03/03 Dom Henrique de Sagres, servo de Deus
por Clóvis Ramos
in “Reformador”(FEB) Maio 1981
III – Um Reino Cristão
Os irmãos Vivaldi - Ugolino e Vadino - foram os primeiros europeus a atravessar o estreito de Gibraltar, em 1291, numa galé. Iniciava- -se, assim, com eles, o ciclo atlântico dos descobrimentos.
Tudo começou com as necessidades econômicas dos países da Europa, que precisavam de abertura de novas rotas comerciais para o Oriente, no comércio das especiarias, e, ainda, a procura do ouro entesourado no Sudão e no Egito, na Ásia, na Síria, a descoberta de novas terras, a captura do elemento negro para o trabalho nas culturas das ilhas do Atlântico. Acrescente-se um dado a mais: o propósito de cristianização do mundo, que significava guerra aos infiéis, aos adeptos de Maomé, do Islã.
As notícias das viagens, por terra, de Nicolau, Mateus e Marco Polo, de Veneza, na Itália - os primeiros europeus a chegar ao Japão e a China - serviram para despertar a cobiça de espanhóis e portugueses, que desejavam um caminho para a busca das riquezas dos longínquos países asiáticos, especialmente a Índia, O elemento árabe dominava o mar Mediterrâneo, urgia, pois, uma saída para o impasse em que viviam portugueses e espanhóis. Impasse que atingia, também, outros reinos europeus.
A partir do século XI Gênova e Veneza - os primeiros mercados dos produtos orientais - tiveram papel importante no intercâmbio comercial da Europa com o Oriente e também com a África, e as galés venezianas e genovesas chegavam a todos os portos conhecidos. Portugal, tal como a Espanha, sonhou ter a riqueza e o poder dos italianos. Num recanto da lbéria, junto do mar, só restava a Portugal navegar.
Durante a Idade Média se redescobriram algumas ilhas do Atlântico, entre as quais as Canárias, em 1312, cuja prioridade e autoria genoveses e portugueses ainda discutem. Afonso IV, Rei de Portugal, que, homem de visão, não quis ficar a margem da expansão marítima, pela posição mesma do seu país no continente europeu, alegava que cabia aos portugueses explorar a ilha, pois, como escreveu ao Papa Clemente VI, em 22-10-1345, "os nossos naturais foram os primeiros que acharam as mencionadas ilhas".
São navegadores desta fase inicial: Lancelot Moloisel ou Lanzeroto Marocolle, genovês; Jaime Ferrer, da Espanha, que parece ter chegado ao cabo Bojador, viagem "per mar al riu de lor" (por mar ao rio do ouro); os marinheiros do Diepe, na França.
Para viagens mais longas, pelas costas d'África, novos tipos de navios tiveram que ser construídos em substituição às galés a remo, utilizadas pelos irmãos Vivaldi, e que eram navios de combate no Mediterrâneo. A caravela se constituiu no navio típico dos descobrimentos portugueses a partir de 1441, uma importante conquista náutica, que permitiu a navegação nos difíceis mares africanos, abertos, sujeitos, constantemente, a tempestades. Com suas viagens, portugueses e espanhóis corrigiram as ideias em voga, a teoria da esfera de Ptolomeu. O mundo era maior e mais diversificado do que descrevia Ptolomeu.
Resumindo: surgia, na Europa, uma aristocracia comercial possuidora de imensos capitais e, no campo político, o sistema feudal cedia terreno às monarquias absolutistas, passando a haver a centralização do poder. Essas transformações, completadas pelo progresso da navegação, possibilitaram o início de um novo período da história econômica e social da Europa.
Portugal e Espanha, dispondo do apoio dos comerciantes que já mantinham relações com o Oriente, realizaram, juntos ou separados, planos de navegação oceânica após a tomada de Constantinopla pelos turcos (1453) que interromperam as relações diretas com o Extremo Oriente, quando as especiarias da Índia (açúcar, cravo, canela, pimenta e noz, etc.) passaram às mãos de comerciantes e empresários dos povos muçulmanos (como, hoje, o petróleo), que Ihes aumentaram sensivelmente os preços.
O oceano Atlântico era ao mesmo tempo um desafio e uma solução. Como se sabe, Portugal estava bem situado: diante do mar. E havia, ainda, a escolha desse povo, pobre mas trabalhador, e fervoroso na fé, escolha feita por Jesus, o Cristo, como nos foi revelado por Humberto de Campos, Espírito. E a Portugal coube a primazia dos descobrimentos. Depois de alcançar as Canárias, os Açores, os portugueses chegaram a Mina, em 1465, com João de Santarém e Pedro de Escobar; em 1487 - 1488, Bartolomeu Dias chegou ao cabo das Tormentas, chamado, posteriormente, por D. João II, de cabo da Boa Esperança. Vasco da Gama colocou Portugal direto com as especiarias da Índia, e, por fim, Pedro Alvares Cabral descobriu o Brasil, em 1500, no governo do Rei D. Manuel, o Venturoso.
Depois de um pouco de História, voltemos a D. Henrique de Sagres, à conquista de Ceuta, cidade então dominada pelos árabes merínidas. A partir de 1415, ano do grande feito, teve início a expansão marítima de Portugal. Situada em frente de Gibraltar, estrategicamente, Ceuta era uma das bases da navegação atlântica, importante mercado de ouro, de escravos, seda e marfim; por ela, na Mauritânia, era fácil a comunicação com o Sudão e o Levante. A captura de Ceuta, todavia, não deu - dizem os historiadores - os resultados que os portugueses esperavam, porque as rotas comerciais se desviaram.
Os planos de D. João I prosseguiram, contudo, e D. Henrique se tornou, sem demora, num dos promotores da navegação de descobrimentos portugueses. Era essa sua missão principal, como lá foi dito nos artigos anteriores: renovar as energias portuguesas, aproveitar a indômita coragem dos portugueses, e preparar gente para a difícil travessia do oceano perigoso e solitário. A cartografia quinhentista assinalava ilhas misteriosas no Atlântico Ocidental, que era preciso conhecer. O primeiro objetivo do Infante, como já se sabe, foi a África. Azurara, o cronista, falava das "cinco razões por que o senhor Infante foi movido de buscar as terras de Guiné:
1) Saber a verdade sobre o que existia para além do arquipélago das Canárias e do cabo Bojador;-
2) se nestas terras existiam reinos cristãos dotados de bons portos onde se pudessem trocar as mercadorias levadas de Portugal por produtos africanos;
3) conhecer o poderio mouro naquelas regiões;
4) encontrar um reino cristão cujo príncipe fosse capaz de selar aliança com os portugueses;
5) expandir o Cristianismo em todas aquelas terras, salvando todas as almas pagãs para a fé em Cristo".
Todas as suas razões foram muito significativas, como um filho do Rei e um bom patriota. São dois propósitos relevantes, um científico - para corrigir os ensinamentos da época, no tocante à geografia, acabando, de vez, com tantas lendas do chamado Mar Tenebroso, donde ninguém voltava; o outro - um motivo religioso, que a tudo excedia: ver se existiam, nas terras ignoradas, reinos cristãos, no afã louvabilíssimo de expandir o Cristianismo em todas as terras. Deveria haver, longe, um reino cristão, cujo príncipe fosse capaz de se aliar com os portugueses.
Terras havia na distância à espera de colonizadores, não só no Nilo dos negros e circunvizinhanças, por toda a costa d' África; terras havia pelo oceano, ilhas como as Canárias ou Fernando de Noronha, e a terra grande, um verdadeiro continente - Brasil. Cristãos não havia. O reino com seu príncipe também não. Mas havia a fé dos portugueses, a coragem dos portugueses, e eles dominaram ondas bravias, todos os perigos, florestas virgens, gentio amigo ou hostil, e construíram, sob o símbolo sublime do Cruzeiro, um reino para Cristo, assegurando, para o Brasil, um destino glorioso.
Como vimos, nos artigos precedentes, D. Henrique fora escolhido pelo próprio Cristo para a importante missão no mundo Terra. Despreocupado das glórias terrenas, de interesses imediatistas, o Infante atingiu o alvo, possibilitando a grandeza do seu país que, com suas conquistas, no dizer de alguém, metalizou-se, tanto foi o ouro conseguido nas viagens das naus lusas por todos os mares, no comércio. Portugal, respeitado por seus filhos, por seus feitos, influindo, como potência marítima, como grande nação, nos acontecimentos políticos da Europa. Portugal, centro de cultura, de arte. Terra de grandes poetas, grandes prosadores.
Não fossem os serviços prestados pelo Navegador, que reuniu em torno de si gente capaz da grande tarefa: homens do mar, dispostos às longas travessias do oceano, a pátria de D. Manuel teria podido realizar o seu grande destino? Tudo se deveu, sem dúvida alguma, aos esforços do filho de D. João I, o Hilel de Jesus.
Cumpriu, à risca, sua missão, que lhe foi oferecida: Brasil e Portugal juntinhos, mar a mar, "tão alma e sangue, água e vinho, num mesmo cálice do altar" - no dizer de um dos seus poetas – Antônio Correia d’Oliveira. Unidos na mesma fé raciocinada, na busca, que empolga, de novos horizontes para o mundo: o descobrimento bem mais importante dos mundos do Mais Além, onde Cristo reina com seu amor infinito e, desveladamente, preparam, para nosso mundo, outra nova era, de paz, amor e sabedoria.
Cumpriu, à risca, sua missão, que lhe foi oferecida: Brasil e Portugal juntinhos, mar a mar, "tão alma e sangue, água e vinho, num mesmo cálice do altar" - no dizer de um dos seus poetas – Antônio Correia d’Oliveira. Unidos na mesma fé raciocinada, na busca, que empolga, de novos horizontes para o mundo: o descobrimento bem mais importante dos mundos do Mais Além, onde Cristo reina com seu amor infinito e, desveladamente, preparam, para nosso mundo, outra nova era, de paz, amor e sabedoria.
“Reino Unido” ao de Portugal, Reino Cristão!
D. Henrique de Sagres, sim, Servo de Deus!
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