O
Batismo
José
Monteiro Lima
Reformador (FEB) Novembro 1946
Moisés, o célebre legislador hebreu,
no intuito de orientar o seu povo nos mais rudimentares preceitos de higiene,
estabeleceu, além das leis de natureza político-religiosas, uma série de
medidas que visavam defender a saúde daquele povo ainda inculto e agreste. Com
efeito, o Velho Testamento recomenda lavar as mãos, os copos, os pratos, as
camas, a roupa, etc., enfim, uma série de medidas de feição religiosa, cuja
finalidade era formar certos hábitos indispensáveis à saúde do povo. Ora, o
batismo judaico era, em última análise, uma dessas medidas de higiene, e, nesse
ponto, ninguém tem maior autoridade para dizê-lo do que Flávio Josefo, célebre
historiador 'judeu do 1º século. Profundo conhecedor das seitas religiosas do
seu povo, diz, referindo-se a João, "chamado o Batista", que "a
imersão na água (o batismo), agradável a Deus, era feita, não para a remissão
dos pecados, mas para purificar, o corpo, desde que a alma tivesse sido
purificada por uma via justa." (Antiguidades XVIII, 5, 2)
A lavagem das roupas era também
considerada um dos meios de santificação, mesmo antes
da revelação do Sinai (Êxodo, XIX :10) e os rabis ligavam a isso o dever de
banhar-se por
imersão completa (Lev., XV:5; Números, XIX:7, etc.)
Lendo os preceitos religiosos de
outros povos antigos, chega-se à conclusão de que o batismo não começou com o
Batista nem o batismo teve origem propriamente no povo judeu. Na antiga
Babilônia, na índia, na China, etc., o batismo, no adulto ou na criança, de
modo geral, se assemelhava ao batismo judaico-cristão. Mesmo entre os antigos
pagãos, astecas, incas, etc., o batismo era praticado muito antes da influência
do Cristianismo. Entre os pagãos, de onde provavelmente se originou o batismo
que hoje se faz nas igrejas, a cerimônia, em geral, tinha lugar logo após o
nascimento, ocasião em que o recém-nascido recebia o nome, sendo então colocado
sob a proteção dos deuses.
De acordo com os ensinos rabínicos,
o batismo era praticado no antigo Judaísmo como meio
de penitência, a fim de poderem pronunciar, em perfeita pureza, o nome de Deus
nas orações.
Os essênios, sem dúvida por isso, costumavam batizar-se, isto é, banhar-se, todos
os dias
pela manhã (The Jewish Encyclopedia, Isidore Singer, 2º vol., pág. 500).
O batismo de João era, pois, um
velho preceito de caráter religioso, que lembrava a ideia de purificação, cuja
finalidade era evitar a propagação de doenças, sobretudo da lepra, comum entre
os judeus daquela época. Jesus mesmo reconhecera a sua necessidade, tanto que,
embora ele próprio não batizasse, os seus discípulos batizavam ainda mais que
João (João, 4-:2). O próprio Batista via na tradição do batismo da água uma medida
indispensável à saúde daquele povo que vivia em promiscuidade num país quente
seco e poeirento. Jesus mesmo, para não escandalizar, pede ao Batista para ser
batizado dizendo:
"Deixa por agora, porque assim nos convém cumprir toda justiça"
(Mat., 3:15). É claro que Jesus não tinha nenhum "pecado original" .
Para Jesus o batismo tinha
significação espiritual. Quando dois dos seus discípulos se aproximaram
dele, e pediram que, no seu reino, lhes permitisse assentar-se um à sua direita
e o
outro à sua esquerda, Jesus respondeu: "Não sabeis o que pedis; podeis vós
beber o cálice que
eu bebo e ser batizado com o batismo com que sou batizado?" Eles
responderam: "Podemos". Mas Jesus, como se já esperasse essa
resposta, disse: "Em verdade vós bebereis o cálice
que eu beber, e sereis batizados com o batismo com que sou batizado; mas
assentar-se à
minha direita ou à minha esquerda, não me pertence a mim conceder, senão
àqueles para quem
está preparado." (Marcos, 10:35-40) Compreende-se, pois, que Jesus aí não
se refere ao batismo
da água, mas às dificuldades e às lutas que teria de enfrentar. O cálice e o
batismo simbolizam
a vitória do seu Espírito diante das dificuldades terrenas. Não têm outra
significação as suas palavras: "quem crer e for batizado será salvo",
isto é, quem vencer a batalha da vida, quem vencer o mundo como ele venceu,
alcançará a paz. A história do batismo
da água para "lavar o pecado original" é pura invenção da Idade Média.
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