quarta-feira, 2 de novembro de 2011

73 (e final) Trabalhos do Grupo Ismael




73


SESSÃO DE 18 DE DEZEMBRO DE 1940


Terceira manifestação sonambúlica do mesmo Espírito que fora o visitante nas duas sessões procedentes.


Médium:    J. CELANI


            Espírito: - Que situação a minha! Nem lá, nem cá! Extraordinário!

            (Depois de longo silêncio)

            Bem extraordinário é o que se passa comigo! Quero volver ao seio dos meus e não os encontro; quero transpor a linha divisória  que separa os nossos campos para penetrar no vosso e não consigo!

            Reconhecer, sim, reconhecer o poder supremo situado fora do mundo terreno! Séculos e séculos perdidos, de tantas lutas, de tantas vigílias e elucubrações agora atiradas ao vento! O caos!... O nada!...

            (Dirigindo-se ao diretor dos trabalhos):

            Dizem-me uma coisa: qual base da tua fé?

            D. - O Evangelho, onde se acham consubstanciados os ensinos de Nosso Senhor Jesus Cristo, ensinos que constituíram objeto da gloriosa missão que Ele, o Messias prometido, desempenhou no seio da humanidade, para lhe servir perenemente de roteiro à salvação.

            E. - Sim. É’ um ponto de partida. O Evangelho, pelo vosso prisma, contém uma sabedoria diferente daquela que nós, em nosso Colégio, lhe reconhecíamos, noutros tempos.

            D. - É simples a razão da diferença: no teu colégio, a interpretação era segundo a letra que mata, enquanto que no nosso é segundo o espírito que vivifica, feita à luz de uma nova revelação, complementar da revelação cristã.

            E. - E segundo também o grau de inteligência. Mas, o que não compreendo é que não se permita, àquele que está prestes a entregar as armas, a volta à plenitude da sua mentalidade, para que possa coordenar, do seu ponto de vista, as ideias, a fim de chegar ao “eureca” que o oriente para o novo caminho a seguir. Essa a dúvida em que me debato.

            D. - Mas, depende unicamente de ti a sua dissipação. É preciso que te voltes para esse poder superior de que falavas há pouco, poder que exerce a sua ação incontrastável dentro e fora do mundo, no universo inteiro. Que poder será este, senão o de Deus, do Deus que Jesus Cristo revelou ao mundo como sendo o amor sem limites e a misericórdia infinita? Dirige-lhe súplice o teu pensamento e a treva da dúvida se dissipará e a tua inteligência culta se sentirá apta a reconhecer a sabedoria e a justiça que a tudo presidem e, consequentemente, a razão de ser lógica de todas as coisas, quer as que nos digam respeito individualmente, quer as que entendam com o todo, onde tudo é ordem e harmonia perfeitas. 

            E. - (Depois de algum tempo de silêncio): - O Evangelho do Cristo com o seu sermão da montanha é incompatível com a degradação da humanidade.

            D. - Não, tal incompatibilidade não existe e não pode existir, porquanto só no Evangelho encontrará a humanidade os meios de sair da degradação em que caiu e de elevar-se à meta de seus destinos. Tanto é assim, que lá estão no mesmo Evangelho estas palavras do Senhor: ‘’Das ovelhas que o Pai me confiou, nenhuma se perderá’’. Todas, portanto, qualquer que seja a degradação a que tenham descido, mais cedo ou mais tarde, despertarão, tocadas pelo amor potente do Pastor, e encetarão a obra da sua regeneração, que é a da evolução, do progresso que conduz a Deus.

            E. - Até mesmo os que chafurdaram nos mais hediondos crimes, rebelados contra as leis divinas?

            D. – Certamente, até esses. A afirmativa, que acabamos de lembrar, do divino Mestre é categórica, absoluta. A nenhuma exceção abre lugar.

            (Breve silêncio).

            E. - Para fazer-te compreender o meu estado, servir-me-ei de uma expressão corrente na linguagem do vosso mundo: Estou na terra de ninguém. A minha situação é esta: não consigo nem avançar para vós nem retroceder para os meus.

            D. - Insistimos em dizer-te: dirige ao Pai celestial o teu pensamento em prece. Abre-lhe o teu coração; manifesta-lhe com sinceridade o desejo de senti-lo; exprime-lhe, também com sinceridade, o teu pesar profundo de lhe haveres até hoje voltado costas e deixa que do teu íntimo se evole uma súplica de misericórdia. Ela virá, afirmo-te, porque Deus, para derrama-la em abundância sobre qualquer de seus filhos, só aguarda que este a implora com humilde e fé.

            E. - Sabes qual o meu erro?
           
            D. - O teu erro, de certo, foi e é o de todos nós pecadores: o darmos guarida em nossa alma ao orgulho e deixarmo-nos em seguida, escravizar por esse funestíssimo tirano.

            E. - Sim, é essa realmente a origem de todas as culpas em que incidem as criaturas... É o orgulho que leva o espírito ao nefasto erro de pretender criar alguma coisa e sobrepô-la, pelo seu poder, pela sua força, às leis que dominam, porque não universais e soberanas... Idealizei, na minha loucura, a criação de uma igreja dominadora, tendo sob o guante do seu poder todas as consciências. Imaginava que, assim, faria uma obra rápida de regeneração, embora empregando para isso todos os meios, quaisquer que fossem. Claro que, assim sendo, uma das armas principais de que nos utilizamos, eu e meus companheiros, era a violência sob todas as formas. Veio, afinal, a derrocada. Tudo orgulho, só orgulho.

            D. - De fato, meu amigo, o orgulho vai ao extremo de cegar completamente o Espírito. Se assim não fosse, tu, que conhecias o Evangelho do Cristo, terias ponderado que aquele jamais empregara a violência, que, ao contrário, a condenara sempre, como, aliás, não podia deixar de acontecer, visto que era portador de uma doutrina toda de amor, perdão, abnegação e renúncia, em cuja base se encontra a lei de liberdade em respeito ao livre arbítrio que Deus outorgou a todas as suas criaturas, para que elas tenham a responsabilidade e, portanto, o mérito ou o demérito de suas ações e obras. Terias refletido e reconhecido que nenhuma obra de regeneração poderias realizar, por processos opostos aos de que se serviu, exclusivamente, Aquele que é o Regenerador por excelência, uma vez que é o Salvador  da humanidade. Nem mesmo, porém, para a salvação, Ele violenta a quem quer que seja, como podes verificar, atentando no que ora se passa contigo.

            E. - Se soubéssemos, se conhecêssemos e pudéssemos manejar a força cujo domínio nesse momento sinto, então, sim, alguma coisa útil teríamos feito. Mas, para a conhecer e utilizar, faz-se mister uma base de que só um já dispôs neste mundo e na atmosfera espiritual que o circunda.

            (Breve silencio).

            É extraordinário! A minha punição consiste em manter-se entre vós e os meus. Ouço-lhes os apodos e as injúrias e nada posso fazer. Desejo buscar um pouco de paz no convívio destes outros que me cercam e não consigo. Se quisesse praticar nesse instante o mal, não o poderia. Igualmente não posso praticar o bem, porque não sei. Extraordinário tudo isto! Revela se me uma sabedoria superior a tudo o que eu cogitava. Convencido, de certo, estou agora de que essa força conduzirá o mundo à realização dos anelos dos corações bem formados! Pouco importa que essa obra seja da Igreja. Desde que a Igreja desvairadamente se submeteu ao império das paixões humanas, que outras mãos, outros convidados executem a obra! Mas, eu e meus companheiros, que será feito de nós?

            D. - Também sois, como o são todas as criaturas de Deus, convidados para o festim a que preside Jesus Cristo e no qual a iguaria incomparável é o pão da vida eterna, que Ele definiu e mostrou em que consiste, ensinando e exemplificando o amor ao Pai acima de tudo e ao próximo, e nesse festim, a que até agora não quisestes comparecer, tomareis parte, desde que vos dispuserdes a aceitar o convite e a revestir-vos dos trajes exigidos.

            E. – Mas, como, se nada sabemos fazer?

            D. - Procurando cumprir aquele mandamento, o mandamento do amor, que é a Lei suprema, aprendereis a fazer tudo o que agrada a Deus.

            E. – Essa força, a força inerente a essa Lei, quem lhe sente os efeitos, não há dúvida, em sendo sincero, não pode deixar de reconhece-la imanente, porque provém de um poder superior a todos os poderes, do poder de Deus. Mas, entende-lo, é o que é difícil.

            D. – Meu irmão, vê que não se trata de entender; trata-se de sentir. Pelo sentimento é que se chega ao conhecimento do que é essencialmente divino.

            E. – De fato, lá sua na Escritura, que só os limpos de coração verão a Deus! Extraordinário! Impossível vencer o cerco! Sois tenazes, devo confessa-lo... Loyola era um sábio portentoso. Sua escola produziu obras edificantes no mundo. Perdeu-o, porém a sua disciplina férrea, ocasionando fosse desvirtuada a finalidade do seu esforço.

            A renovação é um fato e, se a evolução é lei, a ação do homem deve ser maleável e acompanhar o progresso da inteligência. O que servia a Moisés não serviu para o Cristo e o que serviu ao Cristo tem que ser ampliado pelo Consolador. Sopram-me estas ideias e mais:

            O erro da Igreja está unicamente no seu conservantismo religioso, incompatível com o Cristianismo, que é evolução e progresso. Como se processará essa evolução? Pela ciência? Não. Faz-se necessária a preparação dos ensinamentos da cristandade, para que os cérebros se adaptem ao momento, à ciência, ao que é da vida, ao que o homem tem de adquirir pelo trabalho penoso da sua existência.

            (Dirigindo-se a um dos Guias do Grupo): - É belíssima a exposição que fazes dessas histórias. Então... Teremos que recomeçar do ponto em que a Igreja encostou os bordões dos peregrinos de antanho, para se aboletar nos carros dos falsos progressos mundanos! Teremos que volver à época dos Francisco de Assis, para restabelecer no mundo o espírito cristão, desvirtuados pelos falsos cristos e falsos profetas?

            Vou pensar em tudo isto. Seguirei o teu conselho de alertar a minha inteligência, para o exame e confronto das tuas e das minhas ideias.

            Da próxima vez, eu cantarei porventura, como queres, o hino de louvores ao Cristianismo redivivo. Não posso fazê-lo sem um cunho de sinceridade. Quero deixar aqui as armas da iniquidade para tomar nas lanças dos Anjos que proclamam a Verdade sem véus. Não estou certo?

            Então, meus... meus... irmãos condescendentes, até a vista.

            D. - Que Deus te ampare e N. S. Jesus Cristo te ilumine.

            E. - Obrigado.

*

Comunicação final, sonambúlica

            Prece de agradecimento à Virgem e súplica de proteção e iluminação aos que se sentam em torno da mesa de trabalho na oficina de Ismael. - Necessidade de melhorar sempre o labor. - Como consegui-lo . - A conquista de adeptos para o Espiritismo. - Pouquíssimos são, contudo, dentre eles os que o consideram pelo verdadeiro prisma. - Como procedem os que o encaram pelo prisma do sentimento e da renúncia. - O porquê da precariedade de obras espíritas duradouras. - O que são árvores que dão bons frutos. - Porque hão sido de lutas os anos de existência da Federação. - Como se tem ela saído dessa luta. - Roteiro que lhe é traçado: respeito a César e fidelidade de consciência às leis divinas. - Renovação da promessa de manifestar-se em breve no Grupo o seu glorioso patrono - Ismael.


Médium: J. CELANI


            Ave Maria cheia de graças! O Senhor é contigo, bendita és entre os Anjos, como bendito é Jesus, nosso Mestre e senhor.

            Senhora, quantas esmolas, quantas misericórdias descem sobre os coxos, por tua interseção! Vela por eles, Senhora, e dá-lhes a compreensão nítida de suas responsabilidades em torno desta mesa e perante a sociedade em cujo seio vivem.

            Que eles se compenetrem, Maria, de que são pregoeiros desse Evangelho de amor e de espiritualização, desse Evangelho regenerador, que faz ascendam as criaturas à salvação, pela renúncia, pela  caridade e pela humildade.

            Defende-os, Mãe piedosa, dos ódios do mundo material e do mundo espiritual. Livra-os dos inimigos da Luz e planta em seus corações uma semente pequenina daqueles sentimentos com que edificaste os discípulos de teu Filho, na hora  do Calvário.

            Dá aos pecadores do passado, aos apedrejadores do Salvador do mundo, as forças de que eles precisam  para lançarem fora de seus corações as pedras da iniquidade e para se redimirem pelo Evangelho do teu divino Jesus.

            Meus queridos companheiros, estou satisfeito e satisfeito estão todos os que constituem este Colégio de educação moral.

            Atentai, contudo, em que é necessário melhorar sempre o labor, redobrar de esforços, de vigilância e de cuidados. Não agasalheis todas as sugestões do Alto, repeli as que possam prejudicar a vossa tarefa. Atraí e guardai as que procedem do vosso Patrono, vindo de mais alto.

            Não é difícil, meus caros companheiros, fazer-se Espiritismo e conquistarem-se-lhe prosélitos. Há, entre seus adeptos, os que o abraçaram por entusiasmo, deslumbrados com a sua fenomenologia. Há outros que o aceitam empolgados pela beleza da sua filosofia. Pouquíssimos são, entretanto, os que o consideram  pelo verdadeiro prisma, sobe que ele deve ser visto: o do sentimento e da renúncia.

            Aquele porém, que o encara por essa face e se lhe filia, essa será fiel até o fim, porque segue a exemplificação do Mestre, que não hesitou ante o maior dos sacrifícios, para implantar no mundo o Cristianismo em espírito e verdade.

            Em testemunho do que afirmo, fala a própria historia, embora curta, da doutrina em vosso país. Quantas as obras duradouras por ela inspiradas? São raríssimas.

            Os centros se organizam e desorganizam. Porque? Por que, em sua grande maioria, eles se constituem, como já tive ocasião de dizer, em torno de pessoas, donde decorre serem trabalhados e desmantelados pelo que denominais ‘’política pessoal’’.

            Os que, no entanto, se constituam procurando vivificar-se no espírito do Cristo de Deus, moldados pelo seu código de amor os respectivos Estatutos, esses serão arvores de bons frutos, que não se verão cortados e levadas ao fogo.

            Eis porque a Federação conta os anos de sua existência por anos de lutas, das quais, entretanto, há saído sempre mais respeitada e conceituada. Esse conceito, porém, meus companheiros, deve ser zelosamente mantido e, se possível, valorizado, para que ela encontre cada vez mais facilidade no desempenho da sua tarefa. Nada de antecipar-se à evolução natural das coisas. Vigilância sobre as medidas a serem tomadas, as quais precisam passar todas pelo cadinho da razão esclarecida pela doutrina.

            Respeito a César, nas relações como o mundo profano; fidelidade de consciência às leis divinas codificadas no Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo: eis o roteiro seguro para levar a bom porto a barca de Ismael.

            Creio poder em breve cumprir a minha promessa, feita, aliás, com a sua autorização:  a da vinda desse Anjo glorioso até vós, como estimulo para os vossos trabalhos e conforto para os vossos Espíritos.

            Paz fique convosco, em nome do Mestre divino. – Bittencourt.



Fim


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