Revogação
da Lei Antiga
por Ismael Gomes Braga
A Lei antiga era a Justiça em toda a
sua dureza, destinada a dominar um povo bárbaro e
corrupto, saído da servidão no Egito; era toda de terror e impiedade;
desconhecia amor e caridade. Vemos em Deuteronômio: A quem fizer isto,
apedrejai-o até que morra. A quem fizer aquilo, queimai-o vivo. Em Levítico, 20
:12: "Se um homem tomar uma mulher e
a mãe dela, maldade é: serão queimados com fogo, tanto ele quanto elas, para
que não haja maldade no meio de vós".
A inferioridade moral do homem não
lhe permitiu notar que a Doutrina de Jesus revogou toda aquela legislação; por
isso, na triste Idade Média, a Igreja de Roma reacendeu a fogueira estabelecida
em Levítico dois milênios antes.
Naquela antiga legislação moisaica,
vinha a proibição de se falar aos Espíritos. Vemos em
Levítico, 19 :31: "Não vos voltareis para os que consultam os mortos ...
" Em Deuteronômio, 18: 10 e 11: "Não se achará contigo quem faça
passar seu filho ou sua filha pelo fogo, nem adivinhador, nem prognosticador,
nem agoureiro, nem feiticeiro, nem encantador, nem o que consulte a espíritos ou a um espírito familiar, nem aquele
que consulte aos mortos".
À crueldade da antiga Lei de Moisés,
Jesus opôs a Lei de amor e perdão, proibiu o julgamento: "Não julgueis,
para que não sejais julgados." (Mat., 7:1.)
Toda lei revoga as disposições em
contrário de lei anterior. O Evangelho é revogação da Lei
Civil de Moisés, e do Pentateuco só permaneceu a Lei de Deus. Só ao Decálogo,
efetivamente, se reportam os Espíritos superiores em seus comentários à Lei
antiga. Depois passam logo ao Evangelho como base da moral espírita.
Se Jesus em sua pregação revogou a
Lei Civil de Moisés, o ponto que mais nitidamente ficou
revogado foi a proibição de conversar com os Espíritos, acima mencionada,
porque ele mesmo conversou com Moisés e Elias, como vemos em Mat. 17:1 a 4:
"Seis dias depois tomou Jesus consigo a Pedro e. aos irmãos, Tiago e João,
e levou-os a sós a um alto monte. Foi transfigurado diante deles; o seu rosto
resplandecia como o Sol, e as suas vestes tornaram-se "brancas como a luz.
Eis que lhe apareceram Moisés e Elias
falando com ele. Pedro disse a Jesus: Senhor, bom é estarmos aqui; se
queres, farei aqui três tabernáculos: um para ti, outro para Moisés e outro
para Elias."
As pessoas que ousam aplicar a Lei
antiga para proibir que os homens recebam instruções dos Espíritos superiores,
abandonam a autoridade de Jesus e permanecem com Moisés; logo, não se devem
dizer cristãs, mas simplesmente israelitas, porque são os israelitas que não
aceitam a autoridade de Jesus em oposição a Moisés.
A prática de consultar os Espíritos,
para decidir assuntos materiais, era comum entre os judeus.
Temos disso uma prova no episódio relatado no Primeiro Livro de Samuel. Os
filisteus armaram-se
contra os israelitas e o rei destes, Saul, que havia exterminado do seu reino
todos os
médiuns, deseja consultar o seu antigo conselheiro, Samuel, sobre o que deveria
fazer; mas Samuel
já era morto e só por intermédio de um médium poderia responder a Saul.
Eis o relato como se acha na Bíblia:
Então disse Saul aos seus servos:
Buscai-me uma mulher que consulte a um espírito familiar,
para que eu vá consultá-la , Responderam-lhe os seus servos: Há em Endor uma mulher
que consulta espírito familiar.
"Saul
disfarçou-se e, tomando outros vestidos, foi, acompanhado de dois homens, e
chegaram de noite a casa da mulher. Ele disse: Adivinha-me pelo espírito
familiar e faze-me, subir aquele que eu te disser: Respondeu-lhe a mulher: Eis
que tu sabes o que fez Saul, como exterminou da terra
os que consultam espíritos ou espírito familiar; porque me estás armando um laço à minha
vida, para me fazeres morrer? Saul jurou-lhe por Jeová, dizendo: Pela vida de Jeová, nenhuma
culpa te sobrevirá por causa disso. Perguntou-lhe a mulher: Quem te farei subir? Respondeu
ele: Faze-me subir Samuel. Quando a mulher viu a Samuel, deu um grande
grito e disse a
Saul: Porque me enganaste? pois tu és Saul. Respondeu-lhe o Rei: Não tenhas medo; que vês tu?
Disse a mulher a Saul: Vejo um deus subindo da terra. Perguntou-lhe ele: Como é a sua
figura? Respondeu ela: Vem subindo um ancião, e está envolto numa capa. Entendeu Saul que
era Samuel, prostrou-se com o rosto em terra e fez-lhe uma reverência.
"Disse
Samuel a Saul: Porque me inquietaste, fazendo-me subir?
"Respondeu Saul: Estou mui
angustiado, porque os filisteus me fazem guerra, e Deus se tem afastado de
mim, e não me responde mais, nem por profetas nem por sonhos. Por isso te chamei, para que me
fizesses saber o que hei de fazer.
"Disse Samuel: Para que me
perguntas, visto que Jeová se tem afastado de ti e se fez teu inimigo? Jeová te
fez, como pela minha boca te disse; Jeová rasgou o reino da tua mão, e o deu ao teu próximo,
a David... Amanhã tu e os teus filhos estareis comigo." (I Samuel, 28:7 a 17 e 19.)
Saul morreu em 1055 antes do Cristo.
Portanto esse relato é de uma manifestação mediúnica ocorrida há três mil e
três anos e foi redigida primeiramente em hebraico, depois traduzida em outras
línguas antigas e finalmente em todas as línguas modernas.
Supunham que o Espírito se achava
com o corpo na sepultura e que por isso subia
da terra. Hoje sabemos que é o contrário, que ordinariamente o Espírito desce a
nós e não sobe a nós, como diziam. Desfeito este pequeno engano, o relato é
claro e sem dúvida o mais divulgado de quantos existam sobre o assunto, porque
nenhum outro livro teve tantos leitores nestes milênios como a Bíblia. Se o
Espiritismo, como Doutrina, é novo, os fenômenos são tão antigos quanto a
humanidade e não há meios de negá-los ou ocultá-los.
Ao cristão é de sumo interesse
lembrar que Jesus revogou a Lei antiga e deu, ele mesmo, o exemplo de conversar
com Espíritos superiores.
Reformador (FEB) Agosto 1948
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