segunda-feira, 10 de setembro de 2012

57. "Doutrina e Prática do Espiritismo"



57

            Erige a doutrina espírita em princípio - uma de cujas aplicações é premunir os inexpertos contra a credulidade que atribui demasiado apreço às comunicações provindas do invisível, sem lhes discernir o quilate com a devida prudência vigilante - que a desencarnação não confere ao espírito, no ponto de vista do saber como da moral, qualidades superiores às que na Terra possuía. Verdadeiro esse princípio, por isso mesmo que baseado em fatos de observação, não deve ser com tudo entendido de um modo absoluto, o que equivaleria a negar a possibilidade de evolução e, por conseguinte, de novas aquisições para o espírito
nesse imenso campo de atividade e de aperfeiçoamento, que é o mundo espiritual.

            Sem dúvida muitos, mesmo muitíssimos espíritos, ao deixar a terra, ou porque permaneçam longos anos em perturbação, que os deixa na ignorância do seu verdadeiro e novo estado, ou por apatia voluntária, que os impede por largo tempo de utilizar os elementos de aprendizado e de progresso que a erraticidade lhes faculta, podem se conservar estacionários, como o tem demonstrado a experiência. Em regra, porém, se a simples translação de um para o outro plano de existência não outorga ao espírito virtudes e saber que não tivesse adquirido na última e - convém não o esquecer - também nas anteriores peregrinações terrestres, a magnitude que, por seus labores transcendentes, caracteriza o plano espiritual, o reveste, por assim dizer, de uma aureola dignificadora.

            Despojado do grosseiro fardo da matéria, isento por isso dos seus cuidados e exigências subalternas, integrado em sua verdadeira natureza e colocado assim em presença dos seus nobres deveres e responsabilidades, o espírito - pelo menos os que alcançaram um certo nível de adiantamento - sofre uma espécie de transfiguração, que não é somente para ele um novo estado de consciência muito mais elevado que na Terra, mas que se reflete, em forma venerativa, sobre os que aqui deixara.

            Não tem outra origem o culto de que em todos os tempos e no seio de quase todos os povos tem sido religiosamente aureolada a memória dos desencarnados .

            "A preocupação pela sorte dos mortos e o amoroso respeito consagrado à sua memória - afirmou um dos mais fulgurantes espíritos da nossa geração, prematuramente roubado às letras jurídicas brasileiras (1), apreciando embora o assunto de um ponto de vista diferente do nosso - foram um fato constante e geral entre todos os povos da grande família indo europeia. É verdade hoje adquirida para a ciência que, muito tempo antes de Platão haver estabelecido a sua trilogia dos deveres do homem, repartindo-os em deveres para com Deus, para com o próximo e para com os mortos; muito tempo antes de despontar no horizonte da filosofia a hipótese da imortalidade da alma, os rebentos ocidentais da grande árvore ariana ostentavam uma floração prodigiosa de práticas cultuais, todas relativas aos mortos e à sua existência intra-tumular."  

            (1) J. Izidoro Martins Junior, FRAGMENTOS JURIDICO-PHlLOPHICOS, cap. III, "O crime de injúria aos mortos," pags , 95.

            É porque, numa vaga intuição, desfigurada - pouco importa - no passado por concepções demasiado terra-a-terra, presente o homem que aqueles que transpuseram a misteriosa fronteira do invisível penetraram em uma forma de vida mais bela e enobrecedora que esta de trivialidades e misérias, e ainda porque a ação dos espíritos sobre o nosso mundo, como forças vivas, inteligentes e afetivas da criação, é uma realidade, embora imperfeitamente percebida, que o culto dos mortos, associado ou não a determinadas formas religiosas, tem permanecido insopitável e vivaz através dos tempos, vindo a ter por fim uma esclarecedora sanção nos ensinos racionalistas e demonstrativos da doutrina espírita.

            À luz desses ensinos, as incertezas em que se envolvia a sorte dos seres na outra vida, ora sendo pela superstição representados, sob a vaga denominação de almas penadas e duendes, como apavorantes entidades, ora indistinta e subitamente elevados à categoria, por assim dizer, de semideuses, se dissipam, substituídas por um conhecimento, aproximado pelo menos, de suas verdadeiras condições, desgraçadas ou felizes, consoante a soma das imperfeições de que ainda não conseguiram despojar-se, ou os méritos pelo seu próprio labor acumulados, mas de todo modo envoltos nessa auréola de piedade para uns e de respeito para os outros, que se deve sempre aos que nos precederam nessas majestosas regiões em que, para todos, a verdade se apresenta sem disfarces.

            Pondo em contato ostensivo as duas humanidades, visível e invisível, e desta recolhendo os inúmeros testemunhos e revelações que constituem o seu opulento arcabouço doutrinário, não pretende certamente o Espiritismo fornecer noções completas e minuciosas acerca da existência dos espíritos e das múltiplas aplicações de sua atividade nesse plano superior, infinitamente variado nas modalidades que reveste e para cuja representação, ao de mais, falecem à linguagem e à inteligência humanas os termos e a noção correspondentes, mas em todo caso apreender alguns dos seus aspectos principais, assim no que se refere à situação pessoal dos habitantes desse plano, como particularmente à intervenção que em nosso mundo exercem, desde os sucessos de ordem moral aos próprios fenômenos da natureza física.

            É o que passaremos seguidamente a examinar.






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