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Erige a doutrina espírita em princípio
- uma de cujas aplicações é premunir os inexpertos contra a credulidade que atribui
demasiado apreço às comunicações provindas do invisível, sem lhes discernir o
quilate com a devida prudência vigilante - que a desencarnação não confere ao
espírito, no ponto de vista do saber como da moral, qualidades superiores às
que na Terra possuía. Verdadeiro esse princípio, por isso mesmo que baseado em
fatos de observação, não deve ser com tudo entendido de um modo absoluto, o que
equivaleria a negar a possibilidade de evolução e, por conseguinte, de novas
aquisições para o espírito
nesse
imenso campo de atividade e de aperfeiçoamento, que é o mundo espiritual.
Sem dúvida muitos, mesmo muitíssimos
espíritos, ao deixar a terra, ou porque permaneçam longos anos em perturbação,
que os deixa na ignorância do seu verdadeiro e
novo estado, ou por apatia voluntária, que os impede por largo tempo de
utilizar os elementos de aprendizado e de progresso que a erraticidade lhes
faculta, podem se conservar
estacionários, como o tem demonstrado a experiência. Em regra, porém, se a
simples translação de um para o outro plano de existência não outorga ao espírito virtudes
e saber que não tivesse adquirido na última e - convém não o esquecer - também
nas anteriores peregrinações terrestres, a magnitude que, por seus labores
transcendentes, caracteriza o plano espiritual, o reveste, por assim dizer, de
uma aureola dignificadora.
Despojado do grosseiro fardo da
matéria, isento por isso dos seus cuidados e exigências subalternas, integrado
em sua verdadeira natureza e colocado assim em presença dos seus nobres deveres
e responsabilidades, o espírito - pelo menos os que alcançaram um certo nível
de adiantamento - sofre uma espécie de transfiguração, que não é somente para
ele um novo estado de consciência muito mais elevado que na Terra, mas que se
reflete, em forma venerativa,
sobre os que aqui deixara.
Não tem outra origem o culto de que
em todos os tempos e no seio de quase todos os povos tem sido religiosamente
aureolada a memória dos desencarnados .
"A preocupação pela sorte dos mortos e o amoroso
respeito consagrado à sua memória - afirmou um dos mais fulgurantes espíritos
da nossa geração, prematuramente roubado às letras jurídicas brasileiras (1),
apreciando embora o assunto de um ponto de vista diferente do nosso - foram um
fato constante e geral entre todos os povos da grande família indo europeia. É
verdade hoje adquirida para a ciência que, muito tempo antes de Platão haver
estabelecido a sua trilogia dos deveres do homem, repartindo-os em deveres para
com Deus, para com o próximo e para com os mortos; muito tempo antes de
despontar no horizonte da filosofia a hipótese da imortalidade da alma, os
rebentos ocidentais da grande árvore ariana ostentavam uma floração prodigiosa
de práticas cultuais, todas relativas aos mortos e à sua existência intra-tumular."
(1) J. Izidoro Martins Junior,
FRAGMENTOS JURIDICO-PHlLOPHICOS, cap. III, "O crime de injúria aos
mortos," pags , 95.
É porque, numa vaga intuição,
desfigurada - pouco importa - no passado por concepções demasiado
terra-a-terra, presente o homem que aqueles que transpuseram a misteriosa
fronteira do invisível penetraram em uma forma de vida mais bela e enobrecedora
que esta de trivialidades e misérias, e ainda porque a ação dos espíritos sobre
o nosso mundo, como forças vivas, inteligentes e afetivas da criação, é uma
realidade, embora imperfeitamente percebida, que o culto dos mortos, associado
ou não a determinadas formas religiosas, tem permanecido insopitável e vivaz
através dos tempos, vindo a ter por fim uma esclarecedora
sanção nos ensinos racionalistas e demonstrativos da doutrina espírita.
À luz desses ensinos, as incertezas
em que se envolvia a sorte dos seres na outra vida, ora sendo pela superstição
representados, sob a vaga denominação de almas penadas e duendes, como
apavorantes entidades, ora indistinta e subitamente elevados à categoria, por
assim dizer, de semideuses, se dissipam, substituídas por um conhecimento,
aproximado pelo menos, de suas verdadeiras condições, desgraçadas ou felizes,
consoante a soma das imperfeições de que ainda não conseguiram despojar-se, ou
os méritos pelo seu próprio labor acumulados, mas de todo modo envoltos nessa
auréola de piedade para uns e de respeito para os outros, que se deve sempre
aos que nos precederam nessas majestosas regiões em que, para todos, a verdade
se apresenta sem disfarces.
Pondo em contato ostensivo as duas
humanidades, visível e invisível, e desta recolhendo os inúmeros testemunhos e
revelações que constituem o seu opulento arcabouço doutrinário, não pretende
certamente o Espiritismo fornecer noções completas e minuciosas acerca da existência
dos espíritos e das múltiplas aplicações de sua atividade nesse plano superior,
infinitamente variado nas modalidades que reveste e para cuja representação, ao
de mais,
falecem à linguagem e à inteligência humanas os termos e a noção
correspondentes, mas em todo caso apreender alguns dos seus aspectos principais,
assim no que se refere à situação pessoal dos habitantes desse plano, como
particularmente à intervenção que em nosso mundo exercem, desde os sucessos de
ordem moral aos próprios fenômenos da natureza física.
É o que passaremos seguidamente a
examinar.
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