A lição de Buda
por José
Brígido
(Indalício Mendes)
(Indalício Mendes)
A preocupação
da maioria dos homens é ser forte, poderoso, irresistível. Sim, para dominar. Uns
aspiram à fortaleza física, para serem olhados e admirados como se foram
semi-deuses, fazendo convergir sobre si as atenções das mulheres, Imitam o
famoso atleta Arrichion, tornam-se escravos dos músculos, entregam-se à
miolatria e procuram celebrar a glória
de Apolo por meio da consagração de Hércules e Milo de Crotona! Outros se entredisputam
as honras das lutas, não recuando mesmo ante a possibilidade de arredar
ilicitamente de sua frente os adversários melhor capacitados, como fizeram os
jovens de Atenas e de Megara a Androgeu, que sempre alcançava o prêmio das
disputas máximas! Outros, ainda, como que filhos de Epimeteu, que formara, a
par de prudentes e hábeis, homens que eram imprudentes e estúpidos, reeditam a
façanha deprimente de Midas e tentam converter tudo e todos ao seu dinheiro! É
quando se manifesta o domínio dos que tem sobre os que não tem nada ou tem
muito pouco. Todavia, tal como a ilusória felicidade de Midas, a deles dura menos
que as clássicas batidas rosas de Malherbe, e, apesar do fausto em que vivem,
quase sempre acabam com orelhas de asno ...
*
O homem forte não é o que possui o
poder da violência - "o poder, disse-o Shelley, envenena as mãos que o
tocam" - nem o que reduz a vida a mera questão de preço, É' forte aquele
que sabe ser paciente, que sabe perdoar, que sorri diante do despautério, que
não perde a calma quando a confusão se generaliza. É forte o que tem autoridade
moral suficiente para resguardar sua personalidade do azinhavre das
conveniências formalísticas; o que tem o espírito forrado e impermeável à
influência nociva dos preconceitos, o que sabe evitar o bafio das convenções
bolorentas, Somente é forte aquele que pode olhar para os dias de ontem com a consciência
em paz. A bondade, a tolerância, o desejo de servir, são formas do amor, que é
uma força de notável expressão, A disciplina é outra variante da força, porque
concorre para tornar coesos os grupamentos humanos. Onde há disciplina, há ordem
e união, Consequentemente, há força. Até
a harmonia é força. Quando o indivíduo consegue disciplinar seus sentimentos,
harmonizando-os com os princípios legitimamente cristãos, torna-se forte porque
a verdadeira fortaleza começa pela educação de nós mesmos. Ninguém terá
autoridade moral para exigir disciplina de outrem, se ainda não conseguiu
disciplinar os seus próprios pendores de ordem moral, O homem forte é aquele
que só o que é correto, isto é, o que faz o que deve e não o que quer.
*
Não fora a união tradicional dos
judeus – união religiosa, política e etológica - não teriam conseguido
apresentar a espantosa homogeneidade de pensamento e de ação em sua secular
peregrinação pelo mundo. Foi essa união que lhes outorgou a "pátria
portátil" de que fala Henri Heine, a qual tem resistido a todas as
tempestades sociais, como que renascendo de cada hecatombe, mais unida e mais
forte.
*
Nenhuma força supera a "força
do sentimento". Ela estabelece permutas que aliviam as agruras da vida
humana; pede levar a almas torvas o clarão do entendimento. Não será apenas
pela inteligência que o homem há de alcançar a paz de espírito, mas, principalmente,
pelo coração. O cultivo do sentimento espiritualiza o homem, por torná-lo mais humano,
isto é, menos refratário à dor de seus semelhantes, menos frio à miséria que o
circunda, mais sensível
às manifestações altruísticas. Ser forte é ser bom; ser bom é ser forte, porque
o bem é livre. O mau é escravo de suas inferioridades morais, logo é um fraco,
porque cede a essas inferioridades, porque não tem força para resistir às solicitações
do mal. Portanto, ser mau é ser fraco.
*
O egoísmo é o calcanhar de Aquiles da
maioria dos homens. O egoísta, como Narciso apaixonado pela própria beleza, se
debruça sobre si mesmo e se perde. Esquece-se de que o mundo é bem mais vasto
do que os estreitos limites de sua egolatria, onde permanece adstrito, como o
peru perplexo no círculo gizado ... O egoísta é um fraco; o altruísta, um
forte. O amigo da paz é mais forte de que o amigo da guerra, porque ele não
destrói nem divide, mas cria e multiplica pela união fraterna. Nenhum homem
será justo, nenhum homem será bom, se causar preocupações nocivas a terceiros,
se por sua causa correr alguma lágrima, se levar ao coração de outrem a dor, se
fizer com que se articulem merecidas queixas contra a dureza de seu coração ou
a sua persistência criminosa em alimentar caprichos mesquinhos. O homem bom é
forte e sabe sorrir para a Natureza, que é, como ele, obra divina. Entretanto,
se conspurca sua remota origem divina com pensamentos e atos em desacordo com a
harmonia que reina no Universo, sofre e faz sofrer, e sofrerá tanto mais quanto
mais fizer com que outros sofram por sua causa.
*
Todos os grandes predecessores do
Cristo foram fortes, porque foram bons. Buda, por exemplo, amava o bem e
distribuía generosamente tudo quanto podia, mesmo com os maus. E pontificava:
"Se um homem totalmente me faz mal,
retribuo-lhe esse mal com a proteção de meu silencioso amor: mais me vem dele,
mais bem lhe virá de mim".
Duma feita, um presunçoso maltratou
Buda, que ouviu silenciosa e imperturbavelmente. Suave sorriso de bondade brincava-lhe
nos lábios. Depois, sereno, o Gautama perguntou a quem o ofendera:
- "Filho: se um homem se recusa
a receber o presente que lhe dão, a quem fica ele pertencendo?"
O toleirão respondeu com arrogância,
enfatuadamente:
"- A quem fez a oferta, claro!
Que pergunta néscia!"
Buda, com a majestade de sua atitude
simples, cheio de doce humildade, retrucou tranquilamente:
- "Meu filho: eu declino de
aceitar a tua má ação e peço que fiques com ela ...”
Há tanta expressão nesse ato de
Buda, que nós nos perguntamos se não será melhor, sempre que qualquer Irritação
nos fizer perder a calma, relembrarmos essa lição prodigiosa, para que não
tenhamos a consciência perturbada pele remorso? A lição de Buda ficou como um
exemplo a todos os que são fracos e se julgam fortes ...
Fonte: Reformador (FEB) Jan 1948
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