sábado, 17 de setembro de 2011

Bezerra e "Os Quatro Evangelhos"


Bezerra e
 “Os   Quatro Evangelhos”

por  Boanerges da Rocha[1]


in ‘Reformador’ (FEB) Março 1972

            “ No Brasil, nenhum outro Espírito ainda se destacou mais do que Bezerra de Menezes o consolidador da Federação Espírita Brasileira e o orientador e chefe do cristianismo espírita entre nós” – escreveu o erudito confrade Canuto de Abreu. Dessa forma, reafirmou com clareza e ênfase a autoridade moral e espiritual daquele que, muito justamente, é chamado o “Kardec brasileiro”. Essa autoridade positiva e sem sombras, o Doutor Adolfo Bezerra de Menezes a construiu à força de demonstrações cotidianas da pureza de seu caráter, da bondade de seu coração, da espontaneidade de sua caridade, enfim, da legitimidade, que nem os mais renitentes de seus desafeiçoados gratuitos ousaram subestimar ou contestar, da sua perfeita integração com os princípios evangélicos do Cristo Jesus, que o Espiritismo cristão veio restabelecer no mundo.

            Consequentemente, Bezerra de Menezes, como homem, era inatacável, pelas peregrinas virtudes que exornavam o seu caráter adamantino. Como Espírito, ninguém desconhece a sua extraordinária atividade caritativa, por este Brasil imenso, no exercício do bem, vivendo o Evangelho no trabalho puramente cristão, com a mesma dedicação de quando ainda se encontrava encarnado, porém, com uma amplitude desmedida, graças aos recursos favorecidos por sua condição na Espiritualidade.

            Em suma, Bezerra de Menezes, antes de ser, como Espírito desencarnado, o grande servidor de Deus, socorrendo a humanidade pela via mediúnica, havia sido, na Terra, como ser humano, um magnífico exemplo de espírita cristão, cheio de qualidades, transbordando humildade e renúncia, caridade e disposição de servir, sem olhar sacrifícios. Pedro Richard, outro espírita evangélico que deu de si o máximo na seara da Terceira Revelação, deixou este depoimento consagratório, excelentemente sintetizado:

             “Difícil era saber-se o que mais se devia admirar naquele meigo espírito, se as virtudes, se o talento.” Bezerra, um “espírita de nascença”, conquistara o respeito geral, inclusive como o “Médico dos Pobres”. Dos Anais do Conselho Municipal do antigo Distrito Federal, consta a Ata da 23ª sessão ordinária, realizada em 16 de abril de 1900, que reproduz o discurso proferido pelo então Conselheiro Honório Gurgel, a propósito da desencarnação do eminente e altamente evangelizado Doutor Adolfo Bezerra de Menezes, discurso do qual extraímos o seguinte trecho:

 ...”a prova da pureza de sua alma, deu-a o ilustre morto quando abandonando a vida pública, foi viver para os pobres, repartindo com os necessitados as migalhas que possuía. Vi-o sempre correr pressuroso ao tugúrio dos pobres, onde houvesse um mal a combater, levando ao aflito o conforto da sua palavra de bondade, o recurso da sua ciência de médico e o auxílio da sua bolsa minguada e generosa.”

            Por onde passara, um rastro luminoso do seu coração permanecia indelével, inapagável. Até no ambiente político, onde as vicissitudes não o pouparam, sobraram testemunhos, como o acima citado, do seu enorme valor moral, da sua cultura vasta, da sua inteligência brilhante e do seu amor à verdade, virtudes que ornaram de invulgar encanto a sua personalidade extraordinária.

            Sílvio Brito Soares, em “Vida e Obra de Bezerra de Menezes”, transcreve trechos do “Esboço do Espiritismo no Brasil” do qual, com a devida vênia, nos permitimos reproduzir algumas linhas a respeito do “Kardec brasileiro”:

            “Bezerra de Menezes  era, além disso, como todo trabalhador do pensamento, médium inspirado, contando, para maior brilho de sua oratória, com uma assistência espiritual de primeira ordem, daí – como muito bem acentuou outro grande e inolvidável presidente da Federação Espírita Brasileira, Leopoldo Cirne – resultando que “a sua eloquência nos assuntos doutrinários empolgava e convencia”.” E o autor da obra supracitada recorda estas outras palavras de Cirne: “Era um missionário – e não há exagero na qualificação – talhado para, ao mesmo tempo que salvava da ruína material, que não afetava o seu programa doutrinário, absolutamente respeitável, a Federação Espírita Brasileira, encaminhá-la, todavia, no rumo, a nosso ver, mais adequado à finalidade suprema da Nova Revelação, isto é: implantar na sociedade central, que seria o eixo de coordenação das associações nacionais, o culto dos ensinamentos evangélicos.”

            À colônia portuguesa, tocada pela grandeza de tão grande homem, prestou-lhe significativa homenagem, num cartão de prata, com as seguintes palavras:

            “Tributo do maior respeito e consideração que, em homenagem ao grande talento e honrado caráter do Dr. Adolfo Bezerra de Menezes, consagram os súditos portugueses, residentes nesta Corte. – Rio de Janeiro, 8 de dezembro de1879.”  

            Esse cartão de prata foi colocado na moldura de um retrato de Bezerra, a óleo, em tamanho natural, que, frisa Sílvio Brito Soares, “deve continuar a fazer parte da coleção pictórica da hoje Assembleia do Estado da Guanabara””, pois aduz, “figurava na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, situada na Praça Floriano.

            Do mesmo modo, Canuto Abreu, em suas notas biográficas sobre Bezerra de Menezes, realça o saliente papel por ele desempenhado no ingente trabalho de divulgação da Doutrina Espírita, escrevendo em “O Paiz”, sob a pseudônimo de Max.
           
            “Os artigos de Max, pseudônimo de Bezerra de Menezes, marcaram a época de ouro da propaganda no Brasil. De novembro de 1886 a dezembro de 1893, fim do quarto período, escreveu ininterruptamente, ardentemente. A nosso ver, e desafiamos contestação, nunca esses artigos foram superados por outros, antes ou depois. Chamamos para eles a atenção não só dos velhos, como principalmente dos novos, que usam da palavra e da pena em prol do Espiritismo. Não possuímos em língua portuguesa maior repertório doutrinário do Kardecismo. Ninguém falou com maior eloquência, maior sinceridade, maior lógica. Seus formosos pensamentos deviam ser repetidos e propalados amiúde, pois somente relendo e divulgando Max poderão  os seus discípulos compreender quanto de errado, quanto de confuso e quanto de ignorância se tem propalado depois dele e em nome da mesma doutrina que ele elevou às culminâncias[2]. A leitura de Max devia ser obrigatória, como a leitura de Kardec, para todos que entram.”

            Parece-nos estar fixada a altitude moral e intelectual de Bezerra de Menezes, nas linhas acima.

            Entristece-nos, pois, mais do que nos espanta, a afirmativa leviana de alguns poucos correligionários contrários à obra mediúnica “Os Quatro Evangelhos” recebida pela médium sonambúlica Emília Collignon, senhora de respeitáveis virtudes, e, por determinação dos Espíritos superiores que a ditaram, entregue ao Doutor Jean-Baptiste Roustaing, homem de ilibada moral, espírita convicto, figura d enorme prestígio no mundo jurídico frances de sua época, para coordená-la e divulga-la, para esclarecimento da humanidade, no que concerne ao Evangelho de Jesus e à doutrina codificada pelo querido mestre Allan Kardec; entristece-nos, sim, mais do que nos espanta, a ousada e leviana afirmativa de ser a monumental obra proveniente de Espíritos mistificadores.

            Acabrunha-nos, ainda que já não mais nos surpreenda, a contradita fundada na repetição de argumentos cediços, sem base lógica, tantas vezes destruídos, ponto por ponto, sem a necessidade de evitar ou ultrapassar o âmbito dos ensinamentos do Espiritismo, pois confrades do gabarito de Leopoldo Cirne, Manoel Quintão, Guillon Ribeiro, Ismael Gomes Braga, que não podem honestamente sofrer quaisquer restrições, quer de ordem moral, intelectual e doutrinária, demonstraram, comprovaram a inanidade – pois não queremos ir além desta expressão – dos raciocínios empregados reiteradamente, denunciando lamentável intolerância incompatível com os princípios da própria Doutrina, ou uma hostilidade de caráter obsessivo digna, sem dúvida, da misericórdia divina.

            É claro que não se pode exigir de ninguém  a sobriedade e a elegância que teve Kardec ao apreciar tão admirável trabalho mediúnico, opondo suas restrições pessoais sobre alguns pontos, que “em nada diminuem a importância da obra” (sic) mas de certo modo recomendando-a, ao dizer que “será consultada com proveito pelos espíritas conscienciosos”. Todavia, cada qual tem o direito de pensar como queira, pois “o Espiritismo proclama a liberdade de consciência como direito natural; respeita a convicção sincera e pede reciprocidade” (Obras Póstumas)..
           
            Estávamos, na parte anterior deste artigo, ocupados em relembrar a figura inconfundível do Doutro Bezerra de Menezes, ainda hoje reverenciada por milhões de espíritas, dentro e fora do Brasil, que se curvam humildemente ante seus atributos do benfeitor da humanidade, quando encarnado e até hoje, na Espiritualidade, a cumprir a benemérita missão de verdadeiro discípulo de Jesus, mitigando dores e aflições com a sua falange de bondosos colaboradores. pois bem. Foi Bezerra de Menezes que, “após catorze anos de estudos, então presidente da Federação, resolveu publicar a tradução da obra de Roustaing, iniciando a publicação em “Reformador” de 15 de janeiro de 1898, ou seja – nos fins do século XIX”.  “livro que só muito mais tarde seria publicado, diante do elevado custo por que ficaria a impressão”. Todavia, antes mesmo que fosse fundada a Federação, já eram “Os Quatro Evangelhos” estudados por diversos confrades, juntamente com as obras da Codificação, como continua sendo metodicamente feito na Federação Espírita Brasileira, seguindo orientação das mensagens mediúnicas que assim recomendavam:

            “Reunidos em nome de Ismael, não tendes outros deveres senão estudar os Evangelhos à luz da Santa Doutrina” (Allan Kardec). “A missão dos Espíritas, no Brasil, é divulgar o Evangelho em espírito e verdade” (Ismael). “A cada povo a sua tarefa. A vossa, a maior, é o Evangelho: tendes de educar os corações” (Urias).

            É crível que um Espirito da elevação de Bezerra de Menezes, encarnado para uma missão sublime, cometesse erro tremendo de ofender o nome de Jesus, aceitando uma obra, a que se ligou o nome de Roustaing, ditada por Espíritos mistificadores?  É crível que, depois de regressar ao Mundo Invisível, insistisse no ultraje de apoiar uma doutrina sacrílega, com o beneplácito  do Anjo Ismael e de outras personalidades espirituais que estão infinitamente acima daqueles que, na Terra, ainda se debatem nas próprias limitações?

            Também o nobre Espirito Bittencourt Sampaio, que foi homem de elevado caráter na Terra, espírita militante e acatado, referiu-se a “Os Quatro Evangelhos”, através da mediunidade sonambúlica do famoso médium Frederico Júnior, desta maneira clara, insofismável, positiva:

                ... a “Revelação da Revelação, que os Evangelistas Mateus, Marcos, Lucas, João, assistidos pelos Apóstolos, transmitiram pelo lúcido médium Sra. Collignon, em 1861, a João Baptista Roustaing, REVELAÇÃO CONFIRMADA pelos nossos protetores e Guias, SEM DISCREPANCIA DE UMA VIRGULA, e que, portanto, MERECE TODA FÉ, COMO VERDADE INCONTESTAVEL, etc (grifos e destaques em versal, nossos).

            Bezerra de Menezes sempre nutriu profundo respeito por Allan Kardec, como homem e como missionário do Espiritismo, o que, entretanto, sem faltar à consideração devida ao ilustre Codificador, não o impediu de por todos os pontos nos ii, em atenção à verdade, de que sempre se fez servo: “Allan Kardec, Espírito preposto por Jesus para reunir em um corpo de doutrina ensinos confiados, pelo mesmo Jesus, ao Espírito de Verdade, constituído por uma legião de Altíssimos Espíritos, só apanhou o que estes deram – e estes só deram o que era compatível com a compreensão atual do homem terreal.”  E: “Eis aí que já apareceu Roustaing, o mais moderno missionário da lei, que em muitos pontos vai além de Allan Kardec, porque é inspirado como este, mas teve por missão dizer o que este não podia, em razão do atraso da Humanidade. Não divergem no que é essencial, mas sim no modo de compreender a verdade, porque esta, sendo absoluta, nos aparece sob mil fases relativas – relativas ao nosso grau de adiantamento intelectual e moral, que um não pode dispensar o outro, como as asas de um pássaro não se podem dispensar, para o fim de ele se elevar às alturas”.  

            Para reforçar seu pensamento prodigiosamente forte, Bezerra de Menezes ajuntou: “Roustaing confirma o que ensina Allan Kardec, porém adianta mais que este, pela razão que já foi exposta acima.” E frisa, de modo definitivo: “É, pois, um livro precioso e  sagrado o de Roustaing; mas o autor, não possuindo, como homem, a vantagem que faz sobressair o trabalho de Allan Kardec, de clareza e concisão, torna-o bem pouco acessível às inteligências de certo grau para baixo”. (Essas considerações, Bezerra as fez ao salientar o valor do livro “Elucidações Evangélicas”, de Antônio Luiz Sayão).

            Poderíamos acrescentar maiores elementos comprobativos. Este artigo, no entanto, se alongou por demasia. Queremos apenas dizer que, considerar mistificadores os Espíritos que ditaram “Os Quatro Evangelhos”, é escarnecer da sabedoria de Deus e tripudiar sobre a tarefa bela e profunda de que o meigo Nazareno foi incumbido, assim como da eficiência com que Espíritos portadores de grande humildade desempenharam, sujeitos às contingências humanas, cada qual em seu setor, dentro de suas respectivas posições, o papel que lhes reservara o Cristo.

            Acoimar de mistificadores os Espíritos que deram à humanidade obra de tão excepcional valor é desconhecer os princípios morais que ela contém, é menoscabar o discernimento daqueles que a adotaram como obra verdadeiramente subsidiária, além de denotar ausência de respeito à gigantesca empreitada de esclarecimento e de ensino ao mundo terreno, executada sob a direção da Espiritualidade mais Alta.

            Muita, muitíssima razão teve o valoroso Espírito Bittencourt Sampaio no dizer, com o caráter de providencial advertência: “LER, ESTUDAR, COMPREENDER E PRATICAR: EIS O GRANDE PROBLEMA.”




[1] Indalício Mendes

[2] Pergunta do blogueiro: E o que estamos lendo nós?


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