terça-feira, 23 de agosto de 2011

02 / 09 Textos do Centenário


Alvorada de luz
num mundo de trevas

por Indalício Mendes
in Reformador (FEB) Abril 1957

Parte 2 / 3

Renascença – ponto de partida

     Considerando-se a correlação  dos fatos históricos, sob a influência da lei de causa e efeito, assinalamos o período da Renascença, no século XIV, como ponto de partida das ideias que viriam a se projetar no século XIX, cristalizando-se, em seu aspecto mais importante, na obra profundamente humana de Allan Kardec, através da Codificação do Espiritismo, cujo marco principal é justamente o Livro dos Espíritos.

     Quando se iniciou o movimento renascentista, que se estendeu ao século seguinte, as ideias, enclausuradas nas trevas do ultramontanismo intolerante, começaram a reagir em busca da liberdade, com o ressurgimento das letras e das artes na Itália. Isto significa o declínio da Escolástica, expressão negativista da história do pensamento humano, indicando sua decadência definitiva. Era o despertar da Humanidade para dias mais claros. Era a Idéia, entorpecida pelos horrores medievais, que sacudia valorosamente para longe as grilhetas que lhe impediam o vôo. Uma série de eventos notáveis contribuíam para isso, entre eles a descoberta da América, a invenção imprensa, etc. Inaugurava-se  uma fase nova para a Humanidade e a Renascença, que mais tarde alcançaria todo o esplendor, iria marcar o período de transição da Idade Média para a Idade Moderna. Esse sopro renovador e libertador ia crescendo incessantemente, em todos os sentidos, não sem resistência, não sem lutas tenazes e perigosas. As forças coartoras sentiam dificuldades que jamais haviam imaginado.

     Para se avaliar o poder de que ainda dispunham essas forças, remontemos a um passado mais longínquo, na palavra de Rossi di Giustiniani: “...as cruzadas se organizaram; milhões de homens, chamados “os bravos soldados do Cristo”, partindo da França, da Inglaterra, da Itália, da Espanha.  Um monge fanático conduziu-os através do mundo. Urbano II, a tiara na cabeça e a espada na mão, pregou na grande praça de Clermont, em Auvergne, a primeira cruzada. “Soldados – gritou ele – já que vos falta sangue, banhai-vos no sangue dos infiéis.” Essas monstruosidade, essas aberrações do espírito humano não bastaram. As cruzadas contra os infiéis não eram senão o prelúdio da grande e terrível cruzada contra as consciências. Chama-se  ela a Inquisição e mal apareceu no mundo viram-se milhares de fogueiras iluminando a Europa. Filósofos como Lucílio Vanini e Giordano Bruno são queimados vivos, o primeiro na França, o outro em  Roma, no campo de Fiore; João Huss e Jerônimo de Praga morrem nas chamas, e Galileu, na idade de 75 anos, teve de ajoelhar-se diante de um auditório fanático e forçado a declarar absurda a maior das verdades.” (3) Não foram somente as luzes do pensamento filosófico que iluminaram a Renascença, mas também  as chamas das fogueiras inquisitoriais. “Liorente, o historiador da Inquisição, calcula que Torquemada, monge dominicano, confessor da rainha Isabel, e seus colaboradores, queimaram, no espaço de dezoito anos, dez mil e duzentas e vinte pessoas vivas, seis mil e trezentas e sessenta em efígie e aplicaram diversas penas e noventa e sete mil e trezentas e vinte  uma outras pessoas. Apesar de todas as perseguições contra a liberdade de consciência, apesar da Igreja Romana, que queria impor suas crenças ou punir aqueles cuja ortodoxia fosse suspeita, as crenças espiritualistas não deixaram jamais de ocupar todas as inteligências. Desnaturadas por um falso cristianismo que impunha como dogma um inferno povoado de demônios e um paraíso onde a alma se destina a ficar eternamente inativa em contemplação diante do seu Criador, essas crenças se tornavam um espantalho ou uma esperança vaga e incerta para os crentes timoratos”. (4)

     A guerra prosseguia, não obstante as medidas de repressão. Os filósofos reconheciam o perigo, mas pressentiam que era preciso enfrentar todos os riscos, sem os quais a Humanidade continuaria humilhada e escravizada. Provocavam o sectarismo homicida, as torturas, a prisão, a morte na fogueira, no cepo ou na forca e com isso empurravam para a frente as ideias libertadoras que sustentavam. Surge o italiano Pico de La Mirandola, defendendo doutrinas que suscitaram feroz reação dos teólogos. Depois, o alemão  Reuchlin, sucedendo a Mirandola, introduziu na Alemanha suas ideias. A rebeldia se alastrava, a perseguição crescia. O ambiente ainda era pesado, mas se desanuviava lentamente. O francês Ramus, que se aponta como precursor de Descartes, caía vítima da intolerância teológica e Leonardo Da Vinci rendia-se  a humilhações em nome de um deus desfigurado, que não era o Deus de amor revelado por Jesus. Vem Tommaso Campanella, combate a escolástica, preconiza o método experimental, é caçado e durante vinte e sete anos sofre numa masmorra sombria e úmida pelo crime de querer pensar livremente!

     Campanella teve a ousadia de escrever, em A Cidade do Sol, que “os habitantes solares não temem a morte, porque todos acreditam na imortalidade da alma, que, ao sair do corpo, é acompanhada pelos Espíritos bons ou maus, conforme o tenha merecido na vida terrestre.” (Pág. 39, edição brasileira) Aí está uma afirmativa substancialmente espírita.

     “Não é possível dar aqui a lista de todos aqueles que tiveram de pagar com a vida ou com os mais cruéis suplícios uma frase, um pensamento que ferisse mesmo de leve a rígida couraça dos dogmas. Apenas recordaremos João Huss, condenado a ser queimado vivo por ter escrito trinta e nove proposições que o concílio de Constança julgou heréticas; Jerônimo de Praga, Savonarola, um audacioso e  eloqüente dominicano, que se aventurara a investigar a corrupção clerical, tiveram a mesma sorte; Cerneschi, protonotário apostólico, Aônio Pelearius, professor de eloqüência em Milão, condenados à fogueira por determinação do santo Pio V, segundo Fallou, na História Apologética que escreveu desse pontífice; Vanini, porque considerava Deus não a causa, mas a substância do mundo, apesar dos argumentos  com que procurava convencer os inquisidores de que não era ateu, foi horrivelmente torturado e queimado vivo. Antes de acender-se a fogueira, conta Grammond em sua História Gall, ab Henrie IV, ordenou-se-lhe que estirasse a língua para ser cortada. Ele recusou-se. O carrasco só o pode conseguir com tenazes de que se serviu para prendê-la e cortá-la. Nunca se ouviu um grito mais horrível. O resto do seu corpo foi consumido pelo fogo e as suas cinzas lançadas ao vento.” (A. Fouillée – Histoire de La Phisolophie, pág. 278) (5)

                                          Prenúncio da Enciclopédia


     Muitos outros mártires teve a luta pela emancipação  do pensamento. Antigos sistemas filosóficos renasciam e se assistia ao florescimento de novas ideias. A Renascença foi, por assim dizer, o brado de liberdade intelectual do homem. A escuridão dos dogmas absurdos paradoxalmente se consumia também nas labaredas da Inquisição... Todavia , o que a espancava era uma luz mais forte, mais digna, mais bela: a luz das consciências redimidas, após séculos de aviltante cativeiro Essa aurora de liberdade ofuscava os monstros do obscurantismo, religioso e da tirania ultramontana. Pontos de vista, que outrora significavam a morte, eram bravamente expostos e encontravam eco no coração do povo. Despontava no século XVIII a era da Enciclopédia, refletindo a influência da Renascença. De quando em quando, como uma revivescência do passado ignominioso, ainda se verficavam assomos de intolerância religiosa, prestigiadas por governantes fracos que impunham restrições à inteligência e ao pensamento, em nome de dogmas falidos, desmoralizados pela Ciência e pela lógica dos fatos.

     Denis Diderot funda a Enciclopédia e reúne em torno de si homens da envergadura de D’Alembert Voltaire, Montesquieu, Rousseau, etc. O movimento das ideias era cada vez mais intenso e os ânimos se tornavam progressivamente mais agressivos. As antigas instituições pareciam vacilar ante os  ataques dos enciclopedistas. À Igreja continuava a prestar contas de seus desmandos, através de séculos de dominação e de excessos incompatíveis com os princípios morais e religiosos do Cristianismo. Nessa contenda tremenda e grandiosa entre a treva e a luz, jogava-se o futuro intelectual, científico e social do mundo. “O primeiro volume da famosa publicação apareceu em 1751 e o êxito que alcançou foi verdadeiramente extraordinário. Eram, porém, já tantos os partidários e defensores da obra, que, pouco depois, o mesmo governo que a proibira mandava sub-repticiamente insistir com os respectivos dirigentes para que continuassem a dá-la a lume, sob o pretexto de que o grande êxito dela se refletia no esplendor literário da França.” (6)

     Helvétius, em certa ocasião, escreve que “o melhor dos governos era o governo arbitrário sob princípios justos, humanos e virtuosos.” Diderot, replicando, diz que “um bom tirano é mais perigoso que um mau. Sob sua autoridade, forma-se o hábito de obedecer às ordens sem exercer sobre elas as verificações necessárias. Cai-se assim “num sono pesado e doce, mas num sono de morte”. Esses são os padres de todas as religiões e especialmente os padres católicos que conservam no mundo a superstição do direito divino. Tanto mais que esses padres, que mantêm a intolerância, encorajam as perseguições, vivem da ignorância e da tolice pública.” (7) Por essas palavras de Diderot, pode-se ter uma ideia do estado dos espíritos em tão atribulada época.

                        O Esforço de Rousseau


     Empenhados em repelir a ação clerical, que e fazia sentir principalmente através dos poderes públicos, os enciclopedistas  passaram do idealismo construtivo inicial para o extremismo dos postulados materialistas, onde se proclamava o ateísmo, insuflando nas camadas incultas idéias tão negativas quanto aquelas que eles combatiam, na incontida
ânsia de liberdade. Em consequência, Jean Jacques Rousseau, que mantinha intactos seus princípios religiosos, afastou-se, resguardando suas convicções religiosas da incompreensão dos antigos companheiros. Achava Rousseau, “que seguiu sempre, muito de perto, a doutrina do Evangelho” (8), que tal orientação só podia ser nociva à Humanidade. Referindo-se a essa doutrina, afirmava: “Eu a amei, eu a adotei, propaguei, expliquei, liguei-me a ela com todo o zelo de meu coração. Todos os meus escritos respiram o mesmo amor pelo Evangelho e a mesma veneração por Jesus-Cristo. Nada se compara ao Evangelho. É preciso conservar este livro sagrado como sendo a regra do Mestre e os meus como os comentários de discípulo.” (9)

     Esse filósofo, que influiria mais tarde no espírito de Pestalozzi, mestre de Allan Kardec, arrostou os maiores riscos, mas externou seus pensamentos corajosamente. No Contrato Social, escreveu: “Quanto aos dogmas negativos, eu os reduzo apenas um: a intolerância. Ela pertence às religiões que nós excluímos. Agora que não mais existe nem pode existir religião nacional exclusiva, são toleradas todas aquelas que toleram as outras, desde que os seus dogmas nada tenham de contrário aos deveres do cidadão. Mas aquele que ousar dizer que “fora da Igreja não há salvação”, deve ser expulso do Estado.” (10) E salienta com admirável propriedade de expressão: “A religião do homem, sem templos, sem altares, sem ritos, limitada ao culto puramente interior do Deus Supremo e aos deveres eternos da moral, é a pura e simples religião do Evangelho, o verdadeiro teísmo e o que se pode chamar direito divino natural.” (11)

     Aí temos, entre essa doutrina e o Espiritismo de Kardec, a mais absoluta identidade. Evidentemente, tão lindas expressões da verdade não ficariam isentas, como não ficaram, da reação do negativismo negro. Rousseau conheceu amarguras e decepções, inclusive da parte do filósofo inglês Hume, em cuja casa, na Inglaterra, procurara abrigo, ao deixar a França, onde sua vida se encontrava por um fio. As páginas de Emílio eram vergastadas de luz: “Não confundamos o cerimonial  com a religião. O culto que Deus pede é o culto do coração, e este, quando é sincero, é sempre uniforme. Deus deseja ser adorado em espírito e em verdade, e esta obrigação pertence a todas as religiões, a todos os países, a todos os homens.” (12) Na sua doutrina estava estruturado o conceito espírita da vida e da religião!

     O arcebispo de Paris, Christophe de Beaumont, em uma circular, põe em evidência os pontos em que o Emílio está em contradição com o dogma católico. Rousseau responde-lhe por uma carta: “Tenho a Escritura e a razão como as únicas regras da minha crença; recuso a autoridade dos homens e não pretendo submeter-me às suas fórmulas, a menos que nelas perceba a verdade.” (13)

     Estavam plantadas pelos enciclopedistas as sementes da Revolução Francesa. Jean Jacques Rousseau, com o seu cristianismo limpo e sincero, que jamais concordaria com as atrocidades que ensanguentaram o movimento de 1789, deixou o rastro luminoso de seu idealismo vigoroso, rastro que iria servir, no futuro, a outros homens de coração generoso e de pensamento superior, entre eles João Henrique Pestalozzi , encarnado a 12 de Janeiro de 1746, em Zurique.

                            Afinidades de Pensamentos

    
 A pureza filosófica de Rousseau sobreviveu. Um seu compatriota, que posteriormente se celebrizaria como um revolucionário nos domínios da educação entusiasmou-se por ele. Referimo-nos a Pestalozzi. “Havia notável afinidade entre Pestalozzi e seu ilustre contemporâneo e conterrâneo, Jean Jacques Rousseau. Eram ambos suíços, descendiam ambos de famílias protestantes e tinham  o mesmo temperamento exaltado e sonhador. Rousseau era trinta e quatro anos mais velho, e seus livros exerciam já extraordinária influência entre os pensadores da época. Bem poucos livros no mundo terão despertado tão profundo interesse como o Emílio. Sabe-se que Kant saía diariamente, a hora determinada, para o seu passeio pelas ruas de Köenigsberg. E era tão metódico e pontual, que os habitantes da cidade costumavam acertar os relógios quando o viam aparecer. Certo dia, o filósofo não apareceu.  Causou isso estranheza ao espírito daqueles que haviam habituado a vê-lo aquela hora certa. Que de estranho havia acontecido? Simplesmente isto: Kant recebera o novo livro de Rousseau, o Emílio, e de tal modo ficara absorvido na sua leitura que se esquecera do passeio habitual.

     “O Emílio havia de operar também completa revolução na vida de Pestalozzi. Este leu e releu, com uma espécie de delírio, esta grande obra da época; e, fascinado pelas ideias do autor, pôs de lado todas aquelas obras iniciadas sobre História, Filosofia e Direito, para dedicar-se ao estudo da educação e buscar, no seio da Natureza, a sabedoria e a felicidade para o homem. Desde então, o seu desejo era fazer-se educador.” (14) De tal modo Pestalozzi se empolgou por essa determinação, que realizou o seu sonho, com sacrifícios sem conta. Mais tarde se instalou no velho castelo de Yverdon, que fora de Carlos, o Temerário, e servira depois como prisão de Estado. Ali permaneceu vinte anos, lutando, sofrendo, mas sempre fiel aos seus ideais.

                            Kardec, Rousseau e Pestalozzi


     Hippolyte Léon Denizard  Rivail foi durante oito anos (15) um doas mais conceituados alunos do famoso pedagogo Pestalozzi, deste havendo recebido elevadas e constantes lições de dedicação ao próximo, principalmente através dos seus numerosos exemplos.

     Pestalozzi era bom e tolerante, como bom e tolerante fora Rousseau, como bom e tolerante seria em toda a sua vida Hippolyte Léon Denizard Rivail, o nosso amado Allan Kardec. 
Todavia, compreenderam que era preciso lutar contra a deturpação do Cristianismo e restabelecer na Terra o princípio decorrente da Lei Áurea de Jesus, segundo o qual “o bem da Humanidade consiste – disse Th. Huxley – em que cada um goze de toda a felicidade que  puder, sem diminuir a de seus semelhantes.” (16) Não fazendo a outrem o que não desejarmos nos seja feito, estaremos fiéis à lição do Cristo. Rousseau e Pestalozzi basearam na educação do homem a reforma da Humanidade, princípio igualmente encontrado na doutrina codificada por Allan Kardec: “A desordem e a imprevidência são duas chagas que só uma educação bem entendida pode curar. Esse o ponto de partida, o elemento real  do bem-estar, o penhor da segurança de todos.” (17).

     Para se ter uma ideia ligeira da afinidade de ideias existentes entre Rousseau e o espiritismo, faremos o confronto destes trechos:

     Rousseau – “Se a alma é imaterial, ela pode sobreviver ao corpo; e, se sobrevive, a providência é justificada. Mesmo quando não tivesse outra prova da imaterialidade da alma, a não ser o triunfo do mau e a opressão do justo neste mundo, só isto me impediria de duvidar dela. Uma contradição tão manifesta, uma tão chocante dissonância na harmonia universal, faria que eu procurasse resolvê-la. Tudo não acaba para nós com a vida, tudo retorna à ordem por ocasião da morte. Terei, é certo, dificuldade em saber onde está o homem quando tudo o que ele possuía de sensível foi destruído. Mas esta questão já não é uma dificuldade para mim, desde que reconheço duas substâncias.” (18) “Não me pergunteis ainda se os tormentos dos maus são eternos, e se a bondade do Criador dos seres consiste em condená-los a sofrer eternamente... Todavia, tenho dificuldade em crer que sejam condenados a tormentos eternos. Se a suprema justiça se vinga, ela se vinga já nesta vida.” (19)

     O livro dos Espíritos (Kardec) – A reencarnação se funda “na justiça de Deus e na revelação, pois incessantemente repetimos: O bom pai deixa sempre aberta a seus filhos uma porta para o arrependimento. Não te diz a razão que seria injusto privar para sempre da felicidade eterna todos aqueles de quem não dependeu o melhoramento? Não  são filhos de Deus todos os homens? Só entre os egoístas se encontram a iniquidade, o ódio implacável e os castigos sem remissão.” (20)

     Diz Rousseau: “A única lição de moral que convêm à infância, e a mais importante para toda idade, é a de nunca fazer mal a ninguém. O próprio preceito de fazer o bem, se não é subordinado àquele, é perigosos, falso, contraditório. Quem é que não faz o bem? Todos o fazem, o malvado como  qualquer outro: torna um feliz à custa de cem miseráveis e daí decorrem todas as calamidades.” (21) E Kardec:  “Verdadeiramente homem de bem é o  que pratica a lei de justiça, amor e caridade, na sua maior pureza. Se interrogar a própria consciência sobre os atos que praticou, perguntará se não transgrediu essa lei, se não fez o mal,. Se fez todo o bem que podia, se ninguém tem motivo para dele se queixar, enfim, se fez aos outros o que desejara que lhe fizessem.” (22).

     Poderíamos levar mais longe nossas comparações. Quando Rousseau conclui, conforme já expusemos mais atrás, que “aquele que ousar dizer que fora da Igreja não há salvação, deve ser expulso do Estado”, há perfeita coincidência com o que se encontra em O Evangelho segundo o Espiritismo,  de Allan Kardec: “Enquanto a máxima – Fora da caridade não há salvação – assenta num princípio universal e abre a todos os filhos de Deus acesso à suprema felicidade, o dogma – Fora da Igreja não há salvação – se estriba, não na fé fundamental em Deus e na imortalidade da alma, fé comum a todas as religiões, porém numa fé especial, em dogmas particulares, é exclusivo e absoluto; longe de unir os filhos de Deus, separa-os; em vez de incitá-los ao amor de seus irmãos, alimenta e sanciona a irritação entre sectários dos diferentes cultos que reciprocamente se consideram malditos na eternidade, embora sejam parente e amigos esse sectários. Desprezando a grande lei de igualdade  perante o túmulo, ele os afasta uns dos outros, até no campo do repouso. A máxima – Fora da caridade não há salvação – consagra o princípio de igualdade perante Deus e na liberdade de consciência. Tendo-a por norma, todos os homens são irmãos e, qualquer que seja a maneira por que adorem o Criador, eles se estendem as mãos e oram uns pelos outros. Com o dogma – Fora da Igreja não há salvação – anatematizam-se e se perseguem reciprocamente, vivem como inimigos; o pai não pede pelo filho, nem o filho pelo pai, nem o amigo pelo amigo, desde que mutuamente se consideram condenados sem remissão. É, pois, um dogma essencialmente contrário aos ensinamentos do Cristo e à lei evangélica.”





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