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Da
ação do meio sobre o individuo pretendem fazer os negadores do livre arbítrio
um argumento contundente, porque -, dizem eles - como pode ser livre ou a que,
pelo menos, fica reduzida no homem - a liberdade moral, quando manifestadamente
o vemos enredado na teia de múltiplas sugestões, a que, pelo espírito de
imitação que lhe é peculiar, não pode resistir?
Sobre ser estultícia, inútil seria
negar essa influência, tanto mais evidente quando o que na esfera social ocorre
a tal respeito não é mais que um desdobramento ou repercussão do fenômeno que
na ordem física se observa, e que consiste na tendência para o nivelamento.
Tomai um vaso com água a ferver e metei-o num outro maior com água fria; dentro
em pouco a temperatura se terá uniformizado pela penetração recíproca.
Dir-se-ia que a água quente buscara elevar ao seu estado térmico a água fria,
ao passo que esta forcejara por fazer baixar a outra à sua graduação. Daí, como
justo termo do equilíbrio, o nivelamento térmico.
Fenômeno semelhante, e que atesta a
unidade e coordenação lógica da lei que tudo rege no universo, é o que se: verifica
no domínio espiritual e, conseguintemente, no das aglomerações humanas. Espíritos
ou homens, conforme o plano em que operem, os que se acham em grau superior
evolutivo buscam atrair a si, pela comunicação de suas virtudes e
conhecimentos, os que demoram abaixo, ao passo que estes, tanto mais cheios de obstinação
quão menos evolucionados, se esforçam não somente por fazer baixar ao seu nível
os imediatamente superiores, como por impedir que se elevem os seus iguais.
Essa dupla corrente de esforços se
traduz ora direta e ostensivamente pela palavra e o pensamento, ora por forma tácita
e indireta, mediante a silenciosa eloquência dos exemplos.
Aqui na terra - e não nos ocupamos
por agora das peculiaridades do viver no espaço - desde os ensinos que no lar e
na escola recebe, em contato com a família
e com os companheiros, aos fatos
que observa na vida exterior e ao que aprende nos livros, nos jornais e nas simples
conversas com amigos e conhecidos, no lugar em que trabalha, nas diversões, por
toda parte em suma, sofre o homem essa múltipla, constante, variada sugestão do
meio, a cuja influência fatal e insensivelmente se vai adaptando. Com abdicação
completa da feição peculiar à sua personalidade e sem possibilidade alguma de
livremente reagir? - Certamente não, pois que é ele próprio uma parcela
consciente do mesmo todo a que pertence, mais que apto,
instigado a colaborar, consoante os seus íntimos pendores e faculdades próprias,
na composição desse ambiente, em que representa uma força ao mesmo tempo estática
e dinâmica: estática em tudo quanto assimila e retém passivamente; dinâmica,
por toda atividade que, em retribuição, transmite. Numa palavra, o meio age e, de
resto, poderosamente sobre o individuo e este reage tanto mais eficazmente quão
mais positivas energias em si mesmo fixou, capazes, pelo menos na aparência, de
imprimir-lhe algumas vezes a orientação de sua própria vontade pessoal (1).
(1) É o caso, por exemplo, dos grandes
vultos políticos, missionários de consideráveis obras dessa natureza em sua
pátria e cuja ação se faz sentir até na remodelação dos costumes, pela imitação
que despertam os seus próprios atos de valor ou de virtude. Como, porém, tais
movimentos são suscitados e dirigidos pelo mais alto, é que dizemos ser aparente essa capacidade dominadora
do indivíduo.
Quer isso dizer que, se é impossível
ao homem subtrair-se por completo à pressão do meio, que tão consideravelmente
e a tantos respeitos o constrange, não é tirânica essa influência ao ponto de
lhe tolher as operações do livre arbítrio, sempre embora subordinado em sua amplitude
ao grau de capacidade moral atingido na sucessão das existências. É o que
precisamente explica porque certos, posto que raros, indivíduos, colocados em
meios viciosos, se conservam indenes da contaminação dos vícios ambientes,
testemunhando uma resistência moral que, sobre ser o indício de considerável
progresso adquirido, tem, no ponto de vista da providencialidade de todas as nossas
situações terrestres, a significação de um apostolado, pelo exemplo que dão aos
desregrados.
Será contudo em si mesmo, suas interiores
energias pessoais que haure unicamente o homem essa capacidade não vulgar de,
resistindo ao mal, perseverar no bem?- Ele possui indubitavelmente a predisposição,
fortalecida por um longo aprendizado anterior. Tão fraco é de si mesmo,
todavia, o homem exposto - minúsculo átomo no seio da criação - as incomensuráveis
forças que aí operam em todos os sentidos, que exagerado seria e, sobretudo
para ele, temerário presumir que sozinho pudesse realizar as decisivas
obras da vontade.
E aqui tocamos no último fator a
assinalar, dos que intervêm na complicadíssima trama das ações humanas: a influência
dos espíritos, Intimamente solidário que é com o nosso mundo, esse das entidades
invisíveis, constante é o fluxo e o refluxo de suas mútuas ações e reações. Como,
porém, fará objeto de oportuno desenvolvimento, em capítulo adiante, esse fenômeno
da intervenção dos espíritos nos sucessos humanos, por agora nos limitaremos a
assinalar que, sem violação do livre arbítrio, antes com as suas operações
intimamente conjugada, de tal modo é flagrante e generalizada essa intervenção
que os atos do homem raramente se revestem da independência que em sua ignorância
ele presume. Ou no bem ou no mal,
inclinando-se à virtude ou preferindo os vícios, procede o homem quase sempre
de concerto com seres invisíveis que, simpatizando com as suas tendências, as
reforçam (1).
(1) Dizemos propositalmente
"reforçam" e não
"constrangem", porque, sendo o livre arbítrio um atributo na lei
divina sancionado, não poderia sofrer formal violação . E esta se daria, se
pudesse o homem ser constrangido (excluímos -- é claro - o caso da violência
material, em que entretanto a vítima é paciente e
não agente) a praticar um ato contrario à natureza de seus sentimentos.
Ora, repetidas experiências de
magnetismo têm provado que o sensitivo só obedece às sugestões do magnetizador
enquanto estas concordarem com as suas inclinações morais, recusando-se terminantemente
a obedecer no caso contrario.
E não é por imperceptíveis sugestões mentais que operam sobre os homens
os seres do invisível? Só obedecem, pois, aqueles, se com as ideias sugeridas
simpatizam.
Não fossem eles, principalmente os
bons, os agentes da obra universal de evolução, os instrumentos de que se serve
a Suprema Inteligência para realizar no mundo os seus desígnios providenciais!
Porque, se observarmos a marcha dos
acontecimentos através dos séculos, os ciclos de Civilização percorridos pela
humanidade, a sua ascensão gradual do estado de primitiva barbaria à formação
de uma consciência cada vez mais esclarecida para a compreensão dos ideais supremos
de Justiça e de Bondade, é evidente que, acima das flutuações, da aparente desordem,
assinalada por saltos e recuos, que apresenta essa marcha evolutiva, pelos mesmos
cataclismos sociais favorecida, o que inspirou a Affonso Esquirós esta sentença
lapidar: "as revoluções não são obra da humanidade, são épocas", é evidente - dizemos - que
um plano inflexível se desenha, um pensamento soberano paira, encaminhando
todas as coisas a um objetivo predeterminado.
Essa intervenção da Providência nos
destinos do mundo, mais que, em si mesma, a presciência divina, para a qual,
coma a própria palavra o indica, todas as ações do homem pelo futuro afora são
antecipadamente conhecidas, parece dificilmente conciliável com a noção do livre
arbítrio humano. À primeira vista nada realmente parecerá mais razoável que objetar:
ou bem os homens são livres, e neste caso podem neutralizar perpetuamente a ação
de uma vontade oposta à sua, ou se essa vontade oculta os conduz a fins que eles
são incapazes de prever ou a que não quereriam dirigir-se, é que de fato não
são livres; objeção que se desfaz, em primeiro lugar, considerando-se o livre
arbítrio uma faculdade, não absoluta, como seria preciso admitir naquela hipótese,
mas relativa, limitada como todas as faculdades humanas, conforme já ficou assinalado,
e em segundo lugar, tendo-se em consideração os subsídios que para a resolução
desse problema nos oferece O Espiritismo, sobretudo graças à lei da pluralidade
de existências, que deixa sempre aos
espíritos,
com os sucessivos regressos a este mundo, uma certa latitude para a realização,
mais próxima ou remota dos desígnios providenciais, consoante se resolvem, mais
cedo ou mais tarde, a obedecer às sugestões em tal sentido.
Por outros termos: há evidentemente
um plano providencial de evolução traçado para o nosso planeta e a sua
humanidade, como haverá na Mente Divina um limite de tempo, que varia entre um
mínimo e um máximo d'Ela mesma, em sua presciência, conhecidos, para a
realização desse plano, em que de um lado cooperam os homens de boa vontade e
do outro as Inteligências que do invisível os inspiram. Contrariando, todavia,
essa benéfica influência - e não nos alongaremos, por inoportuno agora, no desenvolvimento
desse tema - outras atuam sobre os espíritos retardatários, encarnados entre os
homens, buscando neutralizar a execução daquele plano. Daí as lutas, as perturbações,
os triunfos e revezes, que acidentam a marcha do progresso humano. Quer, porém,
servindo os seus ideais, quer deles se afastando, acumulando falências morais
através das existências, ou a novas outras regressando, com o fruto das experiências
amargamente adquiridas, para reparar anteriores erros e firmar-se nas virtudes,
são sempre, na terra, livres os espíritos de ceder, segundo os seus pendores pessoais,
às boas ou más influências a que, do
invisível, estão frequentemente expostos.
Uma figura poderá fazer melhor apreender
em seus lineamentos gerais essa marcha evolutiva, em que o livre arbítrio
humano se concilia com os desígnios providenciais.
Houve quem comparasse a humanidade,
no ponto de vista dos destinos que lhe estão traçados, e que um dia há de atingir
fatal e necessariamente, aos passageiros de um navio com rumo a determinado
porto. Enquanto o navio singra os mares nessa inflexível direção, os passageiros
nele se movem livremente e livremente praticam os atos que mais lhes agradam ou
lhes convém: comem, dormem, passeiam, jogam, conversam e se divertem, cada um
na conformidade de suas predileções particulares. 0 que não podem é impedir que
o navio chegue ao porto. Assim os homens, movendo-se no círculo de sua
liberdade relativa, não se podem subtrair ao termo providencial dessa viagem
que vêm fazendo, rumo da eternidade -e do infinito, e que se traduz numa palavra
- a perfeição.
Por nossa parte, a humanidade, posta
nesse rumo, preferentemente comparável - e oferecemos esta variante aos
amadores de parábolas - a uma imensa caravana que por estrada íngreme se dirige
a um planalto iluminado. Penosa e, tantas vezes, exaustiva é a ascensão, cujo
termo reserva, todavia, aos perseverantes e fieis romeiros as mais gratas
compensações, na pureza da atmosfera e na magnificência do panorama que se
descortina lá do alto, onde o viver desliza na serenidade dos mais nobres e pacíficos
labores.
A estrada, porém, que lá conduz é
orlada de precipícios cobertos de
viçosas flores, mal encobrindo agressivos espinheiros, que lhes tornam defesas
as vertentes. Ai do temerário que, atraído pela curiosidade, e a pretexto de
colher as flores, queira sondar o fundo aos precipícios, envolto sempre em
densas trevas! Lacerado de espinhos e a verter sangue, terá que voltar
arrependido à estrada que em má hora abandonara.
Pois bem, o planalto iluminado é a
imagem da perfeição que, uma vez atingida pelo espírito, lhe permite contemplar
os eternos esplendores, na paz de consciência, entregue aos labores felizes da espiritualidade,
encerrado o ciclo angustioso das peregrinações terrestres.
Os abismos que orlam a estrada
íngreme da vida são as atrações do mal, envolto em sedutoras aparências, defendido,
porém, pelos agudos sofrimentos, para impedir que nele se embrenhem
perpetuamente as criaturas. Como, entretanto, estas são livres e, sobre livres,
curiosas de lhe sondar, de perto as asperezas, por ele desertam com frequência
a estrada reta que conduz ao alto. Umas logo recuam, outras se obstinam em
penetrar mais longe, e assim mais ou menos se demoram nas tenebrosas regiões; todas,
porém, cedo ou tarde, se resolvem a retomar a abandonada senda, até alcançar o
planalto iluminado, de onde não cessavam de chamá-las as que ali as precederam
e onde se hão de reunir todas um dia.
Quando? - A Providencia o sabe. Mas
para isso, para que todos os espíritos de que se compõe a nossa humanidade, em
grande número extraviados nas devesas do
mal, isto é, da ignorância, façam rumo à perfeição que é seu destino e ponham a
sua vontade, orientada para o Bem supremo, em concordância com a vontade d'Aquele
que os criou, é indispensável que à sua disposição tenham o número de vidas suficiente
à ascensão livre, gradual, perseverante, a que naquele rumo não cessa de os
convidar a lei divina.
Já é tempo, de documentarmos com
testemunhos e fatos essa magnífica lei da pluralidade de existências dos espíritos
na terra.
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