terça-feira, 5 de junho de 2012

Sob o Domínio do Mal




Sob o domínio do Mal
        por    Indalício Mendes
in Reformador (FEB) Junho 1974

             É muito importante, extraordinariamente sério, o velho problema da obsessão, principalmente nas condições anormais do mundo atual, sacudido por manifestações turbulentas e homicidas, A humanidade está suportando pesadíssimas sobrecargas psíquicas, de natureza muito inferior, que se multiplicam perigosamente, desde os primórdios da última Grande Guerra. Não necessitamos apontar exemplos, pois os jornais registram diariamente ocorrências tais que nos fazem presumir havermos chegado a uma era de insanidade geral.

            Como se não bastassem a expansão e o recrudescimento da delinquência e dos crimes comuns, de conteúdo político ou social, eclodiram movimentos destinados a reviver hediondas e escabrosas práticas de satanismo, com as inevitáveis "missas negras", feiticeiros e bruxas, em clubes e organizações especializadas, quer nos Estados Unidos da América do Norte, quer na Inglaterra e em outros países.

            Satã, o chefe das coortes infernais, segundo a linguagem dos sectários desses grupos de obsidiados, domina enormes faixas de grupamentos humanos, enquanto os seus sequazes enaltecem as figuras míticas dos demônios e dos diabos, estimulando a corrupção das criaturas humanas, através dos mais torpes vícios, das reuniões mais depravadas, recordando os antigos sabats[1], onde predominam indivíduos drogados, completamente fora de si, embriagados pela volúpia de sangue, empolgados por atos requintados de sadomasoquismo.

            A onda de rebeldia e violência que varre o nosso mundo, criada por ideologias ateias e estimuladas por filósofos ou pseudo filósofos propugnadores da liberdade total e da destruição da família, por meio da sedução de jovens de ambos os sexos está abalando a sociedade dita tradicional. A preocupação de destruir impede a presunção de reconstruir. Debate-se o mundo numa confusão tremenda, numa congérie[2] produzida por conflitos raciais, contendas sociais, ânsias, irreprimíveis de hegemonia, impulsos de vingança, ódios velhos e ferrenhos entre profitentes do catolicismo e do protestantismo.

            Evidentemente, não nos é grato escrever sobre assuntos tão alarmantes e sombrios. Sombrios e depressivos. Mas é preciso encaremos de frente esses fatos verdadeiramente graves e de solução difícil e demorada. A Terra foi invadida por legiões de Espíritos trevosos, obsessores. Isso já aconteceu antes, conforme o registro da Bíblia. Desta vez, porém, a ofensiva do mal é mais ampla e mais terrível, não só porque são bem maiores e mais aperfeiçoados os instrumentos de destruição e morte, como porque a humanidade multiplicou-se muitas vezes. Já Nostradamus, há mais de quatrocentos anos, predisse que os acontecimentos do futuro seriam funestos, prognosticando que "os reinos, as classes e as religiões serão de tal modo subvertidos e RADICALMENTE DIFERENTES DO QUE SÃO HOJE, que, se eu revelar o futuro, tanto do reino, como da classe privilegiada, da religião e da fé, atualmente estimadas, o acharão tão diferente do que gostariam de ouvir que condenariam tais profecias, as quais, entretanto, serão cumpridas nos séculos futuros". (1)

            "O fim dos tempos", que muitos interpretam como o "fim do mundo", significa o fim, o encerramento. de um ciclo de civilização. Estamos caminhando inexoravelmente para "o fim dos tempos" de nossa era. E, analogicamente, a História parece repetir-se, guardadas as proporções e as circunstâncias que distinguem o mundo atual do mundo antigo. O satanismo da era medieval voltou com uma força muito grande. Os jornais mostram títulos assim: "Em Paris, padre luta com demônios num dia certo: sextas-feiras"; "Sacerdotes exorcizam e tiram famílias das garras dos demônios"; "Exorcismo é usado nos Estados Unidos para os toxicômanos"; etc. Fundam-se sociedades para o culto do satanismo, realizam-se "missas negras", e, no Rio, programou-se um "Simpósio sobre o exorcismo", tendo como conferencistas teólogos, psiquiatras, jornalistas, etc. Livros sobre feitiçaria constituem "bestsellers", nos Estados Unidos e na Europa. O "demônio" está na moda e, conforme o linguajar da juventude, "está na dele". Certo livro, publicado nos Estados Unidos, já traduzido em diversos idiomas, cujo tema resultou num filme, é escabroso, imoral, contundente em sua baixeza, mas, pela propaganda feita, inclusive no Brasil, deve estar rendendo fortuna apreciável ao seu ardiloso autor. Tudo isso nada mais é do que nauseabundo monturo de podridões revolvidas por aqueles que buscam locupletar-se com a divulgação de assuntos repelentes, onde as perversões sexuais alcançam níveis espantosos.

            Ora, num terreno tão propício à atração das forças "infernais" proliferam os Espíritos obsessores e obsidiados. Os vícios se requintam no sentido mais negativo, sombrio, tétrico. Indivíduos, apresentados como artistas avançados, levam às massas, por intermédio de todos os meios disponíveis de comunicação, espetáculos de decadência moral, anormalidades que provocam a comiseração das pessoas equilibradas, mas arrancam aplausos delirantes de jovens mal orientados, produzindo até desmaios na plateia! A subversão dos costumes é notória. Assaltos, sequestros, atos de indisciplina, concessões prejudiciais à organização familiar e à estabilidade dos lares, tudo está acontecendo, ante a perplexidade de uns e a indiferença de outros, confirmando profecias antigas e modernas.

            Essa a colheita macabra da humanidade contemporânea, fruto da semeadura materialista iniciada como reação aos desmandos, incongruências e excessos, durante séculos, do poder eclesiástico. A própria Igreja romana está sofrendo os resultados dos seus próprios pecados, entre estes a intolerância feroz de outros tempos, o abandono dos princípios legitimamente cristãos, a intromissão na política, contradições chocantes do seu procedimento com a doutrina do Mestre. Se o seu papel religioso fosse mantido íntegro, devotado exclusivamente ao seu mister precípuo, não estaria, hoje, cindida, debilitada e afrontada dentro das suas próprias fileiras. Ao combater os hereges, a feitiçaria e os que dela divergiam, excedeu-se na repressão, não raro muito mais absurda e violenta do que os erros que se dispunha a punir. Diz um ditado que "o mundo dá muitas voltas"; outro, que "a História se repete"; outro, ainda, que "um dia é da caça, outro do caçador"; ou "quem com ferro fere, com ferro será ferido". Todos esses ditos refletem, nada mais, nada menos, do que a certeza íntima do povo na lei cármica, magnificamente condensada na frase lapidar de Jesus: "A cada um segundo suas obras".

* * *

            Aos espíritas familiarizados com a Bíblia, com as palavras de Jesus e com as profecias, os acontecimentos atuais não espantam, não surpreendem. A roda cármica continua girando normalmente, em sua função inderrogável de justiça. E como há muito que retificar, as dores do mundo se multiplicam e se multiplicarão muito mais no futuro, como natural consequência dos excessos que vêm atribulando há muito tempo a humanidade. Emmanuel, o nunca assaz suficientemente citado Emmanuel, referindo-se aos profetas do passado e do presente, pondera: "Em tempo algum as coletividades humanas deixaram de receber a sublime cooperação dos enviados do Senhor, na solução dos grandes problemas do porvir." (2)

            Entretanto, pessoas que se consideram acima dessas ninharias religiosas sorriem desdenhosamente, e até com orgulho, da credulidade e ingenuidade dos que reconhecem haver, acima da pobre e sofredora humanidade, um Poder mais alto, que a sapiência dos homens não consegue atingir, mas que o sentimento puro dos que não estão contaminados pelo ceticismo e pelo ateísmo consegue captar com humildade e reconhecimento. Na realidade, enquanto a humanidade não se espiritualizar a dor dominará a Terra. A decadência moral da nossa civilização é incontestável. Vem de longe, causada pela presunção do materialismo, pela incoerência dos que falam em Deus, mas não se lembram d'Ele no procedimento diário; dos que se arrogaram herdeiros da Verdade cristã, sem que a respeitassem e a fizessem respeitada pelo exemplo. "Revendo os quadros da História do mundo, sentimos um frio cortante neste crepúsculo doloroso da civilização ocidental. Lembremos a misericórdia do Pai e façamos as nossas preces. A noite não tarda e, no bojo de suas sombras compactas, não nos esqueçamos de Jesus, cuja misericórdia infinita, como sempre, será a claridade imortal da alvorada futura, feita de paz, de fraternidade e de redenção" - advertiu ainda Emmanuel. (3)

            Os racionalistas (?) de todos os matizes, do alto da sua vaidade, riem-se da oração, da prece, do esforço sincero das criaturas de boa vontade para se porem em comunicação com as forças espirituais. Riem-se agora, mas irão chorar amanhã, quando tiverem contato com a realidade que não conseguiu romper a impermeabilidade do seu orgulho. Os que afirmam que as religiões falharam porque os homens continuam a matar-se, a miséria continua a assediar milhões de seres e a dor está sempre presente ou rondando a criatura humana, não querem compreender que o mal não está nas religiões, mas nos homens que não as honram com a sua fidelidade, que não as cultuam pondo em prática as lições que lhes são dadas, ou aqueles que, apegados à letra, não aceitam o espírito superior dos ensinamentos do Cristo. Eis por que muitos erros, incoerências e defeitos indevidamente atribuídos ao Cristianismo nada mais são do que o produto de interpretações falsas, pessoais, que não correspondem ao sentido das palavras de Jesus.


* * *

            Dadas as condições espirituais do mundo, muito inferiores, os trabalhos de desobsessão cresceram muito e necessitam de que os médiuns que a ele se dedicam redobrem sua dedicação e de que outros venham colaborar com tão nobre e caritativo esforço. A desobsessão é tarefa importantíssima e indispensável. Os trabalhadores espíritas devem adestrar-se mais ainda para socorrer as vitimas das "infecções fluídicas" ("Evolução em dois Mundos" - André Luiz) , da avalancha de obsessores, que são numerosíssimos. O socorro, aliás, deve dirigir-se também aos obsessores, vítimas de si mesmos, da própria rebeldia e da ignorância voluntária da Verdade espiritual. Semelhante serviço, altamente meritório, tem de ser feito de acordo com os ensinamentos evangélicos e doutrinários. O Espiritismo não combate os obsessores, mas busca salvá-los, esclarecendo-os, fazendo-os compreender que o mal que praticam os envolve e castiga também. E é ainda Emmanuel quem relembra: "A obsessão é sempre uma prova, nunca um
acontecimento eventual" e que "para atenuar ou afastar os seus efeitos, é imprescindível o sentimento de amor universal no coração daquele que fala em nome de Jesus". E André Luiz, em seu livro "Desobsessão", recorda que os quadros obsessivos estão "instalados em todas as classes, desde aquelas em que se situam as pessoas providas de elevados recursos da inteligência àquelas outras onde respiram companheiros carecentes das primeiras noções do alfabeto, desbordando, muita vez, na tragédia passional que ocupa a atenção da imprensa ou na insânia conduzida ao hospício. Isso tudo sem relacionarmos os problemas da depressão, os desvarios sexuais, os síndromes de angústias e as desarmonias domésticas". (4)

            Esse livro deve interessar profundamente aos que se dedicam à tarefa de desobsessão, pelas valiosas recomendações que contém, principalmente as endereçadas aos médiuns. Suas responsabilidades são enormes, porque o trabalho que desempenham é imprescindível. Os responsáveis por essa caridosa atividade precisam compreender a necessidade da seleção de médiuns aptos para tal mister. Nenhum médium que não revele condições para esse trabalho deve ser forçado a desempenhá-lo. Qualquer constrangimento já deve ser motivo para poupá-lo da tarefa, pois os obsessores poderão valer-se de semelhante circunstância para iniciar e desenvolver uma ação prejudicial à harmonia do ambiente. O médium, por sua vez - falamos de um modo geral -, "jamais deve descuidar-se da vigilância, buscando, aproveitar as possibilidades que Jesus lhe concedeu na edificação do trabalho estável e útil". (5) A mediunidade tem diferentes aplicações e os médiuns nem sempre são dotados de todos ou de muitos dons mediúnicos. Por isso, "trabalhe cada um com o material que lhe foi confiado, convicto de que o Supremo Senhor não atende no problema de manifestações espirituais, conforme o capricho humano, mas, sim, de acordo com a utilidade geral". (6) É de importância, por consequência, que os médiuns se dediquem ao exercício mediúnico para o qual estão capacitados, pois "a mediunidade apresenta uma variedade infinita de matizes, que constituem os chamados médiuns especiais, dotados de aptidões particulares", etc. (7) Em "O Livro dos Médiuns" se lê: "Cumpre, portanto, se estude a natureza do médium, como se estuda a do Espírito, porquanto são esses os dois elementos essenciais para a obtenção de um resultado satisfatório." (8)

            Todos sabemos que os trabalhos mediúnicos, subordinados à orientação doutrinário-evangélica, são sempre assistidos por idôneas entidades espirituais, notadamente os de cura, como, por exemplo, a desobsessão. Mas, em nenhum caso, frisemos, deve ser bloqueado o livre arbítrio dos Espíritos manifestantes, para que sua responsabilidade corresponda inteiramente às ideias que alimentam e ao comportamento que assumem. Para contê-los, impõe-se o esclarecimento evangélico, a ponderação a respeito da lei de Causa e Efeito, o retorno do mal que resultar de seus atos, como também o benefício que colherão se desistirem de práticas negativas e prejudiciais a outrem e adotarem conduta compatível com os princípios do Bem, pois "o Espiritismo não é somente o antídoto para as crises que perturbam os habitantes da Terra; os seus ensinamentos salutares e doces reerguem, nos desencarnados, as esperanças desfalecidas à falta de amparo e de alimento, é aí que a doutrina edifica os transviados do dever e os sofredores que somente as lágrimas fazem desaparecer". (9) Emmanuel, como outros Espíritos de prol, costuma encaminhar às sessões de cura os irmãos desencarnados que sofrem e se perdem nas trevas criadas por seus desvios - "atalhos", como diria o nosso querido confrade Luciano dos Anjos. Ele próprio o diz: "Conduzimos ( ... ) frequentemente, até o vosso meio, a fim de se colocarem em contato com a verdade da sua nova situação, aqueles dos nossos semelhantes que aqui se encontram ainda impregnados das sensações corporais." (10)

            Os vocábulos "demônio" e "diabo" são formas simbólicas criadas para definir, com exageros destinados a impressionar e aterrorizar os mais simples (chifres, cauda, pés de cabra, lançamento de fogo pelas narinas, odor de enxofre, etc.), o que nada mais é do que um infeliz Espírito obstinado no mal. A palavra demônio vem do grego daimónion (ente sobrenatural, gênio bom ou mau; fixou-se depois no sentido mau) e o vocábulo diabo, do grego diábolos (caluniador, maldizente), definições estas encontráveis no "Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa", edição única, de Antenor Nascentes. Tais figuras não passam de símbolos do mal.

            As organizações espíritas que se devotam ao caridosíssimo serviço de desobsessão encontram-se, mais do que nunca, atarefadíssimas. A maior parte das criaturas que apresentam sinais de perturbação, inquietação, nervosismo constante, pode estar sendo vítima de obsessores, pois "a obsessão, mesmo nos dias de hoje, constitui tormentoso flagício social. Está presente em toda parte, convidando o homem a sérios estudos. As grandes conquistas contemporâneas não conseguiram ainda erradicá-la. Ignorada propositadamente pela chamada Ciência Oficial, prossegue colhendo nas suas malhas, diariamente, verdadeiras legiões de incautos que se deixam arrastar a resvaladouros sombrios e truanescos, nos quais padecem irremissivelmente, até a desencarnação lamentável, continuando, não raro, mesmo após o trespasse", conforme testemunha o Espírito Manoel Philomeno de Miranda. (11)

            Já é tempo de concluir. Fazemo-lo com estas palavras de Bezerra de Menezes, que tanto interesse tem demonstrado por esse doloroso problema da vida humana, em "A Loucura sob Novo Prisma", "Dramas da Obsessão", etc.:

            "A lei de Causa e Efeito deveria ser estudada, espiritualmente, pelos homens, com o máximo esmero, meditando todos sobre ela o bastante para se forrarem ao seu gládio severo e inevitável, que desfere represálias impressionantes, porém justas, criteriosas e sábias, as quais representam a reação da Natureza, ou da Criação, contra a desarmonia estabelecida em suas diretrizes pela própria criatura. Os homens, no entanto, jamais se aplicam a essa nobre investigação que lhes evitaria desgraças, apoucamentos e ignomínias que, absolutamente, não estariam no seu roteiro, se eles, mais comedidos nas ações diárias, não os criassem para si mesmos, com atitudes verificadas a cada passo na sociedade como dentro do lar." (12)  Na verdade, há um relacionamento quase sistemático entre a obsessão e as vidas passadas, relacionamento provocado pela lei de Causa e Efeito ou Lei Cármica. A obsessão, "o mal de Caim", domina o mundo, mas pela conjugação de esforços evangelizados e preces fervorosas ao Alto, o Bem sairá vitorioso, porque é de sua destinação triunfar sobre o Mal. Portanto, em vez do desânimo e do desencorajamento, é preciso haver decisão, energia e persistência no trabalho, tendo a Doutrina por norma e o Evangelho por desiderato.


(1) Nostradamus - "Profecias", comentários por Marques da Cruz, ed. Cultrix-1950, página 175.
(2) Emmanuel - "O Consolado r", ed. FEB-1945, página 154.
(3) Idem, ob. cit., página 198.
(4) André Luiz - "Desobsessão", ed. FEB-1964, página 9.
(5) Emmanuel - Ob. cit., página 211.
(6) Sylvio Brifo Soares - "Palavras de Emmanuel", ed. FEB-1954, página 158.
(7) Allan Kardec - "O Livro dos Médiuns", ed. FEB-1950, página 186.
(8) Idem, idem, ibidem, página 187.
(9) Emmanuel "Dissertações Mediúnicas", ed. FEB-1945, página 156.
(10) Idem, idem, ibidem, página 154.
(11) Manoel Philomeno de Miranda (Espírito) "Nos Bastidores da Obsessão", ed. FEB-1970, pág. 7.
(12) Adolpho Bezerra de Menezes - "Dramas da Obsessão", ed. FEB-1964, página 204.







[1] Sabatts  – Celebrações de bruxos.
[2] Congérie – reunião de muitas coisas diferentes. 
Obs do Blogueiro.


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