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De todos os tempos, fenômenos insólitos,
não raro exagerados pela superstição ou desfigurados por um errôneo conceito da
sobrevivência, têm feito o homem acreditar em "almas do outro mundo."
Aparições de denominados defuntos, vozes, ruídos, perturbações de várias
ordens, fazem parte da tradição e da crônica de todos os povos. Sentinelas avançadas
da outra margem desta vida, dir-se-ia que os agentes misteriosos de tais
manifestações tinham precisamente por mister fazer reboar de região em região,
de povo em povo e de século em século, aos ouvidos dos humanos, tão
exclusivamente absorvidos nas frivolidades terrestres, o brado de alerta! que os prevenisse de que nem
tudo acaba neste mundo. A seu turno, os livros sagrados de todos os povos
avocam para as suas revelações uma origem extra-humana e a história religiosa
de todos os tempos se ilustra da aparição de anjos e santos, como também de
"demônios" tentadores.
Relegados, sem exame, para o domínio
do maravilhoso e da superstição, rotulados gratuitamente com o titulo de
alucinações, tais fenômenos, por sua espontaneidade e intermitência, haviam,
até há meio século. escapado às possibilidades de uma sistematizada e metódica
observação. Daquele período para cá, entretanto, como se uma direção
providencial regesse a marcha de todos os sucessos e fizesse cada coisa surgir
em sua hora própria, de um lado aquelas manifestações se multiplicaram simultaneamente
na Europa e na América, com um significativo caráter de generalidade e persistência,
e do outro - porventura secretamente
estimulados pela iniciativa de Allan Kardec, o excelso missionário, de cuja
obra nos ocuparemos na segunda parte - não faltaram observadores independentes
e esclarecidos que, solicitados mesmo pelo ruído causado no ânimo público por
aqueles insólitos fenômenos, se aplicassem, com ponderado critério, a observa-los,
constituindo uma brilhante falange de colaboradores no movimento de renovação
espiritualista que em nossos dias veio promover o Espiritismo.
Fácil nos seria mencionar nomes ilustres
em todos os departamentos do saber que, assim nas três Américas, como nua
principais circunscrições da Europa - Inglaterra, França, Rússia, Itália, Suíça,
Alemanha, Espanha, România, etc. (1) - têm trazido à veracidade da fenomenologia
espírita o seu testemunho imparcial, se nos detivesse uma preocupação de estatística.
Acreditamos, porém, que os fatos falam por si bastante alto, para dispensarem,
a favor de sua possibilidade, a sugestão dos grandes nomes.
(1) Na MEMORIA HISTÓRICA DO ESPIRITISMO, publicada em 1904 pela Federação Espírita Brasileira,
figura como apêndice uma relação, todavia incompleta, de cinquenta e sete
homens notáveis daqueles países que têm estudado o Espiritismo, ou simplesmente
observado os seus fenômenos, não se contando naquele número patrícios nossos de
assinalado renome que o têm feito igualmente, com proveito para si e para a
divulgação da nova doutrina.
Não ignoramos ao mesmo tempo - e disso
oportunamente nos ocuparemos - quão difícil é, com uma perfeita observação, a
rigorosa classificação dos fenômenos, em que, segundo o tem a experiência
demonstrado, se insere frequentemente a atividade subconsciente, posto que involuntária,
dos médiuns. O número, entretanto, dos fatos com um cunho positivo de autenticidade,
que exclui toda hipótese de subconsciência, fraude ou sugestão, é suficientemente
expressivo para que possamos sem temeridade nem exagero assegurar que a prova
da sobrevivência do espírito não está por fazer-se: já está feita.
Esses fatos, relatados nas obras espíritas,
que se contam por dezenas, e divulgados pelas revistas que ao mesmo assumpto se
consagram, publicadas em todos os países a que aludimos, se multiplicam dia a
dia. Contentar-nos-emos por nossa parte com assinalar um reduzido número, próprio,
contudo a documentar com irrefragável precisão a nossa tese.
Começaremos pelo seguinte, de que
nos dá conta o eminente escritor Léon Denis (2):
(2) Ver NO INVISÍVEL –ESPIRITISMO E MEDIUNIDADE,
CAp. XIX, págs. 321, da 1ª edição.
“A 13 de janeiro de 1899 - refere ele, à
vista de um relatório, cujo original, acrescenta, se acha em seu poder -- doze pessoas
se haviam reunido em casa do Sr. David, à praça Corpo Santo nº 9, em Avignon,
para a sessão hebdomadária de Espiritismo.
"Após um instante de
recolhimento, vimos o médium, a Sra. GalIas, em estado de trance, voltar-se para o lado do Sr. abade Grimaud e lhe falar na
linguagem dos sinais empregados por certos surdos-mudos. Sua volubilidade mímica
era tal que foi preciso pedir ao espírito que se comunicasse mais devagar, o
que imediatamente fez. Por precaução, cuja importância vai ser apreciada, o Sr.
abade Grimaud se limitava a enunciar as letras, à medida que eram transmitidas
pelo médium. Como cada letra isolada nada significa, era impossível, mesmo que
o tivéssemos querido, interpretar o pensamento do espírito, e só no fim da comunicação
foi que ficamos conhecendo o seu conteúdo, tendo sido feita a leitura por um dos
dois membros do grupo encarregados da transcrição dos caracteres.
"Ao demais o médium
empregou um duplo método: o que consiste em enunciar todas as letras de uma
palavra, para lhes indicar a ortografia, única forma perceptível à vista, e o
que enuncia a articulação sem se preocupar com a forma gráfica, método
inventado pelo Sr. Fourcade e que só é empregado no Instituto dos surdos-mudos
de Avignon. Estas particularidades são fornecidas pelo abade Grimaud, diretor e
fundador do estabelecimento.
"A comunicação, relativa a
obra de excelsa filantropia a que se dedicou o Sr. abade Grimaud, estava
assignada "irmão Fourcade, falecido em Caen. "Nenhum dos assistentes, com exceção do venerável sacerdote, conhecera nem podia conhecer, quer
o autor d essa comunicação, posto que ele tivesse passado, há trinta anos,
algum tempo em Avignon, quer o seu método."
Depois de transcrever as assinaturas
dos membros do grupo, o
Sr. Léon Denis acrescenta:
"Junto ao relatório vinha o
seguinte atestado: "Eu, abaixo assignado, Grimaud, padre, diretor-fundador
do Instituto dos enfermos dos órgãos vocais, surdos-mudos, gagos e crianças
anormais, em Avignon, certifico a absoluta exatidão de tudo o que acima é
referido. Devo, em testemunho da verdade, dizer que estava longe de esperar
semelhante manifestação, de que compreendo toda a importância, no ponto de
vista da realidade do Espiritismo, ele que sou fervoroso adepto. Não tenho a
menor duvida em o declarar publicamente. - Avignon, 17 de abril de 1899. (Assinado).
– Grimaud, padre."
A autenticidade de tal manifestação
- comentaremos de passagem - ressalta inconfundível da circunstância, apontada
no relatório, de que nenhuma das pessoas presentes, o médium inclusive,
conhecia a linguagem mímica empregada pelos surdos-mudos. Como poderia tê-la improvisado
o médium? Por uma instantânea sugestão do abade Grimaud, que era o único a conhece-la
- Seria maravilhoso.
Porque, se a sugestão puramente mental não somente se concebe, como está
demonstrada por numerosas experiências,
já não é tão fácil admitir que habilite de improviso um indivíduo (o médium) a
empregar com rapidez e precisão a mímica dos surdos-mudos, que toda gente, que
já os viu conversar, não ignora que consiste em variadas inflexões dos dedos,
cada uma correspondendo a determinada letra do alfabeto.
Tudo indica, portanto, que no médium
atuava um espírito conhecedor de tal linguagem. O próprio Fourcade, autor do
outro método de conversação daquele gênero a que faz alusão o relatório? As
circunstâncias e o próprio testemunho do abade Grimaud militam em favor da afirmativa.
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