“Essa pobre viúva
deu mais que
todos os outros”
A filosofia espiritual de Jesus está em
flagrante oposição à filosofia material do mundo profano. Esta trata quase só
de quantidades;
aquela, de qualidades.
Quantitativamente, os outros
ofertantes tinham dado mais do que a viúva, que lançou no cofre apenas duas moedazinhas
de cobre, cada uma talvez do valor de um antigo vintém nosso. Qualitativamente,
porém, essa exígua oferta material representava gigantesco valor espiritual.
Esse valor não era aferido pelo objeto, mas sim pelo sujeito
.
Quando o homem profano quer dizer
que uma coisa é solidamente real ele diz que é "objetiva"; se é
apenas "subjetiva", tem pouca realidade, lá no seu entender. Para o
iniciado, porém, o "subjetivo" é muito mais real que o
"objetivo", ou melhor, o "subjetivo" é a única realidade
verdadeira, ao passo que o "objetivo" é apenas uma aparência, um
reflexo derivado daquele. Deus é o grande SUJEITO, os mundos dele são os pequenos
objetos. O grande SUJEITO é a causa de tudo, os pequenos objetos são apenas uns
efeitos efêmeros. O grande SUJEITO é, os pequenos objetos apenas existem.
Quanto mais real, e, portanto,
divino, o homem se torna tanto mais subjetivo vai ficando; quer dizer, tanto mais
valor ele dá à qualidade interna, e tanto menos importância dá às quantidades
externas.
A pobre viúva do Evangelho possuía
pouquíssimas quantidades materiais, mas uma imensa qualidade espiritual. E,
como a qualidade interna dá valor às quantidades externas, Jesus afirma que ela
deu mais que todos os outros, porque os outros, os ricaços quantitativos, davam
muito das suas quantidades de ouro e prata, mas pouco ou nada da sua qualidade
humana e espiritual, porque não a possuíam. A viúva qualitativa era uma
indigente de quantidades, mas uma milionária de qualidade - ao passo que os
outros eram ricos talvez milionários em quantidades, porém indigentes em
qualidade. Objetivamente ricos, subjetivamente pobres.
Esta filosofia qualitativa do
sujeito é de difícil compreensão para nós, que tradicionalmente professamos uma
pseudo-filosofia quantitativa de objetos. Não
compreendemos
ainda que as quantidades objetivas não têm realidade autônoma, intrínseca,
senão apenas realidade heterônoma, extrínseca. As quantidades objetivas são
como outros tantos zeros, que, por mais numerosos, não representam valores
reais, embora somados e multiplicados indefinidamente. As qualidades
subjetivas, porém, são como o valor positivo "1", que, anteposto aos
zeros, confere valor a estes: 1000. O primeiro zero após o "1" vale
dez, o segundo cem, o terceiro mil; zeros valorizados pelo "1". .
Quando Jesus disse: "Que
aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se chegar a sofrer prejuízo em sua
alma?" frisou ele o valor intrínseco e qualitativo do sujeito, ou Eu
humano, e o desvalor das quantidades externas do mundo. Para quem, como ele,
tem a noção nítida da realidade do valor subjetivo e da irrealidade dos valores
objetivos, sabe que é grande sabedoria
salvar aquele, mesmo à custa destes, e grande loucura ganhar estes perdendo
aquele.
Para que alguém possa compreender
essa filosofia qualitativa do sujeito e sobrepô-Ia à tradicional filosofia, ou
pseudo-filosofia quantitativa dos objetos, requer-se que tenha experiência
direta do seu próprio Eu, não desse pequeno ego periférico, físico-mental, mas
do grande
Eu central, racional. Em última análise, tudo depende da experiência pessoal,
da vivência direta da realidade. Ninguém sabe, de fato, senão aquilo que ele
vive; e ninguém pode viver senão aquilo que ele é. De maneira que saber, viver
e ser são, última análise, uma e a mesma coisa.
O homem profano, que só conhece os
pseudo-valores quantitativos do plano objetivo, horizontal, nunca compreenderá
o verdadeiro espírito do Evangelho, que só trata dos valores qualitativos do
plano subjetivo, vertical. Só no dia e na hora em que o homem viver intimamente
esses valores é que saberá o que eles são na realidade. "Quem ouve estas
minhas palavras, mas não as realiza (vive), é como um homem insensato que edificou
a sua casa sobre areia. Mas, quem ouve estas minhas palavras, e as pratica
(vive), este é como um homem
sábio que edificou a sua casa sobre rocha".
O espiritual, invisível, eterno,
infinito, absoluto, universal, divino - é que é a causa de tudo que é material,
visível, temporal, finito, relativo, individual, que são os efeitos derivados
daquela causa, inderivada.
A filosofia cósmica é 100% realista.
Verdade é que o profano pensa precisamente o contrário, mas o seu errôneo
pensamento não modifica a realidade. O profano costuma apelidar de
"idealistas" os realistas, porque ignora que eles são muito mais
realistas do que
ele. Jesus é o rei dos realistas, e o seu Evangelho é a Carta Magna do maior
realismo que já apareceu à face da terra; porque reais são as qualidades,
irreais as quantidades, quando não "realizadas" por aquelas, assim
como os zeros são "realizados" ou "valorizados" pelo
"1".
A própria física nuclear dos nossos
dias vem em nosso socorro e é nossa grande aliada e auxiliadora, porque prova,
matemática e experimentalmente, que tanto mais real é uma coisa quanto menos
material ou quantitativa, e tanto menos real quanto mais material. A matéria
visível e palpável; que é "energia congelada" é menos real que essa
energia em estado não congelado.
Congelamento é passividade, descongelamento é atividade. A energia, por sua
vez, é luz condensada, menos real que a luz não condensada. No mundo físico é a
luz a mais real das realidades, por ser o menos material dos fenômenos do mundo
físico.
No homem, a alma é mais real que a
mente e o corpo; a mente é menos real que a alma, porém mais real que o corpo;
o corpo é menos real que aquelas duas.
Quanto mais o homem se espiritualiza
mais se realiza. Deus, sendo a suprema espiritualidade, ou o espírito absoluto,
é a realidade absoluta. Quanto mais o homem se diviniza mais se realiza. O
homem mais intensamente realizado que o mundo viu foi Jesus o Cristo,
o "filho do homem", isto é, o homem por excelência, e, por isto
mesmo, o "filho de Deus", a tal ponto divinizado que podia dizer:
"Eu e o Pai somos um".
O supremo destino do homem, aqui ou
alhures, é , a sua auto realização, que é idêntica à sua cristificação ou teo realização,
uma vez que a íntima essência do homem é Deus.
Se o homem se realizar a si mesmo,
todas as coisas fora dele também serão realizadas, por intermédio dele. O homem
é o grande sacerdote e profeta da natureza. O homem auto realizado, ou
espiritual, tem sobre a natureza um domínio muito maior do que o maior cientista
ou o mais hábil técnico.
Através do seu sujeito, devidamente
realizado, realiza o homem os objetos muito melhor do que através dos objetos.
O modesto óbulo da viúva era um
grande passo no caminho da sua auto realização, ao passo que as pingues ofertas
dos outros eram apenas alo-realizações. Ela realizou obra eterna, no plano
vertical do seu sujeito - eles tentaram realizar obras efêmeras no plano
horizontal dos objetos ao redor deles.
Por isto, ela fez mais que todos os
outros.
Ela era iniciada na grande filosofia
cósmica - eles eram apenas estudantes primários da pequena filosofia telúrica.
O muito que os outros davam era
pouco - o pouco que ela deu era muito.
Os outros jogavam no mealheiro
ruidosas quantidades de zeros, gordos, ocos, vazios - ela deitou um silencioso
e imponderável "1" de qualidade - e este modesto "1" deu
valor positivo aos arrogantes "000 000" negativos dos outros.
Os outros deram do que lhes sobrava
- ela deu o que lhe fazia falta.
Outros deram por ostentação - ela
deu com amor e humildade.
Para dar do supérfluo não se requer
qualidade, basta quantidade - para dar o necessário exige-se grande qualidade.
Outros deram do seu - ela deu o
próprio Eu ...
E o Mestre, que nada tinha de seu,
mas era um grande Eu, ficou encantado com o Eu da viúva, que deu o pouco que
era seu - e essa migalha do seu assumiu infinito valor em virtude do Eu que a
deu ...
Todo o valor dos nossos atos depende
de nossa atitude. Nenhum ato tem valor em si mesmo.
Huberto
Rohden
in “Filosofia Cósmica do Evangelho”
(Edição da Fundação
Alvorada - 1976)
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