Dogmas
Católico-Romanos
Reformador (FEB) Novembro 1948
Em outro artiguete prometêramos dar a definição católica romana de Cristianismo, tal qual se acha no “Dicionário Enciclopédico Brasileiro”, e agora cumprimos a promessa:
“CRISTIANISMO. m. Hist. É a religião revelada por Jesus Cristo, o Filho de Deus feito homem, Redentor do gênero humano e Chefe invisível de sua igreja católica, na qual depositou sua doutrina (seu dogma) e suas graças salvadoras (nos sacramentos). A origem do Cristianismo é o próprio Cristo em sua existência histórica atestada pelos Evangelhos; a essência é o mesmo Jesus Cristo em sua existência gloriosa depois da sua ressurreição e ascensão, enquanto por Ele, com Ele e Nele possui a humanidade toda, virtualmente, e os indivíduos, realmente, a adoção de filhos de Deus, formando assim organicamente o Corpo Místico de Cristo: a Igreja. Em sua forma exterior aparece o cristianismo como sociedade organizada, exposta portanto às condições históricas e às falibilidades humanas. A superioridade do Cristianismo sobre todas as demais religiões está garantida pelos dois fatos seguintes: não pode haver revelação divina mais perfeita do que a revelação feita pelo próprio Filho de Deus; não pode haver, para os homens, vocação religiosa mais sublime do que a vocação para a participação da própria natureza divina. Nestes dois fatos baseia-se a exclusividade do cristianismo e o seu universalismo, sendo nele definitivamente realizados tanto as profecias do Antigo Testamento como também os íntimos desejos dos demais sistemas religiosos do paganismo. A unidade do cristianismo é uma consequência lógica de sua essência. Sendo comunidade essencialmente católica, isto é, universal e total, o cristianismo não se pode considerar como confissão, como elemento de uma doutrina filosófica ou como nota comum de muitas formas, especificações e ramificações de seitas cristãs. Só o espírito moderno pode ver nas diferentes confissões cristãs outras tantas formas ou partes do Cristianismo. O uso moderno da palavra cristianismo favorece a confusão e faz pensar num sistema doutrinário e subjetivo como p. ex. racionalismo, idealismo. A realidade do cristianismo corresponde melhor à denominação de religião cristã.”
Como se vê, está uma definição perfeita da Igreja Católica Romana. Se temos, algo que protestar é que, logo no início, tenham dito que se trata de termo de História, nada se tendo aí escrito sobre a História do Cristianismo, senão unicamente apresentado dogmas de fé, que a História, em sua objetividade não pode admitir. Dizer-se que Jesus Cristo é o Filho de Deus feito homem, é apresentar um artigo de fé - quase diríamos, de fé cega -, mas nada tem isso que ver com a história. Deveriam ter qualificado esse verbete como “termo de Teologia Católica Romana”.
Como Doutrina, tudo isso é perfeitamente condestável; todavia, não merece contestação, por ser absurdo e incrível para o espírito moderno, como diz o próprio autor da definição. Só nas trevas da Idade Média tiveram tais dogmas sua força. Só a um dogma se impõe contestação, mas esse já foi refutado por Jesus, e é o que diz: “não pode haver revelação divina mais perfeita do que a revelação feita pelo próprio Filho de Deus”.
A contestação está assim redigida:
“Tenho ainda muito que vos dizer, mas não a podeis suportar agora; quando vier, porém, aquele Espírito de Verdade, ele vos guiará a toda a verdade; porque não falará por si mesmo, mas dirá o que tiver ouvido, e vos anunciará as coisas que estão para vir. Ele me glorificará, porque há de receber do que é meu e vo-lo anunciará. (João 14:26)
Não há sofismas que possam deformar o diáfano sentido desses textos, nos quais Jesus promete uma revelação mais perfeita, que o glorificaria e que recordaria toda a sua Doutrina. Essa promessa começa a cumprir-se em nossos dias. Quem tiver olhos para ver, atente a rica literatura espírita cristã dos nossos dias, e se convencerá de que a promessa de Jesus não falhou. Dizemos que está ‘começando’ a cumprir-se, porque a revelação divina não pode ter outro limite senão a curteza da compreensão humana; à proporção que a nossa inteligência se dilate, crescerá a revelação; e não há dúvida de que a inteligência cresce firmemente através dos séculos e milênios. O progresso intelectual destes dezenove séculos que nos apartam do nascimento do Cristianismo já é muito apreciável, mas à nossa frente se acha uma eternidade para novas conquistas e, consequentemente, para nos aparelharmos no sentido de ‘suportar’ mais sublimes revelações. Hoje a Doutrina apresentada pela definição acima já nos parece tão absurda quanto a concepção que os judeus do tempo de Moisés tinham de Deus, esse iracundo e parcial Jeová, construído à imagem de Espíritos inferiores.
A moral do Antigo Testamento, salvo apenas o Decálogo, foi toda revogada por Jesus e substituída pela Doutrina do Amor incondicional, do sacrifício em favor do próximo, da pureza dos pensamentos, palavras e atos, do desapego dos bens materiais em proveito dos espirituais. Se tomarmos o herói da lei antiga, Davi, e o compararmos com Paulo de Tarso, que se converteu à lei nova e a exemplificou bravamente, após desatinos em obediência às regras que até então seguira, veremos que o Judaísmo e o Cristianismo têm morais antônimas. O que era virtude para um, é crime para o outro. Só teoricamente as três Revelações se completam, porque afirmam, em comum, a realidade do mundo espiritual e a existência de um só Deus. Devemos aos antigos judeus o Monoteísmo e muitas comunicações do mundo espiritual, mas a sua moral nos faz estarrecer. Ao Catolicismo Romano devemos a conservação do Novo Testamento, o culto a Deus, a Jesus e a Maria; contudo, a sua acanhada teologia, que constringe a Revelação em Jesus e que atribui ao Espírito do mal todas as posteriores manifestações do mundo espiritual, embrutece a criatura em tenebrosa masmorra. De Moisés a João Evangelista medeiam 1600 anos, isto é, de Gênese ao Apocalipse vão dezesseis séculos. Pensar que em toda a eternidade, anterior a Moisés e posterior ao Vidente de Patmos, Deus deixaria a humanidade abandonada, é um absurdo tamanho, que chega o homem a duvidar das revelações registradas na Bíblia.
Tanto maior se torna esse absurdo depois da promessa de Jesus, acima transcrita, e do seu cumprimento rigoroso pelo Espiritismo.
Não, a Revelação é eterna e incessante; é progressiva e há de sempre sublimar-se, por toda a eternidade. Os livros de André Luiz tornam pálidas as velhas Escrituras, mas chegará o dia em que eles, a seu turno, sejam substituídos por outros muito mais elevados.
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