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“Amor
à Verdade”
por
Alpheu Gomes O. Campos
Marques Araújo & C. – R. S. Pedro, 216
1927
Padres
e espíritas
Das
lutas que através dos séculos se têm ferido entre os povos, sempre foram as de
fundo religioso as mais vivas e encarniçadas e absurdas.
Basta uma vista de olhos na história
para se reconhecer que muito sangue foi derramado, inúmeras torturas infligidas
e desatinos praticados em nome de uma entidade, que não lograram compreender os
seus próprios pregoeiros.
Porque se dividem os homens, digladiando-se
para impor uma crença que somente o raciocínio pode admitir?
Pois não é Deus um só? Não mandou
Ele seu filho diletíssimo, Jesus, para ensinar-nos o sublime código? E que mais
nos recomenda este senão o amor; a brandura; a tolerância; enfim: a caridade? E,
pois só o exemplo, em tudo, autoriza a palavra, não pediu Ele ao Pai, quando já
crucificado, que perdoasse aos que daquela forma o martirizavam, porquanto
ignoravam o que faziam? Todavia, assim procederam em nome do seu Jeová deles,
como com Sócrates andaram os gregos em nome dos deuses do Olimpo.
Tudo efeito das errôneas ideias
acerca da divindade. Mas que assim fosse antigamente, percebe-se; nada então se
sabia a respeito do céu e da terra; as ciências não tinham ainda revelado que o
nosso planeta, longe de ser fixo, longe de ser o centro e o fim da criação, o
mais que tudo no universo, é um astro da imensidade, um dos menores, sem nenhuma
razão, portanto, para privilégios. Hoje não; graças à evolução das almas e
progressos realizados, Deus hoje é Deus, deixou de ter as qualidades humanas,
divinizou-se Mens agitat molem: um
Pensamento dirige a natureza. Esse é Deus.
Ora, sendo uma só a verdade, não há
lugar para duas interpretações; e quem for independente, queremos, dizer, sem
orgulho nem ambição, livre de interesses inconfessáveis, superior ao egoísmo
das próprias opiniões, que isto é que é ser deveras independente não poderá
divergir na apreciação de uma coisa que do mesmo passo fala ao sentimento e à
razão.
Investigador paciente, procurando ser,
quanto possivel, sobranceiro às paixões terrenas e servidor pontual da verdade,
sentimos invadir-nos de tristeza, vendo que as guerras de outrora não foram
ainda para sempre desterradas - sinal de que a humanidade, qual
descuidoso aprendiz, tem delas tirado nenhum proveito. Continua sem fé, sem
amor, cega, infeliz, a debater-se nos sorvedouros da descrença e do
indiferentismo, o que mais é para lastimar.
E quem são os responsáveis?
Certamente os que não colocam a verdade acima de tudo, e se fazem espontaneamente
escravos de todas as vaidades e mesquinhos interesses.
Padres e espiritas: porque não vos
amais? Porque vos perseguis uns aos outros? Qual de vós tendes a verdade absoluta? Qual de vós,
tendo vencido os próprios vícios e triunfado das baixas solicitações, tendes
feito a felicidade das gentes? Quantos de vós haveis meticulosamente colineado (pontos que estão situados sobre uma mesma
linha reta)
aquele mandamento que resume toda a lei: Amar a Deus sobre todas as coisas e ao
próximo como a si mesmo?
Padres e espíritas: conhecer-se a si
mesmo é condição essencial para que alguém progrida e faça progredir aos
outros.
Não somos livres de pecados - dispensável
era dize-lo. Imperfeito, a braços com provas. e expiações, procuramos contudo
cauterizar todas as enfermidades morais que nos vai dia a dia a consciência
indigitando.
Também seguimos, com quanto já aceitássemos
a doutrina, as mesmas águas que muitos ainda sulcais, esquecidos de que, se o
padre não está na posse dos puros ensinos, tem não obstante os direitos de
filho de Deus, e que, se ele erra perseguindo, nós outros devemos amá-lo,
porque só assim seremos verdadeiros cristãos, querendo sinceramente ao
nosso próximo e dividindo fraternalmente com ele a graça inefável da luz que
nos envia Deus por intermédio dos seus mensageiros.
Fala-nos um destes:
“A
luz e o amor à verdade sejam contigo:
“Mercê de Deus, o trabalho de
propaganda que vens fazendo e dia a dia frutifica mais, vai sensivelmente
melhorar com o amparo a receber e os ensinos por divulgar.
“Chamando a atenção aos próprios espíritas,
muito farás em prol da doutrina, principalmente agora que os grupos estão sendo
aliviados. Todos precisam voltar vistas para
as obras mesmas de Kardec, onde inextinguível luz encontrará quem quer que
deseje absorvê-la. Se compreendessem os ensinamentos que diariamente lhes são
proporcionados, muito fariam adiantar infelizes estacionários, muito avançando
também, por sua vez, na senda infinita.
“A
missão do espirita é maior que a do sacerdote virtuoso, que não busca na
religião o sustento do corpo, mas sim o da alma. Este cumpre os mandamentos;
sem o revérbero das comunicações, ruma ao amor e à perfeição. Aquele tudo
recebe: inspiração, conselhos, provas palpáveis da sobrevivência, atestados
irrefutáveis dos sofrimentos por que passam os que transgridem a lei. Um,
quando é sincero e verdadeiro sacerdote, crê sem ver. O outro vê e nem
sempre crê, sente e mal compreende: - quando é frívolo e indolente, fraco
conhecedor da evolução lenta mas positiva de todas as criaturas, que ascendem
para Deus, a infinita Bondade e suprema Sabedoria.
“Assim,
o que devem é completar-se entre si, pesquisando, como irmãos, em comum, a
realidade das coisas, acolhendo a verdade venha ela donde vier, bastando o
respeito de cada um pelo nome de Jesus para que todos mutuamente se respeitem e considerem.
“Em
vez de ridicularizado ou perseguido, como sucede às vezes, o clero carece de
ser tolerado, até que se digne aquinhoar os esclarecimentos que recebe o espirita.
“Não
são ambos filhos de Deus? Não tem ambos
que buscar o progresso? Porque se hostilizam de parte a parte, em lugar de
trocarem conhecimentos, sem pretensão, nem orgulho, sem hipocrisia nem ódio?
“Espíritas!
os de vós que assimilastes a doutrina do Mestre, não deveis dar combate aos
padres por julgá-los ignorantes das leis e dos ensinos; mas, como fazia Jesus,
atraí-los pelo amor, que é a mais poderosa das forças, e com brandura pôr por
obra aqueles mesmos ensinos, ajudando-lhes a recompor o Evangelho quase de todo
esfacelado pela velha ambição do poder, a qual, abafando o que foi dito pelo
Nazareno, tem pregado o que nasceu da cobiça e maldade das gerações extintas.
“Não
sabeis, ó espiritas! que ninguém entrará no reino dos céus sem nascer de novo;
e que, por missão ou prova, podereis amanhã reencarnar vestindo os hábitos
sacerdotais? Não compreendeis que todos somos pequenos, que só Deus é grande, e
que nenhum é livre do pecado? Quem poderá, com inteiro conhecimento de causa,
lançar a primeira pedra?
“Meus
filhos e meus irmãos, só haverá um reino e um único rei - Deus. Servos humílimos
devemos ser para que recebamos d'EIe as ordens e, executando-as com zelo e
exatidão, alcancemos a ventura de ser seus filhos muito amados.
“Se
o erro data de séculos e a humanidade se debate em busca da certeza, como
chegar a um resultado se padres e espiritas apregoam uma religião que acabam de
mostrar publicamente que não conhecem?
“Aquele
que em lisa fé pretende pautar-se pelos ditames de Jesus, tem de refletir
bastante no que houver de fazer, e sempre, como ele, colocar assaz alto a lâmpada
para que todos a vejam.
“Não vimos pedir que sejam outros
tantos Cristos na Terra; mas, ao menos, de fato cristãos.
“Sabeis,
meus filhos, o que é ser cristão? É ser humilde e amoroso; é seguir as pegadas
do Mestre, esforçando-se para fazer conforme foi por ele ensinado; não esquecer
que quem quiser ser o maior, será o menor; sobretudo, que nada ficará oculto
que não seja descoberto.
“Espíritas!
sede verdadeiros cristãos, e não ateeis de novo as fogueiras que outrora,
quando padres, mantínheis para tortura dos vossos irmãos, que não eram mais
ignorantes do que vós. Menos maus, eram-no. Hoje que uma réstea de luz
tocou-vos de leve, deveis compreender que, perseguindo em vez de esclarecer,
odiando em vez de amar, deitando normas que não praticais, inteiramente vos
igualais aos mesmos padres que acossaram os que lhes não davam crédito ou
preferiam orientação diversa. Jesus não
ensinou a perseguição; não fulminou tão pouco aquele que, ignorando a lei,
adorava ídolos; o que ensinou foi amar o Pai e pela prece dizer-lhe o que
sentia para que Ele, que é justo e bom, atendesse as
rogativas meritórias.
“É
preciso despertarem para a luz e a verdade; não mais constituírem exércitos de
perseguidores a invocar um Deus a quem desservem; mas unirem-se com firmeza,
pela fé raciocinada, cumprindo, entre outros, o dever de amparar os que, cegos,
se debatem nas trevas, para que mereçam ser igualmente amparados. Amar é elevar-se;
perseguir e odiar - amesquinhar-se.
“Assim,
aos que fazeis dos ensinos adquiridos cabedal de progresso próprio e dos vossos
semelhantes, eu vo-lo peço: sobre essa coivara (técnica agrícola
tradicional. Inicia-se a plantação através da derrubada da mata nativa, seguida
pela queima da vegetação) de animosidades e
lutas infrutíferas, das quais não surgirá nunca a verdade, lançai as vossas
maiores atenções. Desta forma agindo, além de pagardes uma divida de gratidão
pelo muito que se vos dá, contribuireis para a paz e concórdia, para que o fumo
que de tais incêndios se eleva não embacie por mais tempo, qual denso
nevoeiro, os horizontes da nova era.
“Adeus, meu amado filho. A luz e o
amor à verdade fiquem com todos. – José”.
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