibrações, se assim o preferirem, do divino
e eterno pensamento, fundidas em uma mesma uniformidade, não diversificadas
ainda para o dinamismo consciente e próprio - jazia em estado latente, ou potencial, à
espera do momento de se manifestar. Ao fiat do Verbo, que os despertou
desse verdadeiro não-ser para, a existência, começa para eles a fase inicial de
vida, representada no turbilhão de que há de, entre outros, resultar a criação
do nosso mundo (1). Vida caótica por muito tempo, é certo, enquanto durarem as
longas, vertiginosas fases por que há de passar o novo globo, até que a
consumação dos trabalhos preparatórios de resfriamento da massa incandescente,
em que se converteu, permita os primeiros rudimentos de organização e
diferenciação vitais em sua superfície, mas vida, em todo caso, que se ensaia e
entra a percorrer inflexíveis ciclos.
(1) Limitaremos, para comodidade, o nosso estudo à
formação da Terra, podendo, sem embargo, a teoria ser, com intuitos de
generalização, aplicada aos demais planetas do sistema, regido - se não falha
com a ciência, a analogia - como o devem ser por leis idênticas, em sua gênese
e desenvolvimento.
Por quantas vicissitudes passarão os
germens espirituais incorporados ao habitat que lhes acaba de ser destinado e
em que se vai desenrolar o drama augusto, primeiro, -de sua involução - que
assim se chama, em linguagem esotérica, essa descida do espírito aos limbos da
matéria – e, em seguida, de sua ascensão evolutiva aos píncaros da perfectibilidade
indefinita? - Pouco importa. Sou para eles a hora do despertar e, embora a consciência de si mesmos e dos esplendores
do universo exterior só muito mais tarde, num avantajado período da trajetória
ascensional, venha a se afirmar em toda a plenitude, aí estão eles a caminho
dessa imortalidade, que é a mais preciosa de suas prerrogativas e cujo
sentimento se há de tanto mais neles dilatar quão mais, de perfeição em
perfeição, forem gravitando para o Foco imortal, divino e eterno que lhes deu
origem.
Nessa passagem do estado potencial,
não diferenciado, para o de consciência, com escala, ao começo, pelo processo
involutivo, a que aludimos, e depois pelos milenários períodos de
individualização através dos reinos naturais, de que adiante nos ocuparemos, é
que consiste a criação do espirito.
Certos autores espíritas - não o
ignoramos - se têm manifestado contrários à teoria "criacionista,"
quer invocando o aforismo de Lucrécio, ex nihilo nihil, - de que o de
Lavoisier; "nada se cria, nada se perde, tudo se transforma," não é
mais que uma variante, quer pretendendo, em consequência, que o espírito, ou o
que eles denominam a partícula dinâmica primitiva, simples, una e indivisível,
é de si mesmo eterno, e não somente eterno, mas perfeito, não sendo perfectível
senão em seus modos de manifestação.
Opinião equivalente, no que se
refere aos atributos do Ser, se encontra na Teosofia, segundo cujos
ensinamentos o Ego divino, individualizado no homem, é onisciente em sua essência
e natureza, posto que necessite adquirir a experiência das coisas terrestres
(1)," proposições que se contradizem, porquanto a onisciência, como o
indica a própria estrutura do vocábulo, supondo o conhecimento de todas as
coisas, exclui a necessidade de as conhecer
"no plano objetivo," ou em qualquer outro. Só o Absoluto pode ser
onisciente; ao relativo, que nós somos, só pode caber a insciência em maior ou
menor grau, conforme os ciclos de evolução já percorridos, a cada um dos quais
corresponde um acréscimo de conhecimento e uma paralela diminuição do seu
oposto - a ignorância. Doutro modo, em que consistiria a evolução? - Evolução
das formas, e também da essência ou substância.
(1) Annie Besant, CONSTITUCIÓN SEPTENARIA DEL HOMBRE, págs.
40.
O mesmo argumento prevalece em
relação à eternidade do espirito, salvo a interpretação que possa comportar. Se
por essa expressão se pretende que nada houve nem há
vazio ou morto em região alguma, ou em qualquer tempo, do universo, e que,
portanto, a vida de todo o sempre se ostentou e por todo o sempre se ostentará
em suas infinitas possibilidades e manifestações - e quem diz vida, diz
espirito - não temos dúvida em subscrever o postulado. Tal como a podemos
conceber, a vida existiu sempre, sim, como virtualidade e como manifestação,
alternando-se perpetuamente essas duas formas e sendo uma o indispensável corolário
da outra.
Quando, pois, falamos em criação do espírito
- e o nosso pensamento parece ter ficado com suficiente clareza enunciado - não
nos colocamos no obsoleto, e pela lógica proscrito, ponto de vista da criação do
nada - ex nihilo - mas queremos significar que, assim como houve um
tempo em que o nosso sistema planetário não existia como realidade manifesta,
só existindo no estado potencial os seus elementos componentes, houve do mesmo
modo um tempo - uma eternidade, se o quiserem - durante o qual o nosso espírito,
integrado em sua fonte originária, não fora despertado ainda para o trabalho da
separatividade, de que veio a resultar a consciência e distinção do Eu e do
não-eu. Quer isso dizer que a criação, tal como a concebemos - e não haja
talvez nisso mais que uma questão apenas de palavra - se opera em ciclos sucessivos,
como se operou de toda e como se há de operar por toda a eternidade, sob o
onipotente influxo daquele, de cuja incessante atividade tão bem o disse, em
espírito, o mesmo evangelista João, num dos magníficos ditados que ilustram
essa obra admirável, que é ROMA E O EVANGELHO:
"Não
há rei sem vassalos, nem Deus sem glória, nem criador sem as obras do seu
poder."
A sucessividade da criação correspondem
assim às diferentes idades dos espíritos, donde se segue que ao mesmo tempo que
uns, neste momento, já esplendem na glória eterna, participando na aplicação
das leis do Cosmos e intervindo na direção de humanidades adiantadíssimas do
espaço (mais alto não ousa remontar nossa imaginação e entendimento), dispersos
que já foram no oceano fluídico infinito, para novas recomposições, os
elementos constitutivos dos sistemas planetários que lhes serviram de morada, há
muito do mapa dos céus eliminados; ao mesmo tempo que nós outros, apenas
despertos para a consciência dos nossos grandiosos destinos imortais, tentamos
ainda vacilantes passos nessa direção e o nosso mundo
se prepara para subir de grau na hierarquia planetária, outros globos, também
neste momento cósmico, são inscritos nos registros dos nascimentos siderais, e
outros espíritos, irmãos nossos, se ensaiam para a vida e ali descrevem o mesmo
ciclo involutivo que por nossa parte descrevemos, pana subir depois na mesma
escala evolutiva, e assim indefinidamente.
Dessas generalidades retrocedamos
agora à consideração particular do nosso habitat
e, pelo pensamento, remontemos a essa época longínqua de sua dupla gênese,
espiritual e planetária.
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