sexta-feira, 15 de junho de 2012

A Lição de Buda


A lição de Buda

por José Brígido 
(Indalício Mendes)  

    
        
          A preocupação da maioria dos homens é ser forte, poderoso, irresistível. Sim, para dominar. Uns aspiram à fortaleza física, para serem olhados e admirados como se foram semi-deuses, fazendo convergir sobre si as atenções das mulheres, Imitam o famoso atleta Arrichion, tornam-se escravos dos músculos, entregam-se à miolatria e procuram  celebrar a glória de Apolo por meio da consagração de Hércules e Milo de Crotona! Outros se entredisputam as honras das lutas, não recuando mesmo ante a possibilidade de arredar ilicitamente de sua frente os adversários melhor capacitados, como fizeram os jovens de Atenas e de Megara a Androgeu, que sempre alcançava o prêmio das disputas máximas! Outros, ainda, como que filhos de Epimeteu, que formara, a par de prudentes e hábeis, homens que eram imprudentes e estúpidos, reeditam a façanha deprimente de Midas e tentam converter tudo e todos ao seu dinheiro! É quando se manifesta o domínio dos que tem sobre os que não tem nada ou tem muito pouco. Todavia, tal como a ilusória felicidade de Midas, a deles dura menos que as clássicas batidas rosas de Malherbe, e, apesar do fausto em que vivem, quase sempre acabam com orelhas de asno ...

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            O homem forte não é o que possui o poder da violência - "o poder, disse-o Shelley, envenena as mãos que o tocam" - nem o que reduz a vida a mera questão de preço, É' forte aquele que sabe ser paciente, que sabe perdoar, que sorri diante do despautério, que não perde a calma quando a confusão se generaliza. É forte o que tem autoridade moral suficiente para resguardar sua personalidade do azinhavre das conveniências formalísticas; o que tem o espírito forrado e impermeável à influência nociva dos preconceitos, o que sabe evitar o bafio das convenções bolorentas, Somente é forte aquele que pode olhar para os dias de ontem com a consciência em paz. A bondade, a tolerância, o desejo de servir, são formas do amor, que é uma força de notável expressão, A disciplina é outra variante da força, porque concorre para tornar coesos os grupamentos humanos. Onde há disciplina, há ordem e união, Consequentemente, há força.  Até a harmonia é força. Quando o indivíduo consegue disciplinar seus sentimentos, harmonizando-os com os princípios legitimamente cristãos, torna-se forte porque a verdadeira fortaleza começa pela educação de nós mesmos. Ninguém terá autoridade moral para exigir disciplina de outrem, se ainda não conseguiu disciplinar os seus próprios pendores de ordem moral, O homem forte é aquele que só o que é correto, isto é, o que faz o que deve e  não  o  que quer.

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            Não fora a união tradicional dos judeus – união religiosa, política e etológica - não teriam conseguido apresentar a espantosa homogeneidade de pensamento e de ação em sua secular peregrinação pelo mundo. Foi essa união que lhes outorgou a "pátria portátil" de que fala Henri Heine, a qual tem resistido a todas as tempestades sociais, como que renascendo de cada hecatombe, mais unida e mais forte.

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            Nenhuma força supera a "força do sentimento". Ela estabelece permutas que aliviam as agruras da vida humana; pede levar a almas torvas o clarão do entendimento. Não será apenas pela inteligência que o homem há de alcançar a paz de espírito, mas, principalmente, pelo coração. O cultivo do sentimento espiritualiza o homem, por torná-lo mais humano, isto é, menos refratário à dor de seus semelhantes, menos frio à miséria que o circunda, mais sensível às manifestações altruísticas. Ser forte é ser bom; ser bom é ser forte, porque o bem é livre. O mau é escravo de suas inferioridades morais, logo é um fraco, porque cede a essas inferioridades, porque não tem força para resistir às solicitações do mal. Portanto, ser mau é ser fraco.
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            O egoísmo é o calcanhar de Aquiles da maioria dos homens. O egoísta, como Narciso apaixonado pela própria beleza, se debruça sobre si mesmo e se perde. Esquece-se de que o mundo é bem mais vasto do que os estreitos limites de sua egolatria, onde permanece adstrito, como o peru perplexo no círculo gizado ... O egoísta é um fraco; o altruísta, um forte. O amigo da paz é mais forte de que o amigo da guerra, porque ele não destrói nem divide, mas cria e multiplica pela união fraterna. Nenhum homem será justo, nenhum homem será bom, se causar preocupações nocivas a terceiros, se por sua causa correr alguma lágrima, se levar ao coração de outrem a dor, se fizer com que se articulem merecidas queixas contra a dureza de seu coração ou a sua persistência criminosa em alimentar caprichos mesquinhos. O homem bom é forte e sabe sorrir para a Natureza, que é, como ele, obra divina. Entretanto, se conspurca sua remota origem divina com pensamentos e atos em desacordo com a harmonia que reina no Universo, sofre e faz sofrer, e sofrerá tanto mais quanto mais fizer com que outros sofram por sua causa.

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            Todos os grandes predecessores do Cristo foram fortes, porque foram bons. Buda, por exemplo, amava o bem e distribuía generosamente tudo quanto podia, mesmo com os maus. E pontificava: "Se um homem totalmente me faz mal, retribuo-lhe esse mal com a proteção de meu silencioso amor: mais me vem dele, mais bem lhe virá de mim".

            Duma feita, um presunçoso maltratou Buda, que ouviu silenciosa e imperturbavelmente. Suave sorriso de bondade brincava-lhe nos lábios. Depois, sereno, o Gautama perguntou a quem o ofendera:

            - "Filho: se um homem se recusa a receber o presente que lhe dão, a quem fica ele pertencendo?"

            O toleirão respondeu com arrogância, enfatuadamente:   

            "- A quem fez a oferta, claro! Que pergunta néscia!"

            Buda, com a majestade de sua atitude simples, cheio de doce humildade, retrucou tranquilamente:

            - "Meu filho: eu declino de aceitar a tua má ação e peço que fiques com ela ...”

            Há tanta expressão nesse ato de Buda, que nós nos perguntamos se não será melhor, sempre que qualquer Irritação nos fizer perder a calma, relembrarmos essa lição prodigiosa, para que não tenhamos a consciência perturbada pele remorso? A lição de Buda ficou como um exemplo a todos os que são fracos e se julgam fortes ...


Fonte: Reformador (FEB) Jan 1948


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