quarta-feira, 11 de abril de 2012

25 - 'Doutrina e Prática do Espiritismo'




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            Dissemos no capitulo anterior que o papel atribuído ao perispírito, no ponto de vista fisiológico, nos não parece positiva e satisfatoriamente definido, não obstante as tentativas com esse objeto empreendidas por ilustres expositores da nossa doutrina, entre os quais Gabriel Delanne ocupa lugar preeminente.

            Ocupando-se, com efeito, do "funcionamento orgânico", nessa obra erudita e copiosamente documentada que é A EVOLUÇÃO ANIMICA, assim se exprime ele (1) :

            (1) Cap. I  págs. 29 e 30.

            "O corpo de um animal superior é um organismo complexo, formado por um agregado de células diversamente reunidas, no qual as condições de vida de cada elemento são respeitadas e o funcionamento de cada um é subordinado ao conjunto, isto é, possui independência individual, mas deve obediência à vida total.
                "Cada órgão tem sua vida própria, sua autonomia; pode se desenvolver e reproduzir independentemente dos outros tecidos. É autônomo, pois que não reclama nem aos tecidos vizinhos nem ao conjunto as condições essenciais de sua vida, as quais possui em si, devido a sua natureza protoplasmática . Por outro lado, está ligado ao conjunto por sua função, ou pelo produto de sua função. "

            E, depois de estabelecer, por uma desenvolvida exemplificação, a analogia entre a vida orgânica e a dos habitantes de uma cidade, cada um com sua ocupação e sua atividade próprias, e todos concorrendo para um fim comum, acrescenta o eminente propagandista, em relação ao organismo:

            "Essas funções tão diversas, que se harmonizam para concorrer à vida total, são necessariamente dirigidas por uma força consciente do fim a preencher (2). Não é o acaso que preside a essa coordenação, a essa multiplicidade sapiente, porque os mesmos órgãos, as glândulas por exemplo, ainda que constitutivamente semelhantes entre si na sua totalidade, fornecem todavia secreções variadas, conforme o lugar que ocupam no organismo.

            (2) O grifo é nosso, e adiante se verá porque o fazemos.

            "Existe, portanto, uma hierarquia nesses aparelhos, uma ordem preestabelecida, que se mantém rigorosamente durante toda a vida. Ora, esse regime vital não está impresso na matéria instável, oscilante, incessantemente renovada; reside nessa parte fixa, invariável, que se chama duplo fluídico. Esse perispírito, cuja existência nos foi demonstrada pela experiência, é indispensável para conservar a estabilidade do ser vivo. No meio da extrema complexidade das ações vitais, nessa perpétua efervescência que resulta da ininterrupta corrente das decomposições e recomposições químicas composições químicas, cuja atividade jamais se detém, no emaranhado dos nervos, dos músculos, das glândulas - circulam, se cruzam, se misturam, penetram líquidos e gases, numa aparente desordem, ela qual sairá, entretanto. a mais admirável regularidade.
                "As grandes operações da digestão, da respiração, das secreções, as ações tão variadas dos sistemas nervoso, motor, sensitivo ou ganglionar, não serão alteradas. Cooperando ininterruptamente na manutenção do meio orgânico, elas lhe fornecem incessantemente os materiais da síntese assimiladora, e todas essas ações tão multiplicadas, tão diversas e, todavia, tão constantes se realizam apesar da ininterrupta renovação de todas as moléculas que formam esses diferentes órgãos.
                "A matéria nova, trazida pelos alimentos, parece em verdade testemunhar uma inteligência perfeita, relativamente ao fim a preencher; mas, quando consideramos que todas essas moléculas são passivas, destituídas de toda espontaneidade, somos conduzidos necessariamente a perguntar que força é que dirige esses inumeráveis produtos químicos e utiliza suas propriedades particulares, para produzir a grandiosa harmonia da obra vital."

            Sem regatearmos, por nossa parte, os aplausos que merece a tentativa do nosso ilustre correligionário, no sentido de determinar, à luz dos novos princípios, a natureza e a origem da ação recôndita a que obedecem os diferentes movimentos da vida vegetativa do individuo, estamos todavia longe de a atribuir privativamente ao perispírito, uma vez que, ele próprio o assinala, essa direção atesta uma força consciente do fim a preencher".

            Seria preciso, em tal caso, reconhecer naquele revestimento fluídico, mais que aptidões, instintivamente automáticas fixadas e desenvolvidas a poder de incessantes repetições através a imensa escala evolutiva, como em sua demonstração o admite o eminente autor, uma capacidade organizadora e diretora muito mais sábia, minuciosa e previdente que a do próprio espírito, à revelia de cuja vontade e consciência se operam as funções orgânicas.

            Teríamos assim - é o caso de indagar - sotoposta à inteligência do homem uma outra inteIigência encarregada de presidir e, mesmo, pôr em prática, todo o complexo mecanismo vital? Haveria então um duplo ser intelectual coexistindo na personalidade humana, cada um com o seu círculo determinado de aptidões e de funções independentes? Ou, como o admitem outros, aquela ação diretora ,e coordenadora pertence ao domínio do subconsciente (1), isto é, à parte profunda e ignorada da consciência humana, em que jaz acumulado o imenso tesouro de conhecimentos e capacidades, adquiridos uns, exercitadas outras na sucessão dos ciclos de milenária evolução percorridos pelo ego espiritual, desde os seus remotos ensaios de individualização até à nossa espécie?

            (1) "O ser subconsciente desempenha não somente o papel diretor e centralizador da personalidade atual, mas também uma função capital na origem, desenvolvimento e conservação dessa personalidade.
                "Fornece-lhe indubitavelmente suas faculdades inatas, suas predisposições intelectuais ou artísticas e se esforça por adapta-las  o melhor possível ao funcionamento orgânico.
                "É' possível também, mesmo provável, que desempenhe um papel no desenvolvimento do organismo, pois que – sabemo-lo possui uma faculdade organizadora da matéria.
                "Mantém, finalmente a permanência geral da personalidade, em meio da perpetua renovação molecular durante a vida." (Doutor Gustave Geley, L'ÊTRE SUBCONSCIENT, cap. IV, pag. 101.)

              Esta última hipótese tem, pelo menos, sobre a teoria do perispírito como agente e coordenador das funções vitais a vantagem, que a torna preferencialmente admissível, de atribuir à inteligência operações que só da inteligência podem ser produto. Uma e outra, contudo, ainda ficam distanciadas da plenitude de esclarecimentos reclamados por uma detida meditação do magno problema.

            Sem dúvida o perispírito não é de todo estranho ao funcionamento orgânico, pois que, ao contrario, instrumente do espírito em todas as suas relações com a matéria e, particularmente, com o corpo físico (associado, como ficou estabelecido. ao duplo etéreo deste) , a ele se deve referir - já o dissemos - a conservação desse mesmo corpo em suas linhas estruturais, como em sua hierarquia de órgãos e harmonia de funções. Tanto quanto, porém, podemos conjecturar, no estado atual de nossos conhecimentos, acerca das propriedades de tal revestimento etéreo, a sua ação no organismo é puramente mecânica, nenhum dado positivo autorizando a supô-la consciente ou volitiva. Outra deve ser, portanto, a sede da vontade ou, mais propriamente, da intenção com que na economia orgânica são efetuadas todas as operações tendentes à reparação local ou geral dos tecidos, como ao funcionamento harmônico do todo.

            Residirá no subconsciente, como o pretende o doutor Gustave Geley? - É essa uma hipótese - acabamos de o dizer - mais razoavelmente admissível, posto que ainda não inteiramente satisfatória.

            Se, com efeito, considerarmos que todo o complexo mecanismo vital, não somente no homem, senão em todos os vertebrados superiores e mesmo abaixo, por toda a escala zoológica, se assinala pela indicada regularidade e na harmonia, atestando o mais sapiente poder de síntese de organização, havemos de reconhecer, ou que essa recôndita capacidade que todos os seres, mesmo os mais inferiores, possuiriam em si mesmos (também no subconsciente?), neles revela uma ciência da vida e da utilização pessoal dos seus processos, que transcende a sabedoria do mais sábio dentre os homens (1), o que seria absurdo, por contraditório da própria lei de evolução, ou que essa capacidade, sem embargo de se exercitar no indivíduo, cooperando acaso com aptidões latentes, nele apenas pressentidas, lhe é exterior.

            (1) Nenhum ainda conseguiu, de fato, nas experiências de laboratório, produzir um ser vivo, mesmo o mais rudimentar.

            Recuamos assim, da consideração da vida nos particularizados aspectos sob que se nos apresenta em qualquer dos seres organizados, para a remota cogitação da sua origem, o que vale dizer: dos efeitos imediatamente apreciáveis remontamos à Causa a que se prendem. Lograremos mais completa explicação dos seus fenômenos e o que nos é indicado como função do perispírito ou do subconsciente será mais claramente determinado, assim no conjunto como em cada uma de suas partes, mediante a ponderação desse fator?

            Nem tanto é licito pretendermos. Deslocando, porém, a nossa indagação do terreno propriamente científico, tão semeado ainda de obscuridades - força é confessar - para o domínio metafísico ou, se o preferirem, do incognoscível, em que, para os não iniciados, mais se adensam as caligens[1] da incerteza, e sugerindo as dúvidas que ai ficam sobre as propriedades fisio-biológicas do perispírito e o papel simultaneamente atribuído ao subconsciente nas funções vitais, não temos em vista arquitetar, em substituição, uma fórmula integral para a solução desse problema, senão fazer obra de sinceridade, preferindo confessar a nossa incapacidade para Ir tão longe, dada a penúria dos nossos meios de investigação, a adotar prematuras conclusões e reconhecer como verdade adquirida o que só a titulo de hipótese e como ponto de partida para mais amplo descortino pode ser transitoriamente admitido.

            O que, não unicamente, a razão, baseada no conhecimento superficial das coisas, mas a contemplação interior, volvida para os grandes problemas espirituais, nos diz singelamente é que a Vida, ou seja  com Bergson entendida como "o fluxo de uma fonte sobrenatural e inexaurível através o universo material", ou vagamente definida como "uma das formas do dinamismo universal" segundo ouvimos de um laureado cientista (1), ou ainda "uma vibração divina, porque tudo no universo é vibração" (Ed. Grimard) , é sempre inextricável no mecanismo de seus íntimos processos, quer a consideremos no mais rudimentar como no mais complexo dos seres, assim a contemplemos no desabrochar das flores como na gravitação dos astros.

            (1) Dr. Oscar de Souza, Conferência no salão da Biblioteca Nacional, 1916._

            O mais que pode fazer o pensador é auscultar-lhe os ritmos e acompanhar as fases, em caso algum podendo, sem risco de extravio, isolar as manifestações de uma só das pequeninas vidas, isto é, de qualquer ser que considere, o homem inclusive, da grande Vida a que todos se vinculam.

            O nosso ponto de vista, portanto, vem a ser que a Inteligência, de que, com o desenvolvimento que reclama,  nos ocuparemos em capítulo adiante e a cujo poder criador se deve o aparecimento de todas as formas, como de todos os seres que as animam, em nosso minúsculo planeta e em todos os insondáveis planos do universo, é que organiza por toda parte a vida, e a transforma, particulariza e multiplica, mediante leis impecáveis e harmônicas, que são a expressão da sua própria vontade e pensamento. É uma espécie de sugestão universal a que obedece toda a criação, do mais ínfimo ao mais elevado dos seres e que se traduz numa simples palavra: evoluir.

            Opera diretamente essa Inteligência na ordem material e física, ou, como é lógico supor de preferência, lhe servem de intermediárias as inteligências que, em todos os graus da evolução, lhe demoram abaixo, desce as mais elevadas até as que, por sua condição de inferioridade se aproximam da matéria? E, no caso das funções vitais e orgânicas do homem - para regressarmos à tese que nos preocupa - é ela que representa, assim descandentemente: transmitida, aquela força consciente do fim a preencher, força vigilante e sábia, que tudo regula, dirige, modifica e apropria aos planos providenciais a que obedece a vida? É indubitável, pois que - já o dissemos - qualquer das pequeninas vidas que consideremos é um elo inseparável dessa grande Vida.

            Como se lhes transmitem, porém, os movimentos desta? Que papel desempenha nessa transmissão, ou até que ponto lhe percebe, mesmo subconscientemente, os dinamismos o espírito do homem e como, a seu influxo, opera o perispírito, laço que é entre aquele e o corpo físico? - Prematuras questões, em cuja indagação, por desamparados de meios analíticos, seria temerário aventurar-nos.

            Nem o que a esse respeito se encontra exposto na doutrina teosófica (1), singularmente pormenorizado - e talvez por isso mesmo - nos parece inteiramente satisfatório, por enquanto ao menos.

            Resignemo-nos, portanto, a permanecer modestamente no domínio da generalidade sob que nos é possível encarar a função meramente intermédia e auxiliar do perispírito na economia orgânica, e, para rematar estas considerações sobre a ação conjugada dos elementos que compõem a personalidade humana, vejamos se com melhor fortuna poderemos determinar a influência que sobre a duração da vida exerce, como fator preponderante, o fluido vital.

            (1) Vide Annie Besant, CONSTITUCIÓN SEPTENÁRIA DEL HOMBRE, com frequentes citações da DOUTRINA SECRETA, de H. P. Blavatsky, e Dr. Th. Pascal, ESSAI SUR L’ÉVOLUTION HUMAINE, cap. III.



[1] Nevoeiro denso, trevas... do Blog.

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