“E Moisés
tinha razão”
tinha razão”
Jornalista profissional há vinte anos, acabei aprendendo as vantagens e os perigos da propaganda, os riscos e os proveitos da moderna Informática. E posso lamentar, amargurado, a precipitação com que alguns médiuns (às Vezes, bastante conhecidos) se lançam a público usando todos os meios de divulgação à mão, para “propagar” o Espiritismo ou "comprová-lo", mediante a exibição espalhafatosa de suas faculdades. Ora muito bem intencionados, ora iniludivelmente preocupados em aparecer e capitalizar aplausos, fazem papel deplorável, não sendo poucos os que, de algum tempo a esta parte, invadiram as televisões e vão dando por aí verdadeiros «shows» de imprudência, de crassa ignorância da Doutrina Espírita e, até, as mais das vezes, de tristes calungagens. E tudo em nome do Espiritismo! ...
Indagou-se de Emmanuel se “é justo que um médium confie em si mesmo para a provocação de fenômenos, organizando trabalhos especiais com o fim de converter os descrentes”. Respondeu o festejado benfeitor: “Onde o médium em tão elevada condição de pureza e merecimento, para contar com as suas próprias forças na produção desse ou daquele fenômeno? “A tentativa de tais trabalhos é um erro grave. Um fenômeno não edifica a fé sincera, somente conseguida pelo esforço e boa vontade pessoal na meditação e no trabalho interior.” “Organizar sessões mediúnicas com o objetivo de arrebanhar prosélitos é agir com demasiada leviandade. O que é santo e divino ficaria exposto aos julgamentos precipitados dos mais ignorantes e ao assalto destruidor dos mais perversos, como se a Verdade de Jesus fosse objeto de espetáculos nos picadeiros de um circo.” (questão 390 de «O Consolador») ..
Sou a favor da divulgação da Terceira Revelação. Sou favorável à participação de confrades em programas nos quais se tenha a ensancha de expor nossos ideais religiosos. Acho mesmo que se possa e se deva estar presente no vídeo sempre que o Espiritismo for mentirosamente atacado e seja oportuna sua explanação. Eu próprio já compareci a muitos programas com essa finalidade. Mas não posso entender, não posso compreender como se tenha a coragem de vir para uma emissora de televisão a fim de apresentar manifestações mediúnicas ao vivo, qualquer que seja o seu objetivo ou a sua justificativa. Não terá bastado a época moisaica para confirmar a temeridade dessa caminhada, a mesma que conduziu - sem dúvida a contragosto - o maior dos profetas a profligar, na sua época, o intercâmbio entre vivos e mortos? É a isso que querem chegar outra vez? Novos oráculos, novas pitonisas, consultas ao Alto feitas exclusivamente em tom de curiosidade ou de desafio - será isso que se pretende mais uma vez, em que pese à lição de antes do Cristo? Allan Kardec, analisando em «O Céu e o Inferno» esse problema. diria muitos séculos depois: “A proibição de Moisés era assaz justa, porque a evocação dos mortos não se originava nos sentimentos de respeito, afeição ou piedade para com eles, sendo antes um recurso para adivinhação, tal como nos augúrios e presságios explorados pelo charlatanismo e pela superstição. Essas práticas, ao que
parece, também eram objeto de negócio, e Moisés, por mais que fizesse, não conseguiu desentranhá-Ias dos costumes populares.” (Primeira Parte, cap. XI, n" 4.)
Assisti certa vez, num canal de televisão, a um quadro confrangedor. Determinado médium (e muito provavelmente o é mesmo, sem aspas) resolveu disputar com outro o direito de receber um certo Espírito. Então esse Espírito acabou “baixando” diante das câmeras e ele próprio escarmentou o outro! “Hélas!” Quanta tolice saiu, quanta truanice, quanto despautério! E nem o médium e nem o Espírito percebiam que o objetivo do apresentador do programa era aquele mesmo: quanto mais fogo, melhor. O diálogo foi mais ou menos nessa entonação:
- Mas o outro diz que você não cura mais ninguém. Como é isso?
- Não curo? Como é que não?! Ele é que fica mentindo, dizendo que sou eu que estou incorporado nele. Mas não sou eu. Só “baixo” neste médium. Se eu tenho este aqui, muito bom, para que vou querer outro?
E a coisa foi por aí, nesse alamiré horrível, impudente, a fazer chorar qualquer conhecedor primário da Doutrina Espírita. Depois, pediram-lhe para dar uma demonstraçãozinha das suas aptidões e ele não se fez de rogado. Faca na mão, operou lá um pobre coitado no meio do palco, holofote em cima, objetivas à procura do melhor ângulo, calcinante calor, a “girafa” captando a respiração ofêga do paciente, um auditório meio estupefato, meio risonho, enfim, um verdadeiro “show” artístico, duma arte de péssimo mau gosto e indefensável falta de senso!
Numa outra ocasião vi um embate sensacional. Popularissimo médium, incorporado em pleno palco de televisão, transmitindo a palavra dum Espírito que aqui na Terra fora um médico famoso! Deu azar. Apareceu um médico ainda encarnado Que quis conversar com o “colega” desencarnado. Foi aquele fiasco, uma vergonha, uma espicha bem brasileira! Que o médium estivesse incorporado eu não duvido; mas não duvido também de que a entidade devia ter desencarnado em algum manicômio e ainda não perdera a mania de querer ser doutor ...
Convenhamos, isso é desmoralizante, vexatório, acabrunhante. Essas exibições só depõem contra nós próprios. Ah... quanta razão tinha o sábio Moisés, já naquela época... Como foi oportuno o seu interdito ...
Daí, também, a mais recente conclamação de Joanna de Ângelis:
“Assim, não te preocupes, no Espiritismo, com o fenômeno da Mediunidade. Em todas as épocas da Humanidade as vozes falaram de maneira inteligível e sábia. Mas não se tem notícia de que os intermediários dessas vozes se entregaram desinteressadamente ao mister da própria elevação e da assistência fraterna dos demais.” “Alguns corações que hoje buscam as sessões do Espiritismo prático, identificam os Espíritos, beneficiam-se e passam, iludindo-se quanto ao porto final.” “Lembra-te do Espiritismo praticado e preocupa-te com o espírito da Doutrina. O fenômeno é meio. A Doutrina é fim.”
Exceto em ocasiões muitíssimo especiais, o médium deve forrar-se a esses espetáculos deprimentes. E não se venha questionar, por favor, com o aparecimento de Chico Xavier, certa vez, num canal de televisão, psicografando um soneto de Félix Pacheco. Aquele programa foi videoteipado na Comunhão Espírita Cristã; o médium não saiu de sua tenda de trabalho. Além do que, isso representou acontecimento raríssimo na vida do Chico, que conta mais de 40 anos de trabalhos medianímicos desenvolvidos sempre, como todos sabem, em caráter de grande discrição e recomendáveis reservas. Ainda assim, antes de consentir na filmagem, procurou consultar o Presidente da Federação Espírita Brasileira, agiu com toda a cautela, buscou rodear-se material e psiquicamente de todas as garantias, em particular a dos limites da sua apresentação, isto é, sem ultrapassar as fronteiras do comedimento, do bom-senso, do respeito dos princípios estatuídos pela Codificação. Nada de desafios, nada de competições, nada de espetaculosidades, nada de ridicularias e galhofas. Tout comme iI faut.
Repito entretanto a importância de se não confundir esse comportamento com a simples presença de confrades em programas sérios de rádio ou de televisão. Quanto a esse aspecto, eu teria apenas a considerar que essa presença deverá ser sempre altamente condigna e, acima de tudo, cristã por excelência. Um espírita no vídeo é, por dever, um modelo vivo a ser observado por milhões de olhos de todos os credos. É preciso, nesses momentos, exemplificar tudo o que se tem pregado. E não fazer como aqueloutro que, na crista do desespero, só faltou agredir fisicamente o seu antagonista, em nome de Jesus e de Kardec! Um outro invectivou de tal maneira o Cardeal do Rio de Janeiro que até o “cameraman” deve ter ficado com medo. Ainda bem que tempo em televisão é ouro e o programa foi logo terminado. Mais 3 minutos no ar e o “espírita” puxava ali mesmo uma “peixeira” e obrigava alguém a ir evoluir no astral... Enquanto isso, a lição de André Luiz ficara esquecida: “Não se irrite com o interlocutor, se não lhe corresponde à expectativa. Talvez não tenha sido você suficientemente claro na expressão.” (Agenda Cristã, capítulo IX).
Sei bem da força e do valor da imprensa. Conheço o poder do rádio e da televisão. Aprendi os múltiplos recursos duma propaganda dirigida para o bem ou para o mal. Joseph Goebbels também a conhecia e levou a Alemanha ao hitlerismo e à morte. Falo portanto com conhecimento de causa, fundamentado em 20 anos de experiência e prática. Cautela, meus amigos, com as chamadas para participação em quaisquer programas. Muito bons médiuns já se despencaram pela ribanceira da desmoralização devido à euforia que, um dia, empeçonhados pela mosca azul, não souberam controlar. É lícita a aceitação dos convites dessa natureza para a explanação da Doutrina ao grande público. Afinal, pregar é a missão do pregador e televisão não foi inventada somente como peça decorativa em casa de encarnado. A época é mesmo da Comunicação e não é atoa que a Federação Espírita Brasileira, por sua vez, expandiu e aprimorou o seu Departamento Editorial. Mas cuidado com o precipício. Se o convidado é médium, suas preocupações, no caso, devem ser multiplicadas. E nunca, nunca transforme sua faculdade em ponto de atração artística para nenhum produtor de rádio ou de televisão; e muito menos ainda em “ponto-de-venda” para algum publicista sabido em busca de pontinhos no IBOPE. Lembre-se de que Jesus, se quisesse, teria mesmo descido da cruz. Mas não aceitou o desafio... “Os atributos medianímicos - ainda ensinamento de Emmanuel - são como os talentos do Evangelho. Se o patrimônio divino é desviado de seus fins, o mau servo torna-se indigno da confiança do Senhor da seara da verdade e do amor. Multiplicados no bem, os talentos mediúnicos crescerão para Jesus, sob as bênçãos divinas; todavia, se sofrem o insulto do egoísmo, do orgulho, da vaidade ou da exploração inferior, podem deixar o intermediário do invisível entre as sombras pesadas do estacionamento, nas mais dolorosas perspectivas de expiação, em vista do acréscimo de seus débitos irrefletidos.” (questão 389 de “O Consolador”).
Uma última palavra dirigida a todos, médiuns ou não: não é o Espiritismo que precisa da nossa defesa; nós é que precisamos da defesa do Espiritismo.
por Luciano dos Anjos
‘Reformador’ (FEB) Abril 1970
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