terça-feira, 14 de agosto de 2012

8. 'Amor à Verdade'



8

“Amor à Verdade”
por Alpheu Gomes O. Campos
Marques Araújo & C. – R. S. Pedro, 216
1927


Padres e espíritas


            Das lutas que através dos séculos se têm ferido entre os povos, sempre foram as de fundo religioso as mais vivas e encarniçadas e absurdas.

            Basta uma vista de olhos na história para se reconhecer que muito sangue foi derramado, inúmeras torturas infligidas e desatinos praticados em nome de uma entidade, que não lograram compreender os seus próprios pregoeiros.

            Porque se dividem os homens, digladiando-se para impor uma crença que somente o raciocínio pode admitir?

            Pois não é Deus um só? Não mandou Ele seu filho diletíssimo, Jesus, para ensinar-nos o sublime código? E que mais nos recomenda este senão o amor; a brandura; a tolerância; enfim: a caridade? E, pois só o exemplo, em tudo, autoriza a palavra, não pediu Ele ao Pai, quando já crucificado, que perdoasse aos que daquela forma o martirizavam, porquanto ignoravam o que faziam? Todavia, assim procederam em nome do seu Jeová deles, como com Sócrates andaram os gregos em nome dos deuses do Olimpo.

            Tudo efeito das errôneas ideias acerca da divindade. Mas que assim fosse antigamente, percebe-se; nada então se sabia a respeito do céu e da terra; as ciências não tinham ainda revelado que o nosso planeta, longe de ser fixo, longe de ser o centro e o fim da criação, o mais que tudo no universo, é um astro da imensidade, um dos menores, sem nenhuma razão, portanto, para privilégios. Hoje não; graças à evolução das almas e progressos realizados, Deus hoje é Deus, deixou de ter as qualidades humanas, divinizou-se Mens agitat molem: um Pensamento dirige a natureza. Esse é Deus.

            Ora, sendo uma só a verdade, não há lugar para duas interpretações; e quem for independente, queremos, dizer, sem orgulho nem ambição, livre de interesses inconfessáveis, superior ao egoísmo das próprias opiniões, que isto é que é ser deveras independente não poderá divergir na apreciação de uma coisa que do mesmo passo fala ao sentimento e à razão.

            Investigador paciente, procurando ser, quanto possivel, sobranceiro às paixões terrenas e servidor pontual da verdade, sentimos invadir-nos de tristeza, vendo que as guerras de outrora não foram ainda para sempre desterradas - sinal de que a humanidade, qual descuidoso aprendiz, tem delas tirado nenhum proveito. Continua sem fé, sem amor, cega, infeliz, a debater-se nos sorvedouros da descrença e do indiferentismo, o que mais é para lastimar.

            E quem são os responsáveis? Certamente os que não colocam a verdade acima de tudo, e se fazem espontaneamente escravos de todas as vaidades e mesquinhos interesses.

            Padres e espiritas: porque não vos amais? Porque vos perseguis uns aos outros? Qual  de vós tendes a verdade absoluta? Qual de vós, tendo vencido os próprios vícios e triunfado das baixas solicitações, tendes feito a felicidade das gentes? Quantos de vós haveis meticulosamente colineado  (pontos que estão situados sobre uma mesma linha reta) aquele mandamento que resume toda a lei: Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo?

            Padres e espíritas: conhecer-se a si mesmo é condição essencial para que alguém progrida e faça progredir aos outros.

            Não somos livres de pecados - dispensável era dize-lo. Imperfeito, a braços com provas. e expiações, procuramos contudo cauterizar todas as enfermidades morais que nos vai dia a dia a consciência indigitando.

            Também seguimos, com quanto já aceitássemos a doutrina, as mesmas águas que muitos ainda sulcais, esquecidos de que, se o padre não está na posse dos puros ensinos, tem não obstante os direitos de filho de Deus, e que, se ele erra perseguindo, nós outros devemos amá-lo, porque só assim seremos verdadeiros cristãos, querendo sinceramente ao nosso próximo e dividindo fraternalmente com ele a graça inefável da luz que nos envia Deus por intermédio dos seus mensageiros.

            Fala-nos um destes:

            “A luz e o amor à verdade sejam contigo:

            “Mercê de Deus, o trabalho de propaganda que vens fazendo e dia a dia frutifica mais, vai sensivelmente melhorar com o amparo a receber e os ensinos por divulgar.

            “Chamando a atenção aos próprios espíritas, muito farás em prol da doutrina, principalmente agora que os grupos estão sendo aliviados. Todos precisam voltar vistas para as obras mesmas de Kardec, onde inextinguível luz encontrará quem quer que deseje absorvê-la. Se compreendessem os ensinamentos que diariamente lhes são proporcionados, muito fariam adiantar infelizes estacionários, muito avançando também, por sua vez, na senda infinita.

            “A missão do espirita é maior que a do sacerdote virtuoso, que não busca na religião o sustento do corpo, mas sim o da alma. Este cumpre os mandamentos; sem o revérbero das comunicações, ruma ao amor e à perfeição. Aquele tudo recebe: inspiração, conselhos, provas palpáveis da sobrevivência, atestados irrefutáveis dos sofrimentos por que passam os que transgridem a lei. Um, quando é sincero e verdadeiro sacerdote, crê sem ver. O outro vê e nem sempre crê, sente e mal compreende: - quando é frívolo e indolente, fraco conhecedor da evolução lenta mas positiva de todas as criaturas, que ascendem para Deus, a infinita Bondade e suprema Sabedoria.

            “Assim, o que devem é completar-se entre si, pesquisando, como irmãos, em comum, a realidade das coisas, acolhendo a verdade venha ela donde vier, bastando o respeito de cada um pelo nome de Jesus para que todos mutuamente se respeitem e considerem.

            “Em vez de ridicularizado ou perseguido, como sucede às vezes, o clero carece de ser tolerado, até que se digne aquinhoar os esclarecimentos que recebe o espirita.

            “Não são ambos  filhos de Deus? Não tem ambos que buscar o progresso? Porque se hostilizam de parte a parte, em lugar de trocarem conhecimentos, sem pretensão, nem orgulho, sem hipocrisia nem ódio?

            “Espíritas! os de vós que assimilastes a doutrina do Mestre, não deveis dar combate aos padres por julgá-los ignorantes das leis e dos ensinos; mas, como fazia Jesus, atraí-los pelo amor, que é a mais poderosa das forças, e com brandura pôr por obra aqueles mesmos ensinos, ajudando-lhes a recompor o Evangelho quase de todo esfacelado pela velha ambição do poder, a qual, abafando o que foi dito pelo Nazareno, tem pregado o que nasceu da cobiça e maldade das gerações extintas.

            “Não sabeis, ó espiritas! que ninguém entrará no reino dos céus sem nascer de novo; e que, por missão ou prova, podereis amanhã reencarnar vestindo os hábitos sacerdotais? Não compreendeis que todos somos pequenos, que só Deus é grande, e que nenhum é livre do pecado? Quem poderá, com inteiro conhecimento de causa, lançar a primeira pedra?

            “Meus filhos e meus irmãos, só haverá um reino e um único rei - Deus. Servos humílimos devemos ser para que recebamos d'EIe as ordens e, executando-as com zelo e exatidão, alcancemos a ventura de ser seus filhos muito amados.

            “Se o erro data de séculos e a humanidade se debate em busca da certeza, como chegar a um resultado se padres e espiritas apregoam uma religião que acabam de mostrar publicamente que não conhecem?

            “Aquele que em lisa fé pretende pautar-se pelos ditames de Jesus, tem de refletir bastante no que houver de fazer, e sempre, como ele, colocar assaz alto a lâmpada para que todos a vejam.

            “Não vimos pedir que sejam outros tantos Cristos na Terra; mas, ao menos, de fato cristãos.

            “Sabeis, meus filhos, o que é ser cristão? É ser humilde e amoroso; é seguir as pegadas do Mestre, esforçando-se para fazer conforme foi por ele ensinado; não esquecer que quem quiser ser o maior, será o menor; sobretudo, que nada ficará oculto que não seja descoberto.

            “Espíritas! sede verdadeiros cristãos, e não ateeis de novo as fogueiras que outrora, quando padres, mantínheis para tortura dos vossos irmãos, que não eram mais ignorantes do que vós. Menos maus, eram-no. Hoje que uma réstea de luz tocou-vos de leve, deveis compreender que, perseguindo em vez de esclarecer, odiando em vez de amar, deitando normas que não praticais, inteiramente vos igualais aos mesmos padres que acossaram os que lhes não davam crédito ou preferiam orientação diversa.  Jesus não ensinou a perseguição; não fulminou tão pouco aquele que, ignorando a lei, adorava ídolos; o que ensinou foi amar o Pai e pela prece dizer-lhe o que sentia para que Ele, que é justo e bom, atendesse as rogativas meritórias.

            “É preciso despertarem para a luz e a verdade; não mais constituírem exércitos de perseguidores a invocar um Deus a quem desservem; mas unirem-se com firmeza, pela fé raciocinada, cumprindo, entre outros, o dever de amparar os que, cegos, se debatem nas trevas, para que mereçam ser igualmente amparados. Amar é elevar-se; perseguir e odiar - amesquinhar-se.

            “Assim, aos que fazeis dos ensinos adquiridos cabedal de progresso próprio e dos vossos semelhantes, eu vo-lo peço: sobre essa coivara (técnica agrícola tradicional. Inicia-se a plantação através da derrubada da mata nativa, seguida pela queima da vegetação) de animosidades e lutas infrutíferas, das quais não surgirá nunca a verdade, lançai as vossas maiores atenções. Desta forma agindo, além de pagardes uma divida de gratidão pelo muito que se vos dá, contribuireis para a paz e concórdia, para que o fumo que de tais incêndios se eleva não embacie por mais tempo, qual denso nevoeiro, os horizontes da nova era.

            “Adeus, meu amado filho. A luz e o amor à verdade fiquem com todos. – José”.

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