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O Último Auto-de-Fé
O Último Auto-de-Fé
por Zêus Wantuil
in ‘Reformador’ (FEB) Outubro 1976
Na França, o auto de fé das obras espíritas pareceu aos olhos de muitos tão inconcebível naquela época, que certos jornais, às primeiras notícias vindas da Espanha, chegaram, a princípio a po-lo em dúvida. Outros, entretanto, como Le Siècle de 14 de outubro, levaram o caso, sério e lamentável sob qualquer aspecto, para o gracejo e a comicidade, havendo ainda os que dele se desinteressaram inteiramente, ou que apenas se limitaram a registrar o fato,
Na Espanha, contudo, a imprensa em geral profligou aquele bárbaro ato de cego fanatismo religioso, e apenas um que outro periódico o aplaudiu, como o Diário de Barcelona. Esta folha uItramontana, a primeira que noticiou a celebração do auto-de-fé, enodoou as suas colunas, ao dizer: "Os títulos dos livros queimados bastam para justificar sua condenação; está no direito o no dever da Igreja fazer respeitar a sua autoridade, tanto mais quanto maior for a liberdade de imprensa, principalmente nos países que gozam da terrível praga da liberdade do cultos."
La Corona, periódico também barcelonense, dissentindo do Diário de Barcelona, sai a campo em defesa do livre pensamento e fornece ao público extenso relato dos sucessos, afirmando que os partidários do Governo estavam mais desgostosos com o auto-de-fé do que aqueles que lhe faziam oposição.
Os dois trechos a seguir, extraídos do mencionado jornal, interpretam o desagrado da maioria do povo barcelonês, ante aquela reminiscência dos "quemaderos" da Santa Inquisição:
“Os sinceros amigos da paz, do principio de autoridade e da Religião se afligem com essas demonstrações reacionárias, porque eles compreendem que às reações sucedem as revoluções, e sabem ainda que "quem semeia ventos só pode colher tempestades". Os liberais sinceros se indignam de semelhantes espetáculos dados por homens que não compreendem a Religião sem a intolerância e a querem impor como Maomé impunha o sou Alcorão.
"Guardamo--nos de emitir opinião sobre o valor das obras queimadas. O que vemos é o fato, suas tendências e o espírito que revela. Daqui em diante, em que diocese se abasterão de usar, senão de abusar, de um poder que, ao nosso juízo, nem mesmo o Governo o tem, se, em Barcelona, na, liberal Barcelona, assim procederam?
"O absolutismo é bem sagaz: ele tenta dar um golpe de força em alguma parte; se é bem sucedido, atreve-se a mais. Esperamos, todavia, que os esforços do absolutismo serão inúteis, que quantas concessões se lhe façam não terão outro resultado que o de desmascarar o partido que, renovando cenas quais a de quinta-feira última, mais rápido se precipitará no abismo para onde corre cegamente. É o que depreendemos do efeito que esse auto-de-fé produziu em Barcelona."
Um dos grandes jornais de Madrid, em seu número de 10 de outubro de 1861, expressava-se dessa maneira, em longo artigo:
"O auto-de-fé celebrado há alguns meses na cidade de La Coruna, onde foi queimada grande quantidade de Iivros à porta de uma igreja, havia causado em nosso espírito, o no de todos os homens de ideias liberais, tristíssima Impressão. Mas é com indignação bem maior que foi recebida em toda a Espanha a noticia do segundo auto-de-fé, solenizado om Barcelona, nessa capital civilizada da Catalunha, no seio de um povo essencialmente liberal, a quem se fez tão bárbaro insulto, certamente porque nele reconheceram grandes qualidades."
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