Anotação
oportuna
Prezado Amigo,
Indaga você qual o modo ideal de defesa dos princípios espíritas contra certas colocações de credos religiosos vários.
O problema existe, e justas são suas preocupações. Mas, deixe-me dizer-lhe que o caso proposto é mais simples do que parece, especialmente se tivermos "olhos de ver" para a natureza do espiritismo.
Trata-se de uma ciência, porque lida com o fato palpável do Espírito. investiga-o, propõe uma teoria e maneja-o, tanto quanto inteligências podem ser manejáveis. Direi mesmo que a improbabilidade de repetição laboratorial assemelha-se ao que se verifica na psicologia clínica. E, lá, ninguém ousará dizer que o paciente não existe ...
Dirá você: mas a situação do paciente, enquanto indivíduo atuante, é óbvia, enquanto...
Contenha-se, por favor. Seu realismo ingênuo é parente em linha direta do Dr. Johnson contestando o bispo Berkeley! As evidências com que lidam os psicólogos (até mesmo os behavioristas radicais, se é que isto ainda existe .. .) são as mais problemáticas possíveis. Comparados com elas, um poltergeist ou uma pesquisa reencarnatória conduzida sem preconceitos equivale às explosões das bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki. A única diferença é que,
no nosso caso, não há tragédia, nem morte, enquanto analisamos o puro fenômeno; há, isto sim, magníficas provas de uma vida que célebres mortos em vida insistem em negar.
Que fazer?, pergunta você.
Resposta: aguardar ...
Todavia, é preciso saber como aguardar. E é acerca disso que lhe falarei agora.
A marcha da Verdade tem seu principal obstáculo no egoísmo e na sustentação emocional da ignorância, como meio de preservação do poder. Mas, a própria vida exige-nos o esforço pessoal, tendente, de modo inexorável, ao crescimento total, que compreende nossa dimensão espiritual, a de individualidades imortais. Algo como vaga intuição, um raio de luz, interessado em romper-nos a cegueira ... Ou uma melodia, tentando sensibilizar ouvidos transitoriamente surdos.
Se a evolução do Espírito fosse um problema de Graça, então seria suficiente a improdutividade, ou, mesmo, a ação esdrúxula e mal cuidada, porque um Deus irracional - e não supra-racional ... - estaria por aí, feito um flagelo, impondo suas condenações, ou doando seus favores, rogando pragas e semeando bênçãos, a seu enlouquecido talante.
É isso o que algumas religiões nos propõem, e é isso que não podemos aceitar.
O estágio alcançado pela Ciência e pela reflexão, em todos os seus respectivos e interligados campos de atividade, não mais se coaduna com tantas propostas medievais, sem críticas genéricas à Idade Média, que mostrou um sem-número de conquistas do ser humano.
Toda colocação dogmática é vista por nós, impiedosamente, como casca. Descasquemos o fruto, saboreando-lhe a polpa e espalhando- lhe as sementes! Não podemos mais permanecer imóveis, sentados sobre tesouros que significam a liberdade do entendimento e do coração. Nem nos cabe "pôr nas mãos de Deus" o que devemos realizar ...
Sem nos dedicarmos a distribuir chicotadas sobre o lombo daqueles que, porventura, não comunguem a nossa compreensão, parece-nos, não obstante, absolutamente necessário ponderar que a fraternidade é um ideal que não vale como sacrifício irresponsável ... Não, meu caro ... Não seja acarneirado, nem dê pasto a que se repita a lição da célebre fábula -onde as razões do lobo são as mais fortes. .. Aliás, definitivas e inquestionáveis.
Veja, por exemplo, o famoso ecumenismo, esta linda palavra, cujo significado, porém, andou e anda excessivamente nebuloso. O que se deve ter em mente é a comunhão em torno de princípios morais amplos, verdadeiramente libertadores, que defluem das verdades comprovadas, a que, com tanta propriedade, aludiu Allan Kardec. A pretexto de ecumenismo, não entre na toca da onça. Não atenda ao gentil convite expedido pelo poderoso felino, pois, em seu habitat, ele recolherá o pesado tributo cobrado à nossa complacência com as acomodações em tomo da Verdade: nossa cabeça!
Fuja das frivolidades arrevesadas, dos dogmas, dos artigos de fé, Eles, no fundo, nada fizeram além de retardar o avanço do grupo espiritual cujos elementos se entrechocam em nosso mundo.
Novamente, dirá você: mas nenhum bem terá sido feito? ...
Ora, meu amigo! ... Na onipresença divina, não há mal que 'sempre dure, nem bem que se acabe ... Até o mal termina por gerar o bem, mesmo porque as criaturas se cansam do primeiro, mas não se cansam de querer o segundo. É aí que entramos, que temos de entrar, elaborando as consequências filosóficas dos fatos espíritas. Eles incomodam tanto os eternizadores da ignorância, que estas aves de rapina utilizam-se de inocentes úteis e deflagram movimentos, aparentemente nobres, com a finalidade única de combater o Espiritismo. Não há dúvidas de que têm muita força, porque trabalham com a moeda da ignorância e com financiamentos e piedosas dotações, em nome da "cristianização" do mundo ..
Com efeito, esses movimentos são ofertas de exacerbação do fanatismo e do enfurecimento religioso de grupos de "fiéis", totalmente esquecidos da reforma íntima, que reequilibra as almas, desarma os espíritos e forma coletividades menos atarantadas, menos enlouquecidas ...
Naturalmente, prevalece a liberdade, mas é importante que você se dedique a observar os fatos, a ler-Ihes as entrelinhas, a fim de que não incorra no gravíssimo erro de, para estar muito bem com todos, fazer concessões ao obscurantismo e aplaudir espetáculos de má-fé.
Termino estas considerações, que sua indagação me levou a formular, citando nosso grande Mestre, o Cristo-Jesus: Seja o vosso falar sim, sim; não, não. O que passa daí vem do mal. *
Ah! ... E lembre-se de que o amor aos inimigos não se obtém à custa da verdade, nem prescinde da mansidão das pombas, aliada à prudência das serpentes.
25 de Outubro de 1988
Irmão X (Humberto de Campos)
por Gilberto Campista Guarino
in ”É Quase Amanhã” (1ª Ed. Arte & Cultura - 1989)
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