Os Apóstolos parte III
por Roberto Macedo
6 - Mateus, assim mencionado por si próprio (10:3) e pelos Atos dos Apóstolos (1:13). Chamava-se antes Levi (ver Marcos, 2:14; 3:18; Lucas, 5:27; 6:15). Filho de Alfeu (Marcos, 2:14). Ora, filho de Alfeu também o era Tiago menor. Meio irmão, por parte de pai? Mero pormenor biográfico, menos importante que a irmanização, pelo vínculo da solidariedade cristã. Sabe-se que o apóstolo e evangelista Mateus, antes chamado Levi, surge por assim dizer a meio caminho, entre a seleção do grupo inicial e o completo arrebanhamento do escol;
a) - Pedro, André, João, Tiago maior, Filipe “no dia seguinte”;
b) - os demais, silenciada nos Evangelhos a ordem de vocações.
Despertou murmurações a escolha de Mateus. Não era pescador, mas publicano. Denominavam-se publicanos, no império dos Césares, os empresários de rendas públicas, membros da poderosa ordem dos cavaleiros (“ordo equester”); dominada pelos romanos a Palestina, também nesta se intitularam publicanos os cobradores de impostos, destinados ao patrimônio do invasor. Era um símbolo de vassalagem, inconciliável com a noção de “povo eleito”. Em linguagem atual, colaboracionismo com o vencedor. Empenhavam-se publicanos em não perder ensejo de confiança, convenientemente distribuídos em lugares de acesso obrigatório: pontes, estradas, alfândegas, portas de cidades (daí “portageiros”, cobradores de “portagem”). Sentavam-se à mesa ou escritório (telônio) sob as portas, entendido como “portas” o conjunto arquitetônico nas muralhas de cidade: portões de postigo, prolongamento em abóbada, subdivisão das paredes laterais em setores diversos, com finalidade utilitária na paz e defensiva na guerra. Não se forçavam inpunemente as portas (sob o véu da metáfora, aparecem elas diversas vezes no Evangelho: porta estreita, Mateus, 7:14; Lucas, 13:24; portas do inferno, Mateus, 16;18; Cristo é a porta, João, 10:9). Estava Mateus, então Levi, “assentado no seu telônio”, talvez à entrada de Cafarnaum, quando Jesus o convocou. Tudo abandona a partir de então, mas o desconceito social permanece. E labaredas psicológicas procuram atingir a túnica do próprio Cristo: - “Eis um homem glutão e grande bebedor de vinho, amigo dos publicanos e dos pecadores.”
(Lucas, 7:34) A resposta da sinceridade à hipocrisia demonstra como se podem colher lírios no lodo: - “Em verdade vos digo que os publicanos... irão primeiro que vós para o reino de Deus.” (Mateus, 21:31).
7 - Pedro, mencionado como “Simão que se chama Pedro” em Mateus, 4;18; 10:2; como Simão “a quem
(Jesus) pôs o nome de Pedro” em Marcos, 1:16; 3;16; como Pedro e a seguir Simão Pedro em Lucas, 6:14; 9:20; como Simão Pedro em João, 1 :40, 41, o qual lhe acrescenta Cefas; como Pedro em Atos dos Apóstolos (1:13). Ele próprio, em suas epístolas, adotou Pedro e Simão Pedro. Irmão de André (Mateus, 4:18; Lucas, 6;14; João, 1:40). Pescador. Integrante do grupo inicial e espécie de intérprete dos apóstolos, aparentemente o mais assíduo junto ao Mestre, por este singularizado com “pedra”, sobre a qual edificaria sua Igreja (Mateus, 16:18, onde Pedro figura como Simão Bar-Jona, filho de Jona). Pedra eqüivale figuradamente a duro, rijo, isto é, “kepha” em dialeto siríaco, falado por Jesus; daí, calcado em “pedra”, o tradicional “Pedro”, através das formas grega “pétra”, e latina “Petru”, nome de homem. Não somente Pedro, como outros apóstolos e o próprio Jesus estabeleceram distinção entre “pedra” e “pedra principal” ou “pedra angular”. A principal se identifica com o Cristo, conforme clara sentença de Pedro, proferida quando “cheio do Espírito Santo”: “Este Jesus é a pedra... a qual tem sido posta na cabeça do ângulo. E não há salvação em nenhum outro...” (Atos dos Apóstolos: 4:18, 11, 12). Não discrepam evangelistas e apóstolos: - “...A pedra que rejeitaram... veio a ser a principal... “(Marcos, 12:10); - “Este Jesus é a pedra que foi reprovada por vós...” (Atos, 4:11); - “... sendo o mesmo Jesus Cristo a principal pedra angular...” (Paulo, Epístola aos Efésios, 2;20). Também Jesus, quando sacerdotes e escribas conjuraram prendê-lo, a si mesmo se refere como pedra angular: - “Pois que quer dizer isto que está escrito: A pedra, que desprezaram os edificadores, esta veio a ser a principal do ângulo?” (Lucas, 20:17). Tal indagação, proferida pelo Cristo, forçava sacerdotes e escribas a recordar o “que está escrito” no Velho Testamento (A pedra que desprezaram os edificadores, esta foi posta na cabeça do ângulo”), Salmos, 97:22; - “...vou a lançar nos fundamentos de Sião uma pedra... provada no fundamento...”, (Isaías, 28:16). Se nos ativermos à lição de textos sagrados, Jesus é a pedra angular, o principal fundamento - apóstolo divino, em missão de sacrifício; Pedro é a pedra da comunidade humana espiritualizada - apóstolo carnal, em missão de devotamento. Permanece uma para sempre invulnerável; arranhada outra por três sucessivas negações, submergiria em águas amargas de remorso, para emergir a tempo, escorreita de espurcícias, como sólido padrão de esperanças na perfectibilidade. Eis porque acolhe Pedro com serena humildade uma advertência do Mestre: que a pedra não se transformasse em “pedra de escândalo”, isto é, de tropeço
(escândalo significa o que nos leva a tropeçar, a cair). E em suas epístolas, sem reivindicar primazia, apenas se intitula “apóstolo”, “servo”.
8 - Simão, mencionado como Simão Cananeu, em Mateus, 10:9 e Marcos, 3:18; como “Simão, chamado o Zelador”, em Lucas, 6:15; como Simão, o Zelador, em Atos dos Apóstolos, 1:13. “Zelote”, rejeitado na Vulgata, parece não indicar o apóstolo. Aplicar-se-ia talvez ao membro da seita dos “zelotas”, confundida com a dos sicários ou portadores de punhal, porque ambos, o zelote e o sicário, levavam ao extremo do homicídio sua intransigência religiosa. Pouco se sabe acerca do apóstolo zelador ou zeloso, com base no Novo Testamento. Torna-se difuso ainda o campo de pesquisa, por causa de abundante homonímia; - Simão ou Pedro, já especificado; Simão, o curtidor (Atos, 9:43; 10:6, 17); - Simão, o Fariseu (Lucas, 7:36 a 50);-Simão Iscariote (João, 13:2); - Simão, o mágico (Atos, 8:13, 18 a 24); - Simão, o negro (id., 13:2).
9 - Tadeu, assim mencionado em Mateus, 10:3 e Marcos, 3:18; como “Judas, não o Iscariote” em João, 14:22; como “Judas irmão de Tiago” em Lucas, 6:16 e Atos dos Apóstolos, 1:13. “Irmão de Tiago”, confirma ele próprio (Epístola de Judas, isto é, de Judas Tadeu, na prática simplesmente Tadeu). Qual dos dois Tiagos? O “menor”? Nesse caso, Tadeu seria filho de Zebedeu. Leve-se em conta, porém, que no texto evangélico os filhos de Zebedeu formam um par específico: os dois “Boanerges”, os dois “filhos do Trovão”, isto é, Tiago maior e João Evangelista. Restam as hipóteses de meio irmão, em ambos os casos, ou a de irmão no sentido de parente.
10 - Tiago (maior), mencionado como Tiago, filho de Zebedeu, em Mateus, 10:3 e Marcos, 3:17; como Tiago em Lucas, 6:14 e Atos dos Apóstolos. Na prática, Tiago maior. Irmão de João e filho de Zebedeu (Mateus, 4:21 e 10:3, citado; Marcos, 1:19; Lucas, 5:10, este dubitativo). Irmão também de Judas Tadeu? Por parte de mãe? Parente? Quem aventou a associação filial foi Lucas (6:16), que não conviveu com os apóstolos diretos; o texto de Atos dos Apóstolos (1:13) corrobora o de Lucas, mas a este evangelista se atribui autoria dos Atos. Fonte única, por conseguinte, aparentemente reforçada pela “Epístola de Judas”, onde “irmão de Tiago” pode não ser “filho do mesmo pai”. Integrante do grupo inicial (ver número 3 - Filipe, número 6-Mateus), participou de episódios culminantes, como transfiguração no Tabor, agonia em Getsêmani, aparição em Tiberíades.
11 - Tiago (menor), mencionado como “Tiago, filho de Alfeu” em Mateus, 10:3; Lucas, 6:15; Atos dos Apóstolos, 1:13; como “Jacob, filho de Alfeu” em Marcos, 3:18. Na prática, Tiago menor. “Irmão” de Jesus (Mateus, 13:55; Marcos 6;3). Com vínculos de carnalidade não se coaduna por certo a natureza do Cristo, cuja transcendência deslumbra os doutos “numa vaga imensa de relâmpagos ofuscadores”. (ver Antônio Lima, “Vida de Jesus”, pág. X). Considere-se outrossim o aclive de ambigüidades. Nem se fixou desde os primórdios a convenção diferenciadora (Tiago menor, Tiago maior), nem cuidaram os antigos de estremar “Tiago” de “Jacob”. Poucos timbraram em diversificar, como o Padre Antônio Vieira, que insiste na grafia “Jacobo”, mas isso em relação a Tiago maior (pelo menos no Sermão da Terceira Quarta feira de Quaresma, vol. III dos Sermões revistos pelo Padre Gonçalo Alves, Porto, 1907, páginas 206, 207, 215, 216, 220, 221). Teremos assim um ‘Jacobo” igual a Tiago maior, um “Jacob” igual a Tiago menor (dado como “irmão” de Jesus) e um Tiago sem aposto, só nitidamente identificável com o filho de Alfeu, após desaparecimento do filho de Zebedeu. A partir de então, apenas subsiste um Tiago, a cujo prenome será dispensável apensar o “menor” , autor inconteste da Epístola dirigida às “doze tribos que estão dispersas”. Quanto a considerá-lo irmão carnal de Jesus, veja-se “Incerteza Relativa em Graus de Parentesco.”
12 - Tomé, assim mencionado em Mateus, 10:3; Marcos, 3: 18; Lucas, 6:15; Atos dos Apóstolos, 1;13; como “Tomé... que se chama Dídimo” em João (20:24; 21:2). Não pertence ao número dos reiteradamente citados no Evangelho.
12 - bis Matias, substituto de Judas Iscariote (Atos dos Apóstolos). Após o primeiro e trágico desfalque, recompunha-se o número de doze, escolhido talvez por correlação com as tribos de Israel: - “... estareis assentados também vós sobre doze tronos, julgando as doze tribos de Israel.” (Mateus, 19:28); - “... sobre tronos para julgar as doze tribos de Israel.” (Lucas, 20:30); - “E ele me transformou em espírito a um grande e alto monte e me mostrou a santa cidade de Jerusalém... e ... uns nomes escritos, que são os nomes das doze tribos dos filhos de Israel... E o muro da cidade tinha doze fundamentos e neles os doze nomes dos doze apóstolos do Cordeiro” (Apocalipse, 21:10, 12, 14, salteadamente).
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