quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Lendo e Comentando (2)


Lendo e Comentando (2)
por Hermínio C Miranda

in Reformador (FEB)  Março 1970

           

- continuação da postagem de ontem -


            Peggy Mason reafirma, no seguro estilo literário que a caracteriza, a realidade da sobrevivência do espírito e a do mundo póstumo. Estranho, como pareça, no entanto, para muita gente não basta a aceitação dessa realidade. A autora cita, a propósito, carta de uma correspondente sua que se queixa da morte do marido, dizendo que para ele “tudo está bem”, mas para ela, que ficou, ao cabo de tantos anos de separação, julga-se “ressentida e enganada”. Que a comunicação espiritual é legítima, mas que sente falta da presença física do ente querido que partiu.  “Queria a mão dele para segurar a minha e o seu braço em torno dos meus ombros”.

            0 sentimento de saudade e de ausência é inevitável, porque nós encarnados estamos condicionados ainda à matéria e às suas sensações e limitações. É preciso, no entanto, saber racionalizar o sentimento e aguardar com paciência o tempo do reencontro. Se, em lugar disso, nos desesperamos na dor, o nosso desespero vai fatalmente alcançar os Espíritos a quem amamos e causar-lhes sofrimentos que poderíamos evitar. Assim, em vez de se lembrarem de nós apenas com saudade, vão misturar a saudade com a preocupação e até com a aflição. Além disso, o desespero diante do inevitável nos leva a um atrito com as leis divinas. A morte é um fenômeno natural e necessário à renovação das nossas experiências. Que o desespero atinja aqueles que ainda não aceitam a sobrevivência, admite-se, porque, para esses, o ser humano é apenas um conjunto orgânico de células. Para nós, no entanto, que sabemos da existência e da sobrevivência do espírito, a morte é apenas uma separação temporária que temos de suportar com ânimo forte e tranquilos na nossa esperança. Sabemos que os nossos entes amados apenas partiram um pouco antes de nós, mas que lá na frente se acham à nossa espera, para as alegrias do reencontro. Mesmo na vida física não podemos ter à nossa volta todos os que amamos. Os próprios filhos, terminada a fase de aprendizado e preparo para a vida, seguem seus destinos e têm que segui-los, pois que essa é a tarefa de todos nós.  

            Esse ponto é importante para tirarmos dele uma lição. É a de que o estudo da Doutrina Espírita, em todos os seus aspectos é completamente indispensável à prática mediúnica. Se
nos limitamos à experimentação do fenômeno, jamais chegaremos a compreender a grandeza
do Espiritismo e o caráter essencialmente consolador dos seus ensinamentos. O sentimento de fraternidade e amor que experimentamos pelos nossos parentes e amigos não pode ser egoísta e exclusivista - precisamos ampliar tais sentimentos de modo a envolver também o semelhante que, quase sempre, olhamos com indiferença. Além do mais, os espíritos vivem em grandes grupos, unidos por sentimentos de amor (ou de ódio, às vezes), e nesses grupos se revezam, ora na carne, ora na liberdade do mundo espiritual. Enquanto aqui estamos, nem sabemos conscientemente dos antigos e queridíssimos amigos que deixamos na espiritualidade e que pacientemente esperam pelo nosso regresso. Nossos compromissos não são apenas com a nossa atual família terrena - eles se ampliam para acolher irmãos de outras épocas, de outros setores desse imenso Universo em que vivemos. Que importa se estamos vivos na carne ou vivos em espírito? Aqui ou acolá, estaremos sempre dentro da eternidade; com nossos filhos, nossos pais, nossos amigos, nossos irmãos. Para que a aflição da dor que, às vezes, é simples revolta ditada pela incorformação?

            Essas são as meditações que nos inspiram o comentário de Peggy Mason. Voltando ao seu artigo, cabe-me apenas lamentar que a excelente escritora não tenha ainda aceito a ideia da reencarnação e, por isso, se sente um tanto perplexa ante o .sofrimento das crianças de Biafra, porque, no seu entender, é uma dor infligida a inocentes que, “por não terem consciência, não podem pecar e sofrer as consequências do pecado”.

            O problema não está bem colocado. Não nos podemos furtar a um sentimento de pena
e de caridade pelos que sofreram e ainda sofrem as consequências da tormentosa guerra civil africana que terminou há pouco. Cabe--nos ainda, como seres humanos solidários, fazer o que estiver ao nosso alcance para evitar a repetição desses holocaustos bárbaros e gratuitos e, ainda, minorar o quanto possível suas desastrosas consequências. Do ponto de vista espiritual, no entanto, sabemos que Deus não permitiria sofrimento inocente e inútil. Sabemos mais que os espíritos que estão passando pelas aflições da guerra e da fome, podem não ter consciência dessa dor como encarnados, mas como espíritos saberão sempre porque sofrem. A dor é o recurso extremo da lei quando não conseguimos despertar de outra maneira mais suave. Não sabemos das culpas e dos compromissos anteriores e futuros dos espíritos que tiveram suas encarnações orientadas para o tremendo auto genocídio de Biafra; estejamos certos, porém, de que leis divinas estão agindo no sentido do reajustamento de inúmeros irmãos seriamente comprometidos .com o seu passado. Vamos socorrê-los com as nossas preces, para que as lições ministradas consigam despertar-lhes os espíritos aterrorizados e perplexos.

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