terça-feira, 26 de julho de 2011

'O Atalho' - Apresentação, Introito e Proêmio - Luciano dos Anjos



‘O Atalho’
 por Luciano dos Anjos

Ed. Lachâtre 1ª Edição – 1995


Os Caminhos do Atalho

     Certa feita, estávamos participando de uma reunião na Comunhão Espírita Cristã, em Uberaba (MG), com o querido médium Francisco Cândido Xavier. A fila dos que desejavam falar com ele era muito grande, mas o aprendizado era tanto que ninguém arredava pé das proximidades para melhor absorver os conceitos luminares que ele ia expendendo.
     Aproxima-se então, um senhor de meia-idade que lhe diz:
     - Chico, trago-lhe este livro que considero um dos melhores na abordagem da questão espiritual!
     E passou um exemplar às mãos do médium.
     O Chico acolheu a oferta e muito agradeceu. Disse-lhe, imediatamente, o ofertante:
     - Chico, você conhece a obra? O que você me diz?
     Com toda a polidez que lhe é característica, o Chico lhe respondeu:
     - Meu amigo, sou-lhe grato pelo presente, que vou guardar com carinho. Quanto à obra, digo-lhe que quem tem a estrada reta da doutrina espírita não pode perder tempo andando pelo atalho. (Evidentemente que transcrevemos as palavras que a memória conseguiu guardar, restando-nos, porém, a certeza de que a idéia central está preservada.)
     Esta história que narramos vem a propósito do que está escrito neste livro, mais um da lavra do jornalista Luciano dos Anjos, tão no seu estilo combativo, mas escrito dentro de um profundo respeito e com toda a sinceridade que lhe vai na alma.
     Não é um libelo acusatório.  Não visa a pessoas! É, antes, um alerta para todos nós. Não acusa a doutrina espírita, que esta é cristalina seiva que jorra dos planos maiores, inobstante nossas defecções. É, isto sim, uma parada para pensar o movimento espírita, que deveria refletir a doutrina. Calcado na série de artigos publicados pelo Luciano na revista Reformador, quando da administração do Dr. Armando de Assis, de tão saudosa lembrança, durante o ano de 1973.
     Passados tantos anos, não se pense que o tema perdeu sua validade. Pelo contrário. Continua oportuno, conquanto muito tenha evoluído o movimento espírita em geral. Mas tem cabida, como alerta, como proposta de análise, como ponto de referência.
     Permito-me lembrar, a propósito, que, certa feita, fui convocado para cobrir a falta de um orador, numa confraternização espírita, pois o escalado, por motivos imperiosos, não poderia comparecer.
     Como fui avisado às vésperas do acontecimento, ocorreu-me abordar a série de artigos do Luciano, publicados no Reformador, já que o tema central da confraternização era o estudo do movimento espírita, numa demonstração de que o assunto preocupa a todos.
     Fiz, dentro das minhas limitações, a abordagem do assunto, seguindo ipsis litteris o que estava contido nos artigos.
     Claro que não conseguimos suprir a ausência do orador previsto, mas, ao final, inúmeros foram os pedidos para que a palestra fosse repetida nas diversas cidades, como diversos foram os confrades que vieram dizer da oportunidade do tema. E, cabe acentuar, a maioria era jovem...
     O trabalho do Luciano, no presente livro, está baseado, principalmente, nos livros: O Livro dos Espíritos, O Livro dos Médiuns, O Evangelho Segundo o Espiritismo, Obras Póstumas, todos de Allan Kardec, bem como, nas obras Emmanuel, A Caminho da Luz e O Consolador, de Emmanuel e pela psicografia de Francisco Cândido Xavier. Vê-se logo, pois, que o embasamento é dos melhores, se não o melhor.
     O desdobramento dos assuntos é feito numa linguagem lógica, coloquial e pela qual o autor convida-nos a pensar, a discutir idéias, nunca fazendo doutrinação vazia, lavagem cerebral. Assuntos como: “Desfiguração do cristianismo pelo catolicismo”, “O espiritismo como resposta ao desafio das forças de negação e desesperança” (Kardec, na conclusão de O Livro dos Espíritos, afirma que o espiritismo é o mais terrível antagonista do materialismo), “Crises do mundo contemporâneo”, “Panorama religioso no Brasil” e, finalmente, um histórico do surgimento da Federação Espírita Brasileira, que se revela da mais lata importância para a compreensão do esforço da Casa de Ismael e onde avulta o trabalho de Bezerra de Menezes, Bittencourt Sampaio e A. Luiz Sayão.
     Encerrando esta apresentação, chamamos sua atenção, leitor amigo, para os tópicos onde, ao final do livro, o Luciano analisa as diversas esquinas do Atalho, numa sinopse às vezes de fazer rir, não fosse trágica.
     A da “churrascada”, então, é de arrepiar o mais tolerante vegetariano.

Felipe Salomão
Franca (SP), inverno de 1989.


Introito

     Estávamos em fins de 1972. Dois anos antes, Armando de Oliveira Assis havia sido eleito presidente da Federação Espírita Brasileira. Desde então ele imprimira uma linha revolucionária à sua administração, com grandes repercussões em todo o país. Seu lema era “modernizar sem banalizar”. Chamou-me para seu assistente e, nessa qualidade, ser também o editor-chefe do Reformador. Órgão oficial da Casa-Máter. Como jornalista profissional, fiz uma reforma radical na revista, atualizando-a da melhor forma possível. Ao mesmo tempo, criei o novo logotipo da FEB e propus a contratação dum capista de nomeada para refazer as capas de todos os livros editados. Propus também a restauração da Biblioteca e a reestruturação da Livraria, com a confecção de novas e arejadas bancadas para a exposição pública das obras.
     Mas, naquele final de 1972, eu levava para o Armando outras idéias ainda mais arrojadas. Conversando com ele, certa noite, até alta hora da madrugada, expus-lhe minhas preocupações como os rumos que vinha seguindo, no Brasil principalmente, o espiritismo. Eu lhe disse, com toda a franqueza, que estava me sentindo “prisioneiro duma camisa de força”. Sentia que estavam querendo me retirar a liberdade de ser espírita, mediante a igrejificação do movimento e o desvirtuamento de todos os princípios básicos da doutrina. Armando de Oliveira Assis me ouvia atentamente, e eu lhe disse que estava inclinado a produzir um trabalho de alerta para os confrades. Ele concordou com meus pontos de vista, endossou-os e me autorizou a meter mãos à obra.
     Foi assim que nasceu O Atalho, então publicado no Reformador de 1973. As reações foram as mais díspares. Eu havia mexido numa casa de marimbondos; sacudira violentamente o movimento espírita. A questão de liberdade, então, era crucial. Na medida em que eu pleiteava a minha liberdade e a da Federação Espírita Brasileira, a fim de pensar e agir livremente, indicava que as federadas deveriam fazer o mesmo e, mais adiante, os centros espíritas também. Nada de hierarquização, nada de obediência, nada de domínio, nada de hegemonia. De ninguém sobre ninguém. O Brasil inteiro foi sacudido. Recebi correspondência dos mais longínquos lugares. Alguns me apoiavam; outros me combatiam acidamente. O Armando dava esclarecimentos, enviava respostas, procurava mostrar o acerto do trabalho. Havia os que entendiam de pronto; outros relutavam, e nós então lhes pedíamos que fizessem um grande esforço no sentido de se descondicionarem da brutal realidade que os atraía. Seria preciso uma reciclagem interior, uma nova postura mental. E era isso que nós pedíamos aos mais exagerados. No Conselho Federativo Nacional, as discussões eram acesas, divididas que estavam as representações estaduais quanto à validade de O Atalho. Mas, no Conselho Superior, havia unanimidade de aplausos. Tanto que, em 24.8.1974, saía a lume a 59ª edição (extra) de O Evangelho Segundo o Espiritismo, que foi distribuída entre os membros daquele Conselho. No frontispício do meu exemplar, Armando de Oliveira Assis escreveu a seguinte dedicatória:
     “Luciano. Lembrança da reunião do Conselho Superior em que a linha de ação da diretoria foi especialmente salientada e ratificada, com aplausos. Rio, 24-agosto-1974. (a) A. Assis, Armando de Oliveira Assis, Paulo José de Carvalho, Getúlio S. Araújo, Lauro S. Thiago, José Borges Ferreira, Francisco Thiesen, Joaquim da Costa Vilaça, Abelardo Idalgo Magalhães e Arthur Nascimento.
     A dedicatória era, portanto, endossada, também, por todos os membros da diretoria, sem exceção. E o Reformador de dezembro de 1973 estampou um editorial de pleno apoio aos argumentos da série O Atalho. Diante disso, o Armando me falou que o Departamento Editorial da FEB imprimiria o trabalho em livro, ocasião em que o diretor daquele departamento, Francisco Thiesen, adentrando o gabinete do presidente e ouvindo-lhe o propósito, declarou enfaticamente:
     - Deve ser impresso em livro e aparecer com a assinatura de todos os diretores!
     Lamentavelmente, isso não chegou a concretizar-se. Uma série de acontecimentos adiou a empreitada, até que o Armando, em agosto de 1975, não quis mais candidatar-se à reeleição. O projeto não foi retomado pelo seu sucessor que, inclusive, quanto a muitos aspectos, reverteu à antiga linha operacional da Casa de Ismael.
     A idéia, entretanto, exposta em O Atalho, não se apagou. Muitas instituições espíritas deram novo norte às suas iniciativas, pautando-as nos postulados do revolucionário trabalho. Outras, a seu turno, por repudiarem-no, recrudesceram suas ações e atitudes, desviando-se ainda mais dos caminhos de retorno que lhes eram propostos. É uma pena, mas cada qual tem o direito de seguir o rumo que desejar. Por isso, em suma, muita coisa melhorou; mas muitas outras pioraram consideravelmente. Para o livro que seria impresso pela Federação Espírita Brasileira, o Armando preparara um pequeno proêmio, na qualidade de presidente da FEB, o qual transcrevo, agora, mais adiante. É uma homenagem que lhe rendo, pela sua lucidez, pelo seu tirocínio, pela sua extraordinária visão de espírita. Devido a isso, os cinco anos da sua administração à frente da Casa-Máter foram os mais profícuos da nossa contemporaneidade. A FEB era, realmente, como ele desejava e proclamava, “locomotiva do movimento espírita, e não vagão”. Seu nome ficará imorredouro nos fastos da Casa de Ismael. Deve-se a ele a modernização completa do Departamento Editorial (trocou as impressoras tipográficas por off-set), a restauração da Biblioteca (contratando uma bibliotecária profissional), a remodelação do prédio da avenida Passos (em especial, as instalações da Livraria,no térreo), a criação das Zonais (que tanto contribuíram para a unificação), a inauguração da Seção-Brasília e, principalmente, o fiel cumprimento dos estatutos da FEB, pregando (como fizeram Bezerra de Menezes e outros presidentes do passado) a linha doutrinária da instituição, consubstanciada no binômio Kardec e Roustaing. Foram minhas, é verdade, muitas idéias e providências, mas a palavra era sempre dele, como presidente da Casa de Ismael, e decorrente de sua brilhante inteligência e reconhecido bom senso.
     Todavia, isso tudo é passado histórico. Mas, para que a árvore plantada refloresça sempre, não faltaram hoje os que consideram que O Atalho precisa continuar a ser difundido. Daí a presente edição, que foi, naturalmente, revista em muitos pontos para que ficasse atualizada e também ressalvada a época em que diversas medidas tiveram a sua adoção e o seu período de duração, ainda que, do meu ponto de vista, jamais devessem ter sido revertidas quaisquer delas. Tanto mais que, para implantá-las e defendê-las, mantive-me sempre à sombra da própria doutrina espírita e da história secular da Federação Espírita Brasileira.
     Espero, sinceramente, que meu esforço valha a pena. O que desejo é um espiritismo sem vícios,um espiritismo distante da igrejificação, dos formalismos, da burocratização. Acima de tudo,um espiritismo tal qual foi codificado pelo mestre Allan Kardec, sem a peias da fé administrada, da organização conciliar. E, essencialmente, um espiritismo em que as criaturas sejam verdadeiramente livres, sem obediência a chefes ou decretos. Já dizia Armando de Oliveira Assis, em mais uma das suas preciosas tiradas filosóficas: - “Não é espírita quem quer, mas quem pode.”

Luciano dos Anjos
Rio de Janeiro, 25 de abril de 1989.

     


Proêmio
       A Federação Espírita Brasileira, dada a importância da série de artigos de autoria de Luciano dos Anjos publicados em Reformador sob o título “O Atalho”, e subtítulo “Análise crítica do movimento espírita”, resolveu enfeixá-los no presente opúsculo, visando facilitar ao leitor a consulta aos temas nele expostos.
            Seria desnecessário recordar, aqui, que tudo o que vem à luz através de Reformador reflete a opinião e a orientação seguida pela FEB, dado que essa revista é a tribuna escrita da Casa-Máter. Por imaginar, entretanto, que isso possa ser ignorado por muitos de seus leitores é que vimos aludir ao fato, a fim de que não pairem dúvidas a respeito.
            Razão maior, porém, a ditar a presente publicação é o fato de serem ventiladas nos mencionados artigos questões da mais alta transcendência e referentes ao manuseio da doutrina espírita pelos espíritos temporariamente mergulhados na carne, os quais, mercê da própria repetência nas fráguas das solicitações exteriores, propendem ainda, malsinadamente, para práticas incoercíveis que ameaçam reincidir nos velhos desvios que têm conduzido a obstinada humanidade a conspurcar e adulterar a singeleza e a pureza do Evangelho de N. S. Jesus - Cristo.
            É de advertir, entretanto, que a Federação não espera nem pretende que se vejam nessas manifestações palavras de ordem a serem cumpridas. É da essência da doutrina espírita que o adepto seja o árbitro no que tange à aceitação e à adoção do que ela lhe inculca. Que o leitor, pois, tome do que aqui se contém a porção que lhe baste ao paladar íntimo.
         Armando de Oliveira Assis     
      Presidente            Rio, 5-2-1974
                                                               

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