O que
nos espera
depois da Morte.
Se tivesse, no
começo desta obra, a ideia de dizer que estamos vivos, pensarão que eu enuncio
um truísmo sobre o qual ninguém tem necessidade de insistir, porém se complico
a frase ao perguntar: "Estamos vivos, mas por quanto tempo?" penso
que pessoa alguma poderá responder-me de uma maneira certa, pois que a vida é
um fator cujas regras saem do domínio matemático para esposar, por meio de uma
exposição sumária, a mais alta fantasia.
Fiamo-nos muito
nas aparências quando na Terra e assim declaramos que alguém é feliz ou que tem
uma excelente saúde quando estamos às vezes em face de um homem de negócio,
rico ou manejando grandes capitais, mas minado realmente por preocupações de
uma vida doméstica caprichosa ou bem de um indivíduo que morrerá, em alguns dias,
de uma ruptura de aneurisma, por pletora de carnes que ele exibe para nossa
inveja.
Estamos de tal
modo habituados a encarar com um olhar distraído tudo o que nos cerca que nada
nos parece extraordinário no dédalo dos fatos diários e, no entanto, se nos
entregarmos a uma observação atenta, perceberemos, primeiramente, que podemos
catalogar, de qualquer sorte, o que percebemos, em duas categorias: as coisas
inertes, depois os objetos possuindo em si elementos de ação.
As coisas inertes
são imutáveis em si. Se nada acontece com elas, permanecem intactas e no mesmo
lugar, pelo menos um curto tempo.
Os objetos
possuindo em si elementos de ação são compostos de tudo o que vive: os seres de
toda natureza, quer sejam humanos, animais, vegetais.
Em primeiro
lugar, os vegetais são imóveis, mas vê-se perfeitamente que eles nascem,
crescem e se modificam em cada estação. Quem já não se maravilhou, numa bela manhã
de primavera, ao encarar as árvores cobertas de folhas novas e a transformação
súbita da natureza em alguns dias?
Quem já não
aspirou, um instante, no campo, o cheiro de fenos recentemente cortados ou o
das mil corolas abertas sobre as quais vinham as abelhas pousar?
Ora, que são
esses aromas senão as emanações vivazes de múltiplos vegetais em transformação
ou em atividade, exteriorizando algo de si, algo imponderável, mas destinado a provar a sua mobilidade, a sua vida, a vida que deixará um dia!
Devemos então
enfrentar um novo período para o qual não estamos ainda preparados. Nossos pais
terão gasto longos anos para a nossa educação material, mas nada terão feito
por uma existência muito mais longa à qual estamos destinados, porque, como bem
sabemos, nenhum de nós se livrará da morte.
Nós, os vivos, seremos um dia Nós, os
mortos, e lamentaremos provavelmente a imprevidência de nossos próximos, assim
como a nossa no que diz respeito a esta importante questão:
a sobrevivência da alma e o não preparo para esta longa estação que seremos
chamados a fazer depois que o nosso corpo for encerrado no túmulo.
in Introdução ao seu livro
‘O que
nos espera depois da morte’
Ed ECO Ano ?