domingo, 1 de maio de 2011

Cartas a meus Filhos




Carta a meus Filhos

por Philemon
Reformador (FEB) 16.01.1937
            Meus caros filhos,

            A paz do Senhor esteja convosco,

            Tendes visto que tem sido interpretada como contrária à lei natural do trabalho e do esforço próprio, no sentido do progresso, a sentença de Jesus que nos manda buscar em primeiro lugar o reino de Deus e a sua justiça, pois que o mais virá por acréscimo. Isso prova que nem todos os estudantes das sagradas letras têm uma compenetração perfeita do espírito do Evangelho, segundo o qual sabemos que aí se acha oculto o pensamento do Mestre para que, gradativamente, possa ir sendo desvendado, compreendido, pelos seus discípulos. Á proporção que crescem no entendimento das coisas espirituais. Aliás, é natural que haja dificuldade na interpretação dos textos evangélicos, porquanto, se o conhecimento das coisas materiais é gradativo, com muito mais razão deve ser o das coisas espirituais que, pela sua transcendentalidade, mais difíceis se tornam de compreensão.

            Confiai porém, vós outros, na divina autoridade do Mestre e, com humildade e espírito, concordai, meus filhos, em que Ele deve saber mais do que os seus discípulos e, assim, muito ensinamento que nos deixou não pode ser entendido imediatamente, à primeira leitura do Evangelho; mas, com o tempo e mais claro discernimento, irá sendo por nós admitido como Expressão da Verdade.

            Porventura, não ocorreu, muitas vezes a mesma coisa durante os vossos diferentes cursos, em busca do conhecimento científico?

            Não é verdade que muitas lições de tratados e muitas afirmativas de professores vos pareceram obscuras, equívocas a princípio e que depois, com o constante cultivo da inteligência e mais amplas explicações dos mesmos professores, fostes verificando que eram procedentes, exatas, verdadeiras?

            Como quereríamos, pois, que não se verificasse o mesmo neste curso muito mais difícil que vimos fazendo das coisas transcendentes, que dizem respeito ao conhecimento espiritual?

            Guardemo-nos, portanto, de precipitações, de idéias preconcebidas. Confiemos em nosso Divino Mestre, implorando luz para o nosso entendimento, com humildade, ao Eterno Pai, prossigamos no trabalho de gradativa cultura a que nos consagramos, para saber das coisas do espírito.

            Não vos poderia eu dar a beber, desde já, toda a linfa preciosa da verdade eterna que se contém na palavra do Mestre, ainda mesmo que vosso pai já pudesse dela dispor na plenitude que nos é reservada quando tivermos atingido a perfeição espiritual, de que nos encontramos tão distanciados!

            Contudo, como tenho, de alguma sorte, o meu espírito orientado no rumo que nos conduzirá a verdade, quero indicar-vos também esse rumo.

            Vejamos o de que se trata.

            O conceito de Jesus, a respeito do princípio básico da sua doutrina, é o seguinte: “Buscai primeiro a sua justiça e todas estas coisas se vos acrescentarão.” (Mt 6:33)

            Quais são todas estas coisas? Procuraremos sabê-lo.

            No mesmo capítulo do Evangelho segundo Mateus, em que se encontra a afirmativa de Jesus, pode-se ler o seguinte, antecedendo-a:

25. “Portanto vos digo: não andeis cuidadosos da vossa vida, que comereis, nem para o vosso corpo, que vestireis. Não é mais a alma do que a comida e o corpo mais do que o vestido?
26. “Olhai para as aves do céu, que não semeiam nem segam, nem fazem provimentos nos celeiros e, contudo, Vosso Pai celestial as sustenta. Porventura não sois vós muito mais do que elas?
27. “Qual de vós, discorrendo, pode acrescentar um côvado à sua estatura?
28. “Porque andais solícitos pelo vestido? Considerai como crescem os lírios do campo: eles não trabalham nem fiam.
29. “Digo-vos, mais, nem Salomão em toda a sua glória se cobriu jamais como um destes.
30. “Pois, se ao feno do campo, que hoje é e amanhã é lançado no forno, Deus veste assim, quanto mais a vós, homens de pouca fé?
31. “Não vos aflijais, pois, dizendo: - Que comeremos, que beberemos ou com que nos cobriremos?
32. “Porque os gentios é que se cansam por estas coisas. Porquanto vosso Pai sabe que tendes necessidade de todas elas.
33. “Buscai pois, primeiramente, o reino de Deus e a sua justiça e todas estas coisas se vos acrescentarão.”

            Ocultando embora o profundo sentido filosófico desta passagem evangélica, o qual nos desvendaria a completa verdade, a que chegareis um dia, se prosseguirdes no caminho encetado, busquemos o sentido humano  desses versículos, que também nos dá um pouco dessa verdade, proporcionado ao nosso atual grau de discernimento espiritual.

            Agora, com a enunciação de todos os versículos que se referem ao assunto tratado por Jesus e a que se refere essa parte do Evangelho, isto é, da prioridade das coisas do espírito sobre as do corpo, estamos aptos a saber de que coisas falava Jesus, ao dizer-nos que nos seriam elas dadas por acréscimo. Das coisas perecíveis, não é, meus caros filhos? Vede bem: Jesus dá um lugar secundário ao comer e ao vestir.

            E qual homem, de mediana cultura e de mediano sentimento, não dará lugar secundário a essas coisas?!

                E quanto à sua aquisição, o que diz o Mestre? - Que elas virão naturalmente (por acréscimo - como uma conseqüência natural), se cogitarmos das coisas que correspondem ao reino de Deus e á sua justiça.

            Ora, se Jesus apenas excetuou destas coisas o comer e o vestir (a que por analogia podemos incorporar tudo quanto for perecível), isso quer dizer que o Mestre considera como pertinentes ao reino de Deus e à sua justiça a cultura da inteligência e do sentimento, tudo o que corresponde ao conhecimento da ciência, da arte, da filosofia, da religião - das coisas espirituais, em suma.

            Que homem haverá, bastante desassizado, que, desejando ganhar a vida como professor, não procure, antes de ir em busca do cargo, instruir-se para que possa desempenhar convenientemente as respectivas funções? E qual seria o loco que pretendesse ser engenheiro, fazer as coisas relativas a essa profissão, ganhar a vida como engenheiro, sem primeiro estudar todos os ramos das ciências matemáticas?

            E qual o que quisesse ter à sua disposição o sustento e a roupa que a Nação lhe dá sem primeiro preparar-se intelectual, moral e tecnicamente para o exercício de suas funções?

            Pois isso não é claro como água, meus caros filhos? As coisas espirituais (as que pertencem ao reino de Deus e à sua justiça) têm precedência sobre as de ordem material, para os que querem viver dignamente. Só os que podem submeter-se à pior escravidão prescindem desses requisitos para a aquisição dessas coisas que Jesus define como pertencentes à classe das que nos vêm por acréscimo; enunciando, assim, um conceito humaníssimo e singelo para os que têm a mente pouco trabalhada ainda pelo raciocínio filosófico - conceito que se eleva, em grau mais espiritualizado do discernimento, ao mundo transcendente, em qualquer dos casos encerrando sempre a verdade, menos ou mais amplificada em suas luminosas perspectivas.

            As aves não semeiam nem segam, mas têm o instinto que as leva a procurar os lugares onde podem encontrar nutrição.

            A semente do lírio precisa de terra fértil para vicejar.

            O homem cultiva primeiro a inteligência e, depois, utilizando-se dos seus recursos, busca as coisas perecíveis (as que se lhe acrescentarão, portanto).

            E tanto têm caráter secundário, de acréscimo, todos os bens terrenos (comer, vestir, etc.), que eles nos podem ser dados por herança, sendo-nos, assim, facultado tê-los sem trabalho, ao passo que os bens do espírito, quer no domínio da inteligência, quer no do sentimento, não nos chegam  senão com o nosso próprio esforço - o que os caracteriza imediatamente como essenciais, inalienáveis e intransferíveis.

            Nada pode haver mais compreensível, mais prático, mais lógico do que esse ensinamento de Jesus.

            Penso, meus caros filhos, que não tereis nenhuma objeção a fazer a este arrazoado. Entretanto, se o vosso poder de raciocínio ou a vossa dialética acadêmica  ainda vos sugerirem quaisquer restrições à evidência desta interpretação, usai de franqueza para com o vosso pai, que aspira somente a vossa felicidade, pela libertação da vossa mente das sombras opressoras do materialismo aviltante.

            Dei-vos o que corresponde ao meu grau de discernimento espiritual. A outro mais profundo conceito, como declarei no começo, se dirige o pensamento do Mestre; mas, para esse não teremos ainda, talvez, a precisa intuição que só a experiência da vida proporciona. Tudo é gradativo:  Natura non facit saltus.

            Adeus, meus caros filhos. Vosso pai e verdadeiro amigo. 

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