sexta-feira, 12 de agosto de 2011

A Única Dádiva



A Única Dádiva

                Conta-se que Simão Pedro estava descansando, depois de vinte dias junto ao povo. Banhara ferimentos, alimentara mulheres e crianças esquálidas, e, em vez de receber a aprovação do povo, recolhia insultos velados, aqui e ali...

                Após três semanas consecutivas de luta, fatigara-se e preferira isolar-se entre alcaparreiras amigas.

                Por isso mesmo, no crepúsculo anilado, estava ele só, diante das águas, a refletir...

                Aproxima-se alguém contudo... Por mais que busque esconder-se, sente-se procurado. É o próprio Cristo.

                “- Que fazes, Pedro?” diz-lhe o Senhor.

                “- Penso, Mestre”

                E o diálogo prolongou-se.

                “- Estás triste?”

                “- Muito triste.”

                “- Por que?”

                “- Chamam-me de ladrão.”

                “- Mas se a consciência não te acusa, que tem isso?”

                “- Sinto-me desditoso. Em nome do amor que me ensinas, alivio os enfermos e ajudo os necessitados. Entretanto, injuriam-me. Dizem por aí, que furto, que exploro a confiança do povo...

                Ainda ontem, distribuía os velhos mantos que nos foram cedidos pela casa de Carpo, entre os doentes chegados de Jope... Alegou alguém, inconsideradamente, que surrupiei a maior parte... Estou exausto, Mestre. Vinte dias de multidão pesam muito mais que vinte anos de serviço na barca...”  

                “- Pedro, que destes aos necessitados nestes últimos vinte dias?”

                “- Moedas, túnicas, mantos, ungüentos, trigo, peixe...”

                “- De onde chegaram as moedas?”

                “- Das mãos de Joana, a mulher de Cusa.”

                “- As túnicas?”

                “- Da casa de Zobalan, o curtidor.”

                “- Os mantos?”

                “- Da residência de Carpo, o romano que decidiu amparar-nos.”

                “ - Os unguentos?”

                “ - Do lar de Zebedeu, que os fabrica.”

                “- O trigo?”

                “- Da seara de Zaqueu, que se lembra de nós...”

                “- E os peixes?”

                “- Da nossa pesca.”

                “- Então, Pedro?”

                “- Que devo entender, Senhor?”

                “ - Que apenas entregamos aquilo que nos foi ofertado para distribuirmos, em favor dos que necessitam.      A Divina Bondade conjuga as circunstâncias e confia-nos, de um modo ou de outro, os elementos que devamos movimentar nas obras do bem... Disseste servir em nome do amor...”

                “- Sim, Mestre...”

                “- Recorda, então, que o amor não relaciona calúnias, nem conta sarcasmos.”

                O discípulo, entremostrando súbita renovação mental, não respondeu.

                Jesus abraçou-o e disse apenas:

                “- Pedro, todos os bens da vida podem ser transmitidos de sítio a sítio e de mão em mão... Ninguém pode dar, em essência, esse ou aquele patrimônio do mundo, se não o próprio Criador, que nos empresta recursos por Ele gerados na criação... E, se algo podemos dar de nós, o amor é a única dádiva que podemos fazer, sofrendo e renunciando por amar...”

                O apóstolo compreendeu e beijou as mãos que o tocavam de leve.
Em seguida, puseram-se a falar alegremente sobre as tarefas esperadas para o dia seguinte.

                                                                            Irmão X   por Chico Xavier

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