segunda-feira, 27 de junho de 2011

Roustaing e Kardec... Inimigos?!?



          Roustaing escreve a Kardec 


Reformador (FEB) Maio 1953

                        “Caro Senhor e venerando chefe espírita:

            Recebi a carinhosa influência e recolhi o benefício destas palavras do Cristo a Tomé: felizes os que não viram e creram.          
            Palavras profundas, verdadeiramente divinas, que nos mostram a senda mais segura e racional e que nos conduzem a fé segundo a máxima de São Paulo, que o Espiritismo completa e realiza.
            Rationabili sit obsequium vestrum.
            Ao vos escrever em Março p.p. pela primeira vez, dizia: eu nada vi; mas li, compreendi e creio.
            Hoje, venho dizer-vos que Deus me premiou por haver acreditado sem ver, uma vez que posteriormente vi, e ainda bem que vi em condições proveitosas, pois a parte experimental veio, se assim me posso exprimir, animar a fé que a parte doutrinária havia propiciado, fortalecendo-a, vivificando-a.
            Depois de haver estudado e compreendido, eu conhecia o mundo invisível tal como o estudante que conhecesse Paris pelo respectivo mapa; ao passo que hoje, pela experiência, pelo trabalho e atinada observação, conheço esse mundo tal como o forasteiro que percorresse a grande capital, o que não vale dizer que lhe penetrasse todos os recantos.
            Todavia, desde princípios de Abril, graças às relações do excelente Sr. M. Sabo e sua família - gente patriarcal e toda ela composta de bons e veros espíritas - pude trabalhar e trabalhei, ora com eles, ora em minha casa, concorrendo a esses trabalhos outros adeptos convictos da verdade espírita, posto que nem todos ainda efetiva e praticamente espíritas.
            O Sr. Sabo vos enviou o relatório de nossos trabalhos, obtidos a título de ensinamento, quer por evocações, quer por manifestações espontâneas dos Espíritos superiores.
            E creia que sentimos tanto de alegria e de surpresa, quanto de acanhamento e humildade, ao receber ensinamentos tão preciosos e sublimados, de Espíritos assim elevados, que nos visitaram ou enviaram mensageiros para falarem em seu nome.
            Ah! quão feliz me considero em não pertencer, pelo culto material, a esta Terra que, agora o sei, não constitui para o homem mais que um lugar de exílio, propiciatório de expiações e provas!
            Feliz, sim, por conhecer e haver compreendido a reencarnação em toda a sua latitude e consequências, como realidade e não como simples alegoria!
            A reencarnação, sublime e eqüitativa fórmula da Justiça Divina, tal como ainda ontem a definia meu Guia, tão bela, tão consoladora pela possibilidade de fazermos amanhã o que não pudemos fazer ontem, e que impele a criatura a caminhar para o seu Criador; - essa lei eqüitativa e justa na frase de Joseph de Maistre, em comunicação que nos deu e vos transmitimos é ainda, conforme a palavra divina do Cristo, - o caminho longo e difícil de percorrer para chegar às moradas divinas.
            Agora é que eu compreendo as palavras do Cristo a Nicodemos: ‘pois quê! sois doutores da lei e ignorais estas coisas...’
            Hoje que Deus me permitiu compreender integralmente toda a verdade da lei evangélica, a mim mesmo eu pergunto como a ignorância dos homens, doutores da lei, pode resistir nesse ponto à clareza dos textos e produzir dessarte o erro e a mentira que geraram e entretiveram o materialismo, a incredulidade, o fanatismo ou a covardia.
            Pergunto como essa ignorância, como esse erro puderam produzir-se, quando o Cristo tivera cuidado de proclamar a necessidade de reencarnar, dizendo: - importa-vos nascer de novo, e, daí, a reencarnação como único meio de ver o reino de Deus o que aliás já era conhecido e ensinado na Terra, tanto que Nicodemos deveria sabê-lo.
            “-Sois doutores da lei e ignorais essas coisas.”
            É verdade que o Cristo acrescenta a cada passo - “quem tiver ouvidos de ouvir, que ouça” e mais - “eles têm olhos e não vêem, têm ouvidos e não ouvem nem compreendem” - o que se pode  aplicar tanto aos seus contemporâneos como aos que lhe sucederam.
            Eu disse que Deus na sua bondade me recompensara pelos nossos trabalhos e pelos ensinamentos que permitiu nos fossem ministrados por seus mensageiros, missionários devotados e inteligentes junto aos seus irmãos, no intuito de lhes inspirar o amor do próximo, o esquecimento das injúrias e o culto devido ao Ente Supremo.
            Eis que agora compreendo as palavras do Espírito de Fenelon, referindo-se a esses mensageiros divinos - “eles viveram tantas vezes que se tornaram nossos mestres.”
            Eu lhes agradeço humilde e alegremente, a esses mensageiros divinos, o nos terem vindo ensinar que o Cristo está em missão sobre a Terra, para propaganda e êxito do Espiritismo - essa terceira explosão da bondade divina, que colima a última palavra do Evangelho - ‘Unum ovile et unus pastor.”
            Agradeço-lhes, sim, o nos virem dizer: “nada temais, pois o Cristo (que denominam também O Espírito da Verdade) é o maior e o mais legítimo missionário das idéias espíritas”.
            Aliás, essas palavras me haviam impressionado vivamente e eu conjeturava onde poderia estar o Cristo em missão na Terra.
            “A Verdade dirige - diz então o Espírito de Marius, bispo dos primeiros tempos da Igreja - essa coorte de Espíritos enviados por Deus, em missão, para propaganda e êxito do Espiritismo.”
            E que doces e puras alegrias derivam desses trabalhos espíritas pela caridade feita aos Espíritos sofredores!
            Que consolo é o de nos comunicarmos com os que da Terra se foram, parentes ou amigos, ouvindo-lhes a confissão de que são felizes ou aliviando-os se o não são!
            E, como é viva e radiante a luz desses mesmos Espíritos, os quais na veracidade integral da lei do Cristo nos dão a fé pela razão, nos fazem compreender a onipotência do Criador, sua grandeza, sua justiça, sua bondade e misericórdia infinita e nos colocam, assim, na deliciosa necessidade de praticar a divina lei de amor e caridade.
            Sublime, a ilação de tais ensinos, compreendendo nós que os seus divinos transmissores, fazendo-nos progredir, progridem também eles, e vão aumentar a falange sagrada dos Espíritos perfeitos!
            Admirável, divina harmonia, que nos mostra a unidade de Deus e a solidariedade de todas a suas criaturas, como nos mostra essas mesmas criaturas sob a influência e impulso dessa solidariedade, dessa simpatia, dessa reciprocidade, chamadas a gravitar e gravitando - não sem faltas e quedas, de começo - na longa e alta escala espiritual, a fim de, finalmente, degrau a degrau, atingir - partindo do estado de simplicidade e ignorância à perfeição intelectual e moral e, por essa perfeição - a Deus.
            Admirável e divina harmonia, que nos mostra esta grande divisão dos mundos de exílio onde tudo é prova ou expiação, e dos mundos superiores, morada dos bons espíritos, onde só lhes cumpre progredir para o bem.
            A reencarnação, bem compreendida, ensina aos homens que eles aqui estão neste baixo mundo apenas de passagem e que são livres de a ele regressarem, uma vez que se esforcem para isso; ensina que o poder, as riquezas, as dignidades, a  ciência, não lhes são dados senão a título de provas, como meio de caminhar para o bem; que tudo isso lhes vem às mãos como simples depósitos e meios de praticarem a lei de amor e caridade; que o mendigo é irmão do potentado perante Deus, e talvez o fosse mesmo perante os homens; que esse mendigo poderia ter sido rico e poderoso e que a atualidade miserável de sua condição representa a falência de suas provas, lembrando assim aquele apotegma do ponto de vista social - não há mais que um passo do Capitólio a Rocha Tarpéia, com a diferença, porém, que, pela reencarnação, o Espírito se levanta da sua morte e pode, remontando o Capitólio, dali projetar-se às cumiadas celestes, à mansão esplêndida dos bons espíritos.
            A reencarnação, ensinando aos homens que, conforme o conceito admirável de Platão, não há rei que não descenda de pastor, como não há pastor que não descenda de rei, amortece-lhes todas as vaidades humanas, segrega-os do culto material, nivela, moralmente, todas as condições sociais.
            Em uma palavra: a reencarnação constitui a igualdade, a fraternidade entre os homens, tanto quanto entre os Espíritos, em Deus, e perante Deus.
            E constitui também essa liberdade que, sem amor e caridade, não passa de utopia, como bem no-lo disse há pouco o Espírito de Washington.
            No seu conjunto, o Espiritismo veio dar aos homens a unidade e a verdade em todas as conquistas intelectuais e morais, nessa tarefa sublime de que somos apenas os mais humildes obreiros.
            Adeus, meu caro senhor; depois de um silêncio de três meses, eis que vos amofino com esta assaz longa carta.
            Respondei-me quando puderes e quiserdes.
            Propunha-me ir a Paris para ter o prazer de vos conhecer pessoalmente, para vos apertar fraternalmente a mão, porém a minha precária saúde mo tem impedido até o presente.
            Desta, podeis fazer o uso que vos aprouver, na certeza de que me honro de ser devotado e publicamente espiritista.
            Vosso mui dedicado
            Roustaing, advogado.”

(Revue Spirite de 1861, pág. 167

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