25 *
* *
Dissemos no capitulo anterior que o
papel atribuído ao perispírito, no ponto de vista fisiológico, nos não parece
positiva e satisfatoriamente definido, não obstante as tentativas com esse
objeto empreendidas por ilustres expositores da nossa doutrina, entre os quais
Gabriel Delanne ocupa lugar preeminente.
Ocupando-se, com efeito, do
"funcionamento orgânico", nessa obra erudita e copiosamente
documentada que é A EVOLUÇÃO ANIMICA, assim se exprime ele (1) :
(1) Cap. I págs. 29 e 30.
"O corpo de um animal superior é um
organismo complexo, formado por um agregado de células diversamente reunidas,
no qual as condições de vida de cada elemento são respeitadas e o funcionamento
de cada um é subordinado ao conjunto, isto é, possui independência individual,
mas deve obediência à vida total.
"Cada órgão tem sua vida própria,
sua autonomia; pode se desenvolver e reproduzir independentemente dos outros
tecidos. É autônomo, pois que não reclama nem aos tecidos vizinhos nem ao
conjunto as condições essenciais de sua vida, as quais possui em si, devido a
sua natureza protoplasmática . Por outro lado, está ligado ao conjunto por sua
função, ou pelo produto de sua função. "
E, depois de estabelecer, por uma desenvolvida
exemplificação, a analogia entre a vida orgânica e a dos habitantes de uma
cidade, cada um com sua ocupação e sua atividade próprias, e todos concorrendo
para um fim comum, acrescenta o eminente propagandista, em relação ao
organismo:
"Essas funções tão diversas, que se
harmonizam para concorrer à vida total, são necessariamente dirigidas por uma
força consciente do fim a preencher (2). Não é o acaso que preside a
essa coordenação, a essa multiplicidade sapiente, porque os mesmos órgãos, as glândulas
por exemplo, ainda que constitutivamente semelhantes entre si na sua
totalidade, fornecem todavia secreções variadas, conforme o lugar que ocupam no
organismo.
(2) O grifo é nosso, e adiante se verá
porque o fazemos.
"Existe, portanto, uma hierarquia nesses
aparelhos, uma ordem preestabelecida, que se mantém rigorosamente durante toda
a vida. Ora, esse regime vital não está impresso na matéria instável, oscilante,
incessantemente renovada; reside nessa parte fixa, invariável, que se chama duplo
fluídico. Esse perispírito, cuja existência nos foi demonstrada pela experiência,
é indispensável para conservar a estabilidade do ser vivo. No meio da extrema
complexidade das ações vitais, nessa perpétua efervescência que resulta da ininterrupta
corrente das decomposições e recomposições químicas composições químicas, cuja
atividade jamais se detém, no emaranhado dos nervos, dos músculos, das glândulas
- circulam, se cruzam, se misturam, penetram líquidos e gases, numa aparente
desordem, ela qual sairá, entretanto. a mais admirável regularidade.
"As grandes operações da
digestão, da respiração, das secreções, as ações tão variadas dos sistemas
nervoso, motor, sensitivo ou ganglionar, não serão alteradas. Cooperando ininterruptamente
na manutenção do meio orgânico, elas lhe fornecem incessantemente os materiais
da síntese assimiladora, e todas essas ações tão multiplicadas, tão diversas e,
todavia, tão constantes se realizam apesar da ininterrupta renovação de todas
as moléculas que formam esses diferentes órgãos.
"A matéria nova, trazida
pelos alimentos, parece em verdade testemunhar uma inteligência perfeita,
relativamente ao fim a preencher; mas, quando consideramos que todas essas moléculas
são passivas, destituídas de toda espontaneidade, somos conduzidos
necessariamente a perguntar que força é que dirige esses inumeráveis produtos químicos
e utiliza suas propriedades particulares, para produzir a grandiosa harmonia da
obra vital."
Sem regatearmos, por nossa parte, os
aplausos que merece a tentativa do nosso ilustre correligionário, no sentido de
determinar, à luz dos novos princípios, a natureza e a origem da ação recôndita
a que obedecem os diferentes movimentos da vida vegetativa do individuo,
estamos todavia longe de a atribuir privativamente ao perispírito, uma vez que,
ele próprio o assinala, essa direção atesta uma força consciente do fim a
preencher".
Seria preciso, em tal caso,
reconhecer naquele revestimento fluídico, mais que aptidões, instintivamente
automáticas fixadas e desenvolvidas a poder de incessantes repetições através a
imensa escala evolutiva, como em sua demonstração o admite o eminente autor,
uma capacidade organizadora e diretora muito mais sábia, minuciosa e previdente
que a do próprio espírito, à revelia de cuja vontade e consciência se operam as
funções orgânicas.
Teríamos assim - é o caso de indagar
- sotoposta à inteligência do homem uma outra inteIigência encarregada de
presidir e, mesmo, pôr em prática, todo o complexo mecanismo vital? Haveria então
um duplo ser intelectual coexistindo na personalidade humana, cada um com o seu
círculo determinado de aptidões e de funções independentes? Ou, como o admitem
outros, aquela ação diretora ,e coordenadora pertence ao domínio do
subconsciente (1), isto é, à parte profunda e ignorada da consciência humana,
em que jaz acumulado o imenso tesouro de conhecimentos e capacidades,
adquiridos uns, exercitadas outras na sucessão dos ciclos de milenária evolução
percorridos pelo ego espiritual, desde os seus remotos ensaios de individualização
até à nossa espécie?
(1) "O ser subconsciente desempenha
não somente o papel diretor e centralizador da personalidade atual, mas também
uma função capital na origem, desenvolvimento e conservação dessa
personalidade.
"Fornece-lhe indubitavelmente
suas faculdades inatas, suas predisposições intelectuais ou artísticas e se
esforça por adapta-las o melhor possível
ao funcionamento orgânico.
"É' possível também, mesmo
provável, que desempenhe um papel no desenvolvimento do organismo, pois que –
sabemo-lo possui uma faculdade organizadora da matéria.
"Mantém, finalmente a
permanência geral da personalidade, em meio da perpetua renovação molecular
durante a vida." (Doutor Gustave Geley, L'ÊTRE SUBCONSCIENT, cap. IV, pag.
101.)
Esta última hipótese tem, pelo
menos, sobre a teoria do perispírito como agente e coordenador das funções vitais
a vantagem, que a torna preferencialmente admissível, de atribuir à inteligência
operações que só da inteligência podem ser produto. Uma e outra, contudo, ainda
ficam distanciadas da plenitude de esclarecimentos reclamados por uma detida
meditação do magno problema.
Sem dúvida o perispírito não é de
todo estranho ao funcionamento orgânico, pois que, ao contrario, instrumente do
espírito em todas as suas relações com a matéria e, particularmente, com o
corpo físico (associado, como ficou estabelecido. ao duplo etéreo deste) , a
ele se deve referir - já o dissemos - a conservação desse mesmo corpo em suas linhas
estruturais, como em sua hierarquia de órgãos e harmonia de funções. Tanto
quanto, porém, podemos conjecturar, no estado atual de nossos conhecimentos,
acerca das propriedades de tal revestimento etéreo, a sua ação no organismo é
puramente mecânica, nenhum dado positivo autorizando a supô-la consciente ou
volitiva. Outra deve ser, portanto, a sede da vontade ou, mais propriamente, da
intenção com que na economia orgânica são efetuadas todas as operações
tendentes à reparação local ou geral dos tecidos, como ao funcionamento harmônico
do todo.
Residirá no subconsciente, como o
pretende o doutor Gustave Geley? - É essa uma hipótese - acabamos de o dizer -
mais razoavelmente admissível, posto que ainda não inteiramente satisfatória.
Se, com efeito, considerarmos que
todo o complexo mecanismo vital, não somente no homem, senão em todos os
vertebrados superiores e mesmo abaixo, por toda a escala zoológica, se assinala
pela indicada regularidade e na harmonia, atestando o mais sapiente poder de síntese
de organização, havemos de reconhecer, ou que essa recôndita capacidade que
todos os seres, mesmo os mais inferiores, possuiriam em si mesmos (também no
subconsciente?), neles revela uma ciência da vida e da utilização pessoal dos
seus processos, que transcende a sabedoria do mais sábio dentre os homens (1),
o que seria absurdo, por contraditório da própria lei de evolução, ou que essa
capacidade, sem embargo de se exercitar no indivíduo, cooperando
acaso com aptidões latentes, nele apenas pressentidas, lhe é exterior.
(1) Nenhum ainda conseguiu, de fato, nas
experiências de laboratório, produzir um ser vivo, mesmo o mais rudimentar.
Recuamos assim, da consideração da
vida nos particularizados aspectos sob que se nos apresenta em qualquer dos
seres organizados, para a remota cogitação da sua origem, o que vale dizer: dos
efeitos imediatamente apreciáveis remontamos à Causa a que se prendem.
Lograremos mais completa explicação dos seus fenômenos e o que nos é indicado
como função do perispírito ou do subconsciente será mais claramente
determinado, assim no conjunto como em cada uma de suas partes, mediante a
ponderação desse fator?
Nem tanto é licito pretendermos.
Deslocando, porém, a nossa indagação do terreno propriamente científico,
tão semeado ainda de obscuridades - força é confessar - para o domínio metafísico
ou, se o preferirem, do incognoscível, em que, para os não iniciados, mais se
adensam as caligens[1] da
incerteza, e sugerindo
as dúvidas que ai ficam sobre as propriedades fisio-biológicas do perispírito e
o papel simultaneamente atribuído ao subconsciente nas funções vitais, não
temos em vista arquitetar, em substituição, uma fórmula integral para a solução
desse problema, senão fazer obra de sinceridade, preferindo confessar a nossa
incapacidade para Ir tão longe, dada a penúria dos nossos meios de
investigação, a adotar prematuras conclusões e reconhecer como verdade adquirida
o que só a titulo de hipótese e como ponto de partida para mais amplo descortino
pode ser transitoriamente admitido.
O que, não unicamente, a razão,
baseada no conhecimento superficial das coisas, mas a contemplação interior, volvida
para os grandes problemas espirituais, nos diz singelamente é que a Vida, ou
seja com Bergson entendida como "o
fluxo de uma fonte sobrenatural e inexaurível através o universo
material", ou vagamente definida como "uma das formas do dinamismo
universal" segundo ouvimos de um laureado cientista (1), ou ainda
"uma vibração divina, porque tudo no universo é vibração" (Ed. Grimard)
, é sempre inextricável no mecanismo de seus íntimos processos, quer a
consideremos no mais rudimentar como no mais complexo dos seres, assim a
contemplemos no desabrochar das flores como na gravitação dos astros.
(1) Dr. Oscar de Souza, Conferência no
salão da Biblioteca Nacional, 1916._
O mais que pode fazer o pensador é
auscultar-lhe os ritmos e acompanhar as fases, em caso algum podendo, sem risco
de extravio, isolar as manifestações de uma só das pequeninas vidas, isto é, de
qualquer ser que considere, o homem inclusive, da grande Vida a que todos se vinculam.
O nosso ponto de vista, portanto,
vem a ser que a Inteligência, de que, com o desenvolvimento que reclama, nos ocuparemos em capítulo adiante e a cujo
poder criador se deve o aparecimento de todas as formas, como de todos os seres
que as animam, em nosso minúsculo planeta e em todos os insondáveis planos do
universo, é que organiza por toda parte a vida, e a transforma, particulariza e
multiplica, mediante leis impecáveis e harmônicas, que são a expressão da sua
própria vontade e pensamento. É uma espécie de sugestão universal a que obedece
toda a criação, do mais ínfimo ao mais elevado dos seres e que se traduz numa
simples palavra: evoluir.
Opera diretamente essa Inteligência
na ordem material e física, ou, como é lógico supor de preferência, lhe servem
de intermediárias as inteligências que, em todos os graus da evolução, lhe
demoram abaixo, desce as mais elevadas até as que, por sua condição de inferioridade
se aproximam da matéria? E, no caso das funções vitais e orgânicas do homem -
para regressarmos à tese que nos preocupa - é ela que representa, assim descandentemente:
transmitida, aquela força consciente do fim a preencher, força vigilante e sábia,
que tudo regula, dirige, modifica e apropria aos planos providenciais a que obedece
a vida? É indubitável, pois que - já o dissemos - qualquer das pequeninas vidas
que consideremos é um elo inseparável dessa grande Vida.
Como se lhes transmitem, porém, os
movimentos desta? Que papel desempenha nessa transmissão, ou até que ponto lhe
percebe, mesmo subconscientemente, os dinamismos o espírito do homem e como, a
seu influxo, opera o perispírito, laço que é entre aquele e o corpo físico? -
Prematuras questões, em cuja indagação, por desamparados de meios analíticos,
seria temerário aventurar-nos.
Nem o que a esse respeito se encontra
exposto na doutrina teosófica (1), singularmente pormenorizado - e talvez por
isso mesmo - nos parece inteiramente satisfatório, por enquanto ao menos.
Resignemo-nos, portanto, a
permanecer modestamente no domínio da generalidade sob que nos é possível encarar
a função meramente intermédia e auxiliar do perispírito na economia orgânica, e,
para rematar estas considerações sobre a ação conjugada dos elementos que compõem
a personalidade humana, vejamos se com melhor fortuna poderemos determinar a
influência que sobre a duração da vida exerce, como fator preponderante, o fluido
vital.
(1) Vide Annie Besant, CONSTITUCIÓN
SEPTENÁRIA DEL HOMBRE, com frequentes citações da DOUTRINA SECRETA, de H. P.
Blavatsky, e Dr. Th. Pascal, ESSAI SUR L’ÉVOLUTION HUMAINE, cap. III.
Nenhum comentário:
Postar um comentário