segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Indivisibilidade do Espiritismo



‘A Indivisibilidade 
do Espiritismo
            
          É difícil ser espírita? Sim, não é fácil. Não basta conhecer a Doutrina, não é suficiente o conhecimento dos fenômenos psíquicos, nem bastante a frequência a sessões práticas. por outro lado, é imprescindível ter humildade, ser tolerante, demonstrar solidariedade fraterna, revelar espírito de renúncia e possuir a capacidade de compreender e perdoar – em todos os instantes da vida nova que se inicia com a adesão ao Espiritismo. A profissão de fé espírita não se revela na simples afirmativa pessoal de se haver aceito a Doutrina. Ela se faz no exemplo de cada momento, na luta permanente contra a imperfeição que nos induz à invigilância e à queda, no empenho com que, se tivermos mesmo a honesta intenção de ser espírita, reagimos contras as falhas do nosso comportamento diário, até que, no progredir vagaroso e por vezes intermitente, possamos alcançar a situação que nos conferirá a certeza de que, finalmente, nos encontramos no caminho da realização espírita.

            É preciso estudar e aplicar o Espiritismo no dia a dia da vida terrena, cheia de imprevistos, de desapontamentos, de decepções, de agruras, porque a exemplificação valiosa é a que se consuma nas ocasiões dolorosas, desesperadas, amaríssimas. “Ser” espírita nas horas de bonança é muito fácil e comum, mas prová-lo durante as longas angústias, no curso das tempestades, nos transes mais severos da provação, é que define a condição de espírita legítimo. Uma pessoa que aceite o Espiritismo e não cultive as virtudes cristãs não será, na realidade, um espírita.  Isso não acontece a todos, bem o sabemos, porque, segundo Bezerra de Menezes, “as capacidades de cada um são limitadas, quer físicas, quer intelectuais, quer espirituais. Com o andar do tempo, essas capacidades se desenvolvem, e o que não se compreende hoje se compreenderá amanhã ou depois”.

            A medida que, pelo estudo e através da observação das coisas e dos fatos, dos homens e do seu relacionamento humano, nos esclarecemos e mais capazes nos tornamos de buscar o referendo da exemplificação constante, ampliamos as nossas possibilidades de reforma, dando, simultaneamente, honesto testemunho doutrinário. Então, em tais condições, estudar é progredir, avançar, conquistar posições novas da peregrinação evolutiva. Só o estudo nos poderá conduzir à compreensão lúcida dos deveres morais e intelectuais de que necessitamos dar cumprimento, guardando fidelidade ao lema de Kardec: TrabalhoSolidariedadeTolerância. Precisamos, pois, estudar a Doutrina, estudar sempre, repassando tudo quanto já houvermos estudado anteriormente, porque verificaremos, ás vezes com surpresa, que novas verdades parecem surgir de trechos que já supúnhamos vencidos e esgotados. Estudar, para compreender; compreender, para assimilar; assimilar, para exemplificar; exemplificar, para viver verdadeiramente a Doutrina; viver verdadeiramente a Doutrina, para poder ser, na realidade, espírita; ser, na realidade, espírita, para transformar-se num colaborador de Jesus nas tarefas benéficas à humanidade.
                                                           *   *    *
            Nos quadrantes da vida humana, tudo é trabalho, pois assim entendemos qualquer esforço com um objetivo determinado. E o trabalho é uma bênção, uma lei que vigora no mundo físico e no mundo espiritual, quando a sua finalidade é boa e colima um fim benfazejo. “Tudo na Natureza trabalha”, foi  a resposta dada a Allan Kardec por Espíritos superiores. Assim, o trabalho é veículo do progresso, da evolução. Mas, para que o seja, obedece a um princípio de ordem. Para que haja ordem, indispensável se torna a disciplina, que educa e fortalece o caráter, e o estabelecimento de uma hierarquia de valores, formada do “status” evolutivo do grupo em tarefa. É claro que a natureza do trabalho está em relação com a das necessidades em jogo, mas é inegável que a posição de cada obreiro demonstra o nível de capacidade revelada. Compreende-se, por conseguinte, a realidade e a necessidade da hierarquia de valores, em qualquer parte, de qualquer espécie que ela seja. O igualitarismo reivindicado por ideologias encharcadas de demagogia é antinatural, falso, portanto, por contrário mesmo á justiça divina.

              Referimo-nos, é evidente, à igualdade intelectual, moral, espiritual, técnica e profissional. Todos somos iguais perante as leis divinas e as leis humanas, estas, porém, ao contrário daquelas, sujeitas às deficiências humanas. “O Livro dos Espíritos” esclarece: Deus criou iguais todos os Espíritos, mas cada um deles vive há mais ou menos tempo, e, conseguintemente, tem feito maior ou menor soma de aquisições. A diferença entre eles está na diversidade dos graus da experiência alcançada e da vontade com que obram, vontade que é o livre-arbítrio. Daí o se aperfeiçoarem uns mais rapidamente do que outros, o que lhes dá aptidões diversas. necessária é a variedade  das aptidões, a fim de que cada um possa concorrer para a execução dos desígnios da Providência, no limite do desenvolvimento de suas forças físicas e intelectuais. O que um não faz, fá-lo outro. Assim é que cada qual tem seu papel útil a desempenhar.”

            A igualdade do merecimento nem sempre é possível em qualquer setor de trabalho. A propósito, corroborando o que acima foi dito, achamos oportuno transcrever o seguinte trecho de ‘Os Quatro Evangelhos”, a magnífica obra mediúnica divulgada por J.-B. Roustaing, tomo I: “A oração agradável a Deus é o trabalho: trabalho da inteligência, trabalho do corpo. Cada um de vós deve trabalhar conforme a tarefa que lhe está confiada. Cada um de vós deve, pois, orar continuamente. Trabalhai, eis a oração; vigiai, isto é, garanti-vos, exercendo constante vigilância sobre vós mesmos.” Como se pode perceber, é perfeita a conjugação de ideias nas transcrições feitas.

            A igualdade nos induz à compreensão maior dos problemas humanos. O Espiritismo, como Religião, Ciência e  Filosofia, não está fora dessa realidade. Restrinjamo-nos, por exemplo, à sua parte moral, indiscutivelmente a mais relevante para a educação do homem. No que concerne à tolerância, não há como negar que é uma consequência racional do conhecimento que adquirimos no trato com os nossos semelhantes. Mas a ideia mais comum acerca da teoria do conhecimento trás consigo influências do pensamento materialista, de modo que a Federação Espírita Brasileira, sempre vigilante, vem procurando expungir do pensamento espírita ideias-clichês que não são verdadeiramente compatíveis com a essência da Doutrina. Predomina no mundo intelectual o conceito materialista, que rara e dificilmente faz concessões ao pensamento espírita. O ensino e a educação se assentam em alicerces materialistas, de modo que suas ideias prevalecem na mente dos alunos menos avisados, impedindo que possam ter uma concepção puramente espírita da vida e do Universo, por isso que, sem o sentir, volta e meia se encontram presos a concepções anti espíritas ou mistas, poluídas pelas aquisições feitas em ambientes de formação intrinsicamente materialista.

            Mas, não nos afastemos do objetivo deste artigo. O espírita esclarecido é imune ao dogmatismo, avesso à intolerância e adverso ao fanatismo. Por compreender o sentido altamente liberal da Doutrina, defende a fraternidade como base da solidariedade humana, pois é por meio desta que se pode atingir a libertação legítima, feita de mútua confiança e limitada ao direito de liberdade, também condicionada, de seus semelhantes, pois, na vida terrena, tudo gira em torno de incoercível relativismo. “A fraternidade, na rigorosa acepção do termo, resume todos os deveres dos homens, uns para com os outros. Significa: devotamento, abnegação, tolerância, benevolência, indulgência. É, por excelência, a caridade evangélica e a aplicação da máxima: Proceder para com os outros, como quereríamos que os outros procedessem para conosco. O oposto do egoísmo. A fraternidade diz: Um por todos e todos por um. O egoísmo diz: Cada um por si.” São palavras de Kardec. Fraternidade, pois, é, a um só tempo, solidariedade e tolerância. Ambas são indispensáveis ao êxito dos resultados do trabalho. Entende-se, portanto, que o dever do espírita é somar e multiplicar, jamais dividir, quando se trata de honrar o Espiritismo, de respeitar-lhe a Doutrina.

            Bezerra de Menezes, ao preconizar a união que se corporificou com o Pacto Áureo, nos fez entender que o Espiritismo, como expressão real do vero Cristianismo, é um todo indivisível. E, em outra ocasião, através de mensagem mediúnica, afirmou: Se, para compreender, estuda o homem cada uma das partes, nessa mesma subdivisão se perde ele, pois perde a visão do conjunto. Ninguém, por menos ajuizado, concluiria o todo duma única ínfima parte. Assim, cada um vê o que pode ver, e contente-se com esse olhar, de quem deseja enxergar alguma coisa.” E, adiante, assevera: “Cada conhecimento é um estímulo para novas pesquisas; cada letra tem sua ligação natural com a que lhe segue; cada gota adere à que a antecedeu.”  Como Religião, Ciência e Filosofia, o Espiritismo tem três setores que constituem um todo harmônico, homogêneo, importante.

            O advento do Pacto Áureo provocou manifestações de justa alegria, quer no mundo espiritual, quer no mundo material. E muito se vem trabalhando no sentido da unificação integral, embora a incompreensão de uns poucos irmãos de boa vontade mas de frágil entendimento dos deveres doutrinários. Todos sabemos que Kardec enfrentou, também serenamente, os incompreensivos, quando escreveu: “Outros ainda são mais habilidosos: pregando a união, semeiam a separação; destramente levantam questões irritantes e ferinas; despertam o ciúme da preponderância entre os diferentes grupos.” Vem, a propósito, então, de um estudo metódico e permanente que a Federação Espírita Brasileira faz de “Os Quatro Evangelhos”, por iniciativa, depois de 14 anos de estudo da obra, do Doutor Adolfo Bezerra de Menezes, então na presidência da Casa de Ismael. Não sabemos, entre os opositores, de alguém cuja autoridade moral e doutrinária supere a de Bezerra. Allan Kardec, repita-se uma vez mais, ao lê-la para fazer um registro na “Revue Spirite”, não a condenou, apenas externou um ponto de vista estritamente pessoal, pondo em dúvida a questão do “corpo fluídico”. “Ces observations subordonnées à la sanction de l’avenir. NE DIMINUENT EN RIEN L’IMPORTANCE DE CET OUVRAGE, qui, á côté de choses douteuses à notre point de vue, EM RENFERME D’INCONTESTABLEMENT BONNES ET VRAIES, ET SERA CONSULTÉ AVEC FRUIT PAR LES SPIRITES SÉRIEUX” (“Revue Spirite”, 9e année – nº 6 – Juin 1866 – Pages 190/192 – Notices bibliographiques – Les Évangiles expliqués – Par M. Roustaing). (“Essas observações, subordinadas à sanção do futuro, EM NADA DIMUNUEM A IMPORTÂNCIA DESSA OBRA QUE, ao lado de coisas duvidosas segundo o nosso ponto de vista, contém incontestavelmente muitas outras boas e verdadeiras, e SERÁ CONSULTADA COM PROVEITO PELOS ESPÍRITAS SÉRIOS.” Curioso é o que o ilustre e probo Codificador acentuou: “par les spirites sérieux”...

            Basta uma ligeira análise retrospectiva para a constatação de que o comportamento sempre adotado pela FEB em nenhum momento diferiu da linha tradicional fixada para se chegar pacificamente à conclusão de que jamais tergiversou em suas relações com as sociedades que lhe sãoa dessas, pois não as coagiu em qualquer ocasião, em oportunidade alguma tentou, sob que pretexto fosse, “acarretar para nenhuma perda ou diminuição da autonomia que adquiriu ao fundar-se e de que goze”, como sequer pensou em se impor, em busca da hegemonia, ou de exigir a aceitação da sua vontade. Continua fiel à Doutrina iluminada pelo Evangelho, permanece subordinada ao pensamento de Jesus e sabe que o Cristo tinha muito mais poder que os sacerdotes cristãos para impor uma crença determinada, e não a impôs, mas a pregou e deixou a cada um a liberdade de aceitar ou não sua doutrina(F. R. Ituarte – “Las Matemáticas de la Moral”)

            As vicissitudes por que passou Kardec tem sido úteis à Federação Espírita Brasileira, como bússula para, desde o começo, compreender o que já compreendera ele: “É frequente uma pessoa rejeitar a opinião de outra, por entender que se humilharia, caso se submetesse a essa opinião, e acatar sem dificuldades a de muitos outros”, considerando que ‘O ESSENCIAL É QUE SEJAM ACORDES NO TOCANTE AOS PRINCIPIOS FUNDAMENTAIS”. A natureza humana é muito variável e não são poucos os que preferem ficar na superfície do que ir, serena e imparcialmente, procurar o esclarecimento sério que se encontra, não raro, no fundo dos problemas. A ação impessoal, firme e equilibrada que tem tido a FEB lhe conferiu a sólida autoridade moral que até hoje se mantém incólume, autoridade alicerçada no lema – TrabalhoSolidariedadeTolerância. Sua ligação com as federadas  constitui exemplo extraordinariamente belo. Ligação de natureza consensual, encerra a finalidade de constituírem “um todo homogêneo, no qual, com o único objetivo de confraternização, concórdia e solidariedade, se verifique completa harmonia de vistas e unidade de programa”. Por que ou para que isso? A fim de que o Espiritismo cada vez mais se solidifique, para melhor alcançar seus elevados objetivos. Nem se compreenderia ocorresse um como que “inadimplemento” capaz de determinar um desvio “nocivo à fraternal harmonia que deve reinar entre todas as participantes da Organização Federativa”. Mas, a autoridade moral da Federação Espírita Brasileira permanece atenta aos interesses sagrados do Pacto Áureo, ciente de que “os que nenhuma autoridade admitem não compreendem os verdadeiros interesses da Doutrina” (Kardec, “Obras Póstumas”, pág. 317).

            Por sua origem, por sua constituição orgânica, por sua essência cristã, a Federação Espírita Brasileira é, moral e doutrinariamente, a Casa Máter do Espiritismo, dirigida pelo Anjo Ismael, intérprete da vontade de Jesus. E Ismael, em comunicação mediúnica por intermédio do grande médium Frederico Júnior, disse, entre outras coisas, o seguinte: Se a opinião isolada  do vosso bom Mestre Allan Kardec pode, de alguma sorte, influir no entendimento de alguns, fazendo-lhes crer que o Redentor do mundo viera revestir-se de matéria grosseira dos corpos comuns, para dar o exemplo das maiores virtudes, encaminhando a humanidade inteira para a terra da promissão, hoje, que todos os Espíritos bem iluminados afirmam que o nascimento de jesus foi todo aparente, que o seu corpo apenas se constituíra de fluidos concentrados no seio da sempre Virgem Maria, não há mais razão de ser para duas opiniões a tal respeito.” (“Elucidações Evangélicas”, pág. 562.)

            Não vemos razão séria para uma contestação intransigente, tanto mais que “Allan Kardec não possuía então, para sua demonstração, senão bases inteiramente hipotéticas, não se tendo ainda os fenômenos de materialização e tangibilidade produzido sob os aspectos que a ciência tem podido abranger depois da morte material do Mestre”, segundo opinião de Leymarie (que sucedeu ao Mestre da “Revue Spirite”, quando franqueou as colunas dessa revista para a controvérsia que aí se travou, em 1883. E Manuel Quintão lembrou que Kardec, “ao receber a obra de Roustaing, escreveu na “Revue Spirite” (1861): “Nada há nisso de materialmente impossível, para quem conhece as propriedades do envoltório perispiritual”, e relembra o que está escrito em “O Livro dos Médiuns”: “Não preconizamos nem criticamos obra alguma. Não nos pertence ser juiz e parte e não alimentamos  a ridícula pretensão de ser o único distribuidor da luz”.

            Em “A Grande Síntese”, lê-se: “Enquanto houver um só bárbaro que seja, na Terra, ele tentará rebaixar no seu próprio nível a civilização.” Meditamos sobre essa afirmativa e, depois, transformemos o sentido da frase: “Enquanto houver um só adepto incompreensivo, no Espiritismo, ele tentará rebaixar ao seu próprio entendimento o nível da Doutrina.” E será verdade isso, porque muitos supõem que é a Doutrina que deve ir a eles, quando eles é que devem ir à Doutrina. O Evangelho é o mais elevado processo de educação moral do homem; a Doutrina é um instrumento didático a serviço do Evangelho. Negar ou desconhecer o papel que a Federação Espírita Brasileira exerce no Espiritismo e, mais ainda, no Brasil; conhecer a sua posição e desmerecê-la, contestá-la, opor entraves ao seu trabalho, é desservir a causa do Espiritismo Cristão, é descrer do programa que ela, por mandato do Alto, vem executando dentro das possibilidades que encontra. Vem a pelo  citar , outra vez, “A Grande Síntese”, quando lembra que os povos precisam mais de guia do que de comando, enquanto não se acham maduros. Meditemos igualmente sobre o conteúdo de tais palavras. Vejamos que isto se aplica perfeita e irrefragavelmente à Federação Espírita Brasileira, pois ela tem sido, sempre, um guia bafejado pela influência do Anjo Ismael.

            A liberdade é um grande bem, quando compreendemos as obrigações e as responsabilidades que nos confere o seu uso. O homem, entretanto, somente será realmente livre quando se houver despojado do egoísmo, da vaidade, do orgulho, da revolta, da inveja, de despeito, buscando forças na humildade, na tolerância, na caridade, que é amor, no amor que é a mais perfeita forma de libertação. Mas, sem o Evangelho não há libertação integral, porque, repete-o, no prefácio da obra citada, o sempre lembrado e querido Guillon Ribeiro, “O Evangelho não é um absurdo psicológico, social, científico. Não é a negação: é afirmação de humanidade, de humanidade elevada ao divino”. E Emmanuel reitera: Vede, pois, que todos os vossos progressos e todos os vossos surtos evolutivos estão previstos no Evangelho. Todas as vossas ciências e valores, no quadro das civilizações passadas e no mecanismo das que hão de vir, estão consubstanciados na palavra divina e redentora”.

            A religião espírita não segue os caminhos das que a antecederam. Ela tem por escopo a educação, a reforma moral de cada um, em benefício da coletividade. Esse o caminho da Federação Espírita Brasileira.

            Lins de Vasconcellos escreveu em “Mundo Espírita” não haver motivo para celeuma pelo fato de a Federação Espírita Brasileira aceitar a obra apresentada por Roustaing, porque – notem bem – “não existe absolutamente, nem nunca existiu, um Espiritismo diferente do codificado por Allan Kardec”, frisando que “as demais ideias da obra de Roustaing não são discutidas pelos seus adversários. Só a questão insolúvel do corpo fluídico é que serve de pomo de discórdia, não havendo, todavia, imposição contra ninguém” (número de 22-7-1950). Para nós, o fato se assemelha á revolta das rãs que queriam um rei, quando elevam à categoria de dissenção uma simples bulha de alguns “espíritas” intolerantes em torno do ponto citado. Isso significa, comenta Guillon Ribeiro, apenas uma profunda incompreensão, da parte de muitos, do maior número talvez, do que é ser espírita. Se os que abraçam a Doutrina dos Espíritos se compenetrassem de que ser espírita é ser cristão e que ser cristão é um estado de alma, e uma questão de sentimentos paradigmados pelo modelo que o Pai nos proporcionou, nenhum desarmonia ou discórdia se produziria no seio da família espírita, por motivos de divergências de opiniões. Estas, entre os verdadeiros espíritas, podem divergir profundamente, sem que isto de modo algum afete a cordialidade dos sentimentos de bondade e tolerância de uns para com os outros, e menos ainda o da fraternidade completa que os deve caracterizar” (“Carta Doutrinária”, Reformador de setembro de 1950).

            A controvérsia é ociosa, inútil, inane. os que com isso se preocupam dão mais valor a essa atitude sem lastro evangélico do que aos deveres constantes da Doutrina. Repisam argumentos já pulverizados, porque não podem recorrer a outros, menos ocos e monótonos e imitam os camelôs das vias públicas, que gritam para chamar a atenção sobre si e sobre os “produtos” que consideram sem similar... Omitem-se na observância do Evangelho e da Doutrina, apodando a Federação Espírita Brasileira que, no dizer do Irmão X, é “O Santuário de Ismael”:

            “O templo de Ismael, cujo coração pulsa, ditoso, na Federação Espírita Brasileira, não conhece inimigos onde é defrontado pela injúria, e sim irmãos ignorantes, que se mostram credores de tolerância e esclarecimento. Não relaciona culpados, onde a justiça enxerga criminosos, e, sim, infelizes, carecentes de amparo e colaboração. Não identifica perseguidores, se a pedrada lhe surpreende os serviços, e sim desventurados que se recomendam ao concurso da prece. Não vê caluniadores, onde sofre o assédio da malícia ou da ingratidão, e sim companheiros intoxicados de personalismo destruidor, que se fazem dignos do mais amplo silêncio. E , num vasto programa de compreensão evangélica, prossegue libertando os espíritos emparedados no cárcere das sombras, amolecendo corações petrificados no egoísmo, elevando o nível de autoconfiança naqueles que se descobriram no âmago do despenhadeiro, distribuindo alegria com os desesperados, esclarecendo os que cobram tributos à insensatez e à ignorância, curando cegos e surdos sistemáticos, advertindo os que reprovam sem compaixão, consolando os que se restauram nos hospitais, reaquecendo as almas congeladas ao vento frio do desânimo, limpando a veste de quantos se precipitaram em antigos espojadouros de lama, eliminando a discórdia, educando a liberdade, controlando paixões, preparando a infância e a juventude para a dignidade do indivíduo e convidando criaturas de boa vontade para o reino espiritual do trabalho com o Divino Mestre, em favor das crianças e dos velhos, dos cansados e dos tristes, dos loucos e dos doentes, dos fracos e dos fortes, dos justos e dos injustos, dos bons e dos maus.   

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            “Grande templo de Ismael! Perdoa os peregrinos, em desespero, que te atravessam os pórticos sagrados sem alijar o barro das sandálias, auxilia a todos que ainda te não podem compreender e, de antenas erguidas para a Espiritualidade Superior, prossegue para diante, estendendo a Boa Nova a todos os quadrantes do mundo, sob o céu doce e claro do Brasil, em que resplandece, vitoriosa e sublime, a estrelada mensagem da Cruz!...” (Recebida por Francisco Cândido Xavier).

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            Nós nos curvamos, comovidos, ante as vibrações ternas, dessa maravilhosa mensagem do Irmão X. Sentimos profunda emoção ao reler essas palavras ungidas de justiça, que é amor, a definirem e exaltarem a grandiosa obra que, sob a égide de Ismael, a  Federação Espírita Brasileira vem realizando, com perfeita noção de suas responsabilidades perante Deus, perante Jesus, perante Ismael, perante a Humanidade.

            Sacudidos por falanges trevosas, o nosso mundo estremece, conturbado pelo personalismo egoísta, pela vaidade irrefreável, pela ambição de hegemonia, pelos pruridos de rebeldia e os impulsos de sedição. Há falta de humildade e por isso a tolerância se ausenta e a fraternidade deserta do coração dos homens. Jamais seremos espíritas, principalmente espíritas cristãos, se não cultivarmos a humildade, a paciência, a tolerância, a indulgencia e o perdão, se não trouxermos sempre na mente esta frase de Allan Kardec, ao referir-se aos obstinados em atitudes desfraternas, que perturbam a paz do trabalho e o trabalho da paz que devem existir toda a vida em nossos corações: “O orgulho é a catarata que lhes tolda a visão.”

                                            
Indalício Mendes
in ‘Reformador’ (FEB - Julho 1973)

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