segunda-feira, 12 de março de 2012

Joanna de Ângelis



Joana de Ângelis

8,1  Depois disso, Jesus andava pelas cidades e aldeias anunciando a boa nova do reino de Deus.
8,2  Os doze estavam com Ele, como também algumas mulheres que tinham sido livradas de espíritos inferiores e curadas de enfermidades: Maria, chamada Madalena, da qual tinham sido afastadas sete entidades,
8,3  Joana, mulher de Cusa, procurador de Herodes; Suzana e muitas outras, que o assistiam com as suas posses.


         Para Lc (8,1-3) - Joanna de Ângelis - reproduzimos  trechos extraídos de “Boa Nova”, de Humberto de Campos por Chico Xavier e de  “A Veneranda Joanna de Ângelis”  por Divaldo Franco e Celeste Santos:

Joana de Cusa...

            Entre a multidão que invariavelmente acompanhava a  Jesus nas pregações do lago, achava-se sempre uma mulher de rara dedicação e nobre caráter, das mais altamente colocadas na sociedade de Cafarnaum. Tratava-se de  Joana, consorte de Cusa, intendente de Ântipas, na cidade onde se conjugavam interesses vitais de comerciantes e de pescadores.

            Joana possuía verdadeira fé; contudo não conseguiu forrar-se às amarguras domésticas, porque seus companheiro de lutas não aceitava as claridades do Evangelho. Considerando seus dissabores íntimos, a nobre dama procurou o Messias, numa ocasião  em que Ele descansava em casa de Simão, e lhe expôs a longa série de suas contrariedades e padecimentos. Alto funcionário de Herodes, em perene contato com os representantes do Império, repartia as preferências religiosas, ora com os interesses da comunidades judaica, ora com os deuses romanos, o que lhe permitia viver em tranquilidade fácil e rendosa. Joana confessou ao Mestre os seus temores, suas lutas e desgostos no ambiente doméstico, expondo suas amarguras em face das divergências religiosas existentes entre ela e o companheiro.

            Após ouvir-lhe a longa exposição, Jesus lhe ponderou:

            -Joana, só há um Deus, que é o nosso Pai, e só  existe uma fé para as nossas relações com o seu amor. Certas manifestações religiosas, no mundo, muitas vezes não passam de vícios populares nos hábitos exteriores. Todos os templos da terra são de pedra; eu venho, em nome de Deus, abrir o templo de fé viva no coração dos homens. Entre o sincero discípulo do Evangelho e os erros milenários do mundo, começa a travar-se o combate sem sangue da redenção espiritual. Agradece ao Pai o haver-te julgado digna de um bom trabalho, desde agora. Teu esposo não te compreende a alma sensível? Compreender-te-á um dia. É leviano e indiferente?  Ama-o, mesmo assim. Não te acharias ligada a ele se não houvesse para isso razão justa. Servindo-o com amorosa dedicação, estarás cumprindo a vontade de Deus. Falas-me de teus receios e de tuas dúvidas. Deves, pelo Evangelho, amá-lo ainda mais. Os sãos não precisam de médico. Além disso, não poderemos colher uvas nos abrolhos, mas podemos amanhar o solo que produziu cardos envenenados, a fim de cultivarmos nele mesmo a videira maravilhosa do amor e da vida.

            Joana deixava entrever no brilho suave dos olhos a íntima satisfação que aqueles esclarecimentos lhe causavam; mas, patenteando todo o seu estado d’alma, interrogou:       
 
            -Mestre, vossa palavra me alivia  o espírito atormentado; entretanto, sinto dificuldade extrema para um entendimento recíproco no ambiente do meu lar. Não julgais acertado que lute para impor os vossos princípios? Agindo assim, não estarei reformando o meu esposo para o céu e para o vosso reino?

            O Cristo sorriu serenamente e retrucou:

            -Quem sentirá mais dificuldade em estender as mãos fraternas, será o que atingiu as margens seguras do conhecimento com o Pai, ou aquele que ainda se debate entre as ondas da ignorância ou da desolação, da inconstância ou da indolência do espírito? Quanto à imposição das idéias - continuou Jesus, acentuando a importância de suas palavras - por que motivo Deus não impõe a sua verdade e o seu amor aos tiranos da Terra? Por que não fulmina com um raio o conquistador desalmado que espalha a miséria e a destruição, com as forças sinistras da guerra? A sabedoria celeste não extermina as paixões: transforma-as. Aquele que semeou o mundo de cadáveres desperta, às vezes, para Deus, apenas com uma lágrima. O Pai não impõe a reforma a seus filhos: esclarece-os no momento oportuno. Joana, o apostolado do Evangelho é o de colaboração com o céu, nos grandes princípios da redenção. Sê fiel a Deus, amando o teu companheiro do mundo, como se fora teu filho. Não percas tempo em discutir o que não seja razoável. Deus não trava contendas com as suas criaturas e trabalha em silêncio, por toda a Criação. Vai!... Esforça-te também no silêncio e , quando convocada ao esclarecimento, fala o verbo doce ou enérgico da salvação, segundo as circunstâncias! Volta ao lar e ama o teu companheiro como o material divino que o céu colocou em tuas mãos para que talhes uma obra de vida, sabedoria e amor!...

            Joana de Cusa experimentava um brando alívio no coração. Enviando a  Jesus um olhar de carinhoso agradecimento, ainda lhe ouviu as últimas palavras:

            -Vai, filha!...  Sê fiel!

            Desde esse dia, memorável para a sua existência, a mulher de Cusa experimentou na alma a claridade constante de uma resignação sempre pronta ao bom trabalho e sempre ativa para a compreensão de Deus. Como se o ensinamento do Mestre estivesse agora gravado indelevelmente em sua alma, considerou que, antes de ser esposa na Terra, já era filha daquele Pai que, do céu, lhe conhecia a generosidade e os sacrifícios. Seu espírito divisou em todos os labores uma luz sagrada e oculta. Procurou esquecer todas as características inferiores do companheiro, para observar somente o que possuía ele de bom, desenvolvendo, nas menores oportunidades, o embrião vacilante de suas virtudes eternas. Mais tarde, o céu lhe enviou um filhinho, que veio duplicar os seus trabalhos; ela, porém, sem olvidar as recomendações de fidelidade que Jesus lhe havia feito, transformava suas dores num  hino de triunfo silencioso em cada dia.

            Os anos passaram e o esforço perseverante lhe multiplicou os bens da fé, na marcha laboriosa do conhecimento e da vida. As perseguições políticas desabaram sobre a existência do seu companheiro. Joana, contudo, se mantinha firme. Torturado pelas ideias odiosas da vingança, pela dívidas insolváveis, pelas vaidades feridas, pelas moléstias que lhe verminaram o corpo, o ex -intendente de Ântipas voltou ao plano espiritual, numa noite de sombras tempestuosas. Sua esposa, todavia, suportou os dissabores mais amargos, fiel aos seus ideais divinos edificados na confiança sincera. Premida pelas necessidades mais duras, a nobre dama de Cafarnaum procurou trabalho para se manter com o filhinho que Deus lhe confiara. Algumas amigas lhe chamaram a atenção, tomadas de respeito humano.  Joana, no entanto, buscou esclarecê-las, alegando que Jesus igualmente havia trabalhado, calejando as mãos nos serrotes de modesta carpintaria e que, submetendo-se ela a uma situação de subalternidade no mundo, se dedicara primeiramente ao Cristo, de quem se havia feito escrava devotada.

            Cheia de alegria sincera, a viúva de Cusa esqueceu o conforto da nobreza material, dedicou-se aos filhos de outras mães, ocupou-se com os mais subalternos afazeres domésticos, para que seu filhinho tivesse pão. Mais tarde, quando a neve das experiências do mundo lhe alvejou os primeiros anéis da fronte, uma galera romana a conduzia em seu bojo, na qualidade de serva humilde...

            No ano 68, quando as perseguições ao Cristianismo iam intensas, vamos encontrar, num dos espetáculos sucessivos do circo, uma velha discípula do Senhor amarrada ao poste do
martírio, ao lado de um homem novo, que era seu filho.

            Ante o vozerio do povo, foram ordenadas as primeiras flagelações.

            Abjura!..  exclama  um executor das ordens imperiais, de olhar cruel e sombrio.

            A antiga discípula do Senhor contempla o céu, sem uma palavra de negação ou de queixa. Então o açoite vibra sobre o rapaz seminu, que exclama, entre lágrimas: -“Repudia a Jesus, minha mãe!...Não vês que nos perdemos?! Abjura!... por mim, que sou teu filho!...”

            Pela  primeira vez, dos olhos da mártir corre a fonte abundante das lágrimas. As rogativas do filho são espadas de angústia que lhe retalham o coração.

            - Abjura!... Abjura!

            Joana ouve aqueles gritos, recordando a existência inteira. O lar risonho e festivo, as horas de ventura, os desgostos domésticos, as emoções maternais, os fracassos do esposo, sua desesperação e sua morte, a viuvez, a desolação e as necessidades mais duras... Em seguida, ante os apelos desesperados do filhinho, recordou que Maria também fora mãe e, vendo o seu Jesus crucificado no madeiro da infâmia, soubera conformar-se com os desígnios divinos. Acima de todas as recordações, como alegria suprema de sua vida, pareceu-lhe ouvir ainda o Mestre, em casa de Pedro, a lhe dizer:

            “-Vai filha! Sê fiel!” Então, possuída de força sobre-humana, a viúva de Cusa, contemplou a primeira vítima ensanguentada e, fixando no jovem um olhar profundo e inexprimível, na sua dor e na sua ternura, exclamou firmemente:

            -Cala-te, meu filho! Jesus era puro e  não desdenhou o sacrifício. Saibamos sofrer na hora dolorosa, porque, acima de todas as felicidades transitórias do mundo, é preciso ser fiel a Deus!

            A esse tempo, com os aplausos delirantes do povo, os verdugos lhe incendiavam, em derredor, achas de lenha embebidas em resina inflamável. Em poucos instantes, as labaredas lamberam-lhe o corpo envelhecido. Joana de Cusa contemplou com serenidade a massa de povo que não lhe entendia o sacrifício. Os gemidos de dor lhe morriam abafados no peito opresso. Os algozes da mártir cercaram-lhe de impropérios a fogueira:

            -O teu Cristo soube apenas ensinar-te a morrer?  -perguntou um dos verdugos.

            A velha discípula, concentrando a sua capacidade de resistência, teve ainda forças para murmurar:

            -Não apenas a morrer, mas também a vos amar!...

            Nesse instante, sentiu que a mão consoladora do Mestre lhe tocava suavemente os ombros, e lhe escutou a voz carinhosa e
inesquecível:

            -Joana, tem bom ânimo!... Eu aqui estou!...”

Juana de Asbaje...
       
         No século XVII ela reaparece no cenário do mundo, para mais uma vida dedicada ao Bem. Renasce na pequenina San Miguel Nepantla, a uns 80 quilômetros cidade do México, com o nome de Juana y Ramirez de Santillana, filha de pai basco e mãe indígena.”

            “...resolveu entrar no Convento das Carmelitas descalças, aos 16 anos de idade. Desacostumada com a rigidez ascética, adoeceu e retornou à corte. Seguindo orientação de seu confessor, foi para a Ordem de São Jerônimo da Conceição, que tem menos obrigações religiosas, podendo dedicar-se às letras e à ciência. Tomou o nome de Sóror Juana Inês de la Cruz.”

            “Em 1695 houve uma epidemia de peste na região. Juana socorreu durante o dia e a noite as suas irmãs religiosas que, juntamente com a maioria da população, estavam enfermas. Foram morrendo, aos poucos, uma  a uma das suas assistidas e quando não restavam mais religiosas, ela, abatida e doente, tombou vencida, aos 44 anos de idade.” 

Soror
 Joana Angélica de Jesus...

         Passados 66 anos do seu regresso à Pátria Espiritual, retornou, agora na cidade de Salvador (BA), em 1761, como Joana Angélica, filha de uma abastada família. Aos 21 anos ingressou no Convento da Lapa, como franciscana, com o nome de Sóror Joana Angélica de Jesus .”

            “Foi irmã, escrivã e vigária, quando, em 1815, tornou-se Abadessa e, no dia 20 de fevereiro de 1822, defendendo corajosamente o convento, a casa de Cristo, assim como a honra das jovens que ali moravam, foi assassinada por soldados que lutavam contra a independência do Brasil.”  

            “...mantenhamos o indestrutível ideal e pensamento do Cristo, no mundo, através da ação do bem sem limites, não importando quanto tempo passe e quanto sacrifício ainda nos seja exigido”

            Em nossa caminhada, passo a passo com Jesus, reencontramos  Joanna de Ângelis em duas lindas mensagens constantes de “O Evangelho Segundo o Espiritismo”. Essas mensagens não nos chegaram assinadas mas sim foram identificadas pela Espiritualidade Superior à virtuosos médiuns da atualidade. A primeira encontra-se em Mt 13,10-17 e a segunda consta do Cap XVIII e é apresentada a seguir:  

A Paciência...

            A dor é uma bênção que Deus envia aos seus eleitos; não vos aflijais, pois, quando sofrerdes, mas bendizei, ao contrário, o Deus Todo Poderoso que vos marcou pela dor nesse mundo para a glória no céu.

            Sedes pacientes; a paciência é também uma caridade e deveis praticar a lei da caridade ensinada pelo Cristo, enviado de Deus.

            A caridade que consiste na esmola dada aos pobres, é a mais fácil das caridades; mas há uma bem mais penosa e, consequentemente, mais meritória: perdoar àqueles que Deus colocou sobre nosso caminho para serem os instrumentos dos nossos sofrimentos e colocar a nossa paciência à prova.

            A vida é difícil, eu o sei; ela se compõe de mil nadas que são picadas de alfinetes que acabam por ferir; mas é preciso considerar os deveres que nos são impostos, as consolações e as compensações que temos por outro lado, e, então, veremos que as bênçãos são mais numerosas que as dores. O fardo parece menos pesado quando se olha do alto, do que quando se curva a fronte para o chão.

            Coragem, amigos, o Cristo é o vosso modelo; Ele sofreu mais que qualquer de vós e não tinha nada a se censurar, enquanto que vós tendes vosso passado e expiar e vos fortalecer para o futuro. Sede, pois, pacientes, sede cristãos, essa palavra encerra tudo.

(Joanna de Ângelis, Havre, 1862)                                                  

                              
                              

                         


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