O Verdadeiro Céu
J.Hervy
Revue du Spiritualisme Moderne
Reformador (FEB) 15.9.1907
Feliz daquele que tem fé e cujos olhos voltaram-se para a espiritualidade.
Feliz aquele cuja alma imortal tem consciência de sua imortalidade.
Feliz aquele que espera uma vida melhor, e que começa a construir o seu céu.
Porque Deus não criou um paraíso, nem mesmo paraísos para cada categoria de almas. Deus criou o pensamento e o pensador, e disse a cada ser; “- Vai e, à minha imagem criado, cria tu mesmo o teu universo.”
De modo que cada indivíduo, pelo próprio fato de viver, isto é, de pensar, edifica a sua criação particular.
Cada homem cria a sua vida terrestre e sua vida celeste.
Segundo o modo por que interpreta as forças que agem sobre ele, segundo a inteligência que emprega para perceber os efeitos e as causas que sobre ele reagem, edifica o seu mundo e fabrica o seu céu.
Nada recolheis lá em cima senão o que semeastes aqui em baixo.
Vossa vida celeste será a continuação lógica de vossa existência terrestre - a continuação de nossos sentimentos, de nossas afeições, de nossa aspirações, mais ampliadas e engrandecidas.
Aquele que tem baixas afeições, aspirações vulgares, sentimentos egoístas, paixões inferiores e perversas, são honorosamente desgraçados, porque o mal que neles está, e que cometeram sobre a Terra, lhes criou um universo espiritual feito de dor e sofrimento.
Aqueles que, porém, voltaram a sua alma para um ideal elevado, encontram em seu céu o seu ideal maravilhosamente realizado.
Encontram as criações de seu pensamento na forma pura e perfeita, adequada ao plano espiritual, sem as deformações e sem os erros da matéria.
Não creias, pois, que as provas e as dores sejam inúteis, apesar da inutilidade aparente da maior parte dentre elas; há provas, como há a floração primaveril. E precisa uma multidão de flores para que a árvore produza alguns frutos.
Entre a multidão de dores, poucas são fecundas, como poucas flores chegam à maturidade.
Quanto mais sensível é a alma, tanto mais produz essa floração dolorosa, porque mais se carrega de frutos.
Todos os que chegam a um certo grau de perfeição atraem a dor, pelo seu único estado de adiantamento relativo, porque neles a vida espiritual, tão fecunda, prepara abundantes e misteriosas messes, por meio de abundantes e misteriosos sofrimentos, que são o eco da luta empenhada entre o espírito e a natureza.
Relede a paixão de Cristo e meditas na agonia do Jardim das Oliveiras.
Se a nossa alma foi tocada pela vida espiritual, ela estremecerá e sentir-se-á profundamente perturbada.
Aí esta o verdadeiro segredo da dor.
O puro dos puros, o homem celeste está em luta com o mundo inferior e ignorante da matéria, e a agonia moral que o arrebata é a agonia, a grande agonia, que desde a origem dos mundos assombra as Humanidades.
A aliança passageira do mundo finito com o mundo infinito trás esses choques sucessivos que abalam o homem e fazem bramir sua carne e seu espírito. E, quanto mais espiritual é o ser, tanto mais a vida terrestre multiplica esses choques e essas agonias.
São essas dores incessantemente renovadas as únicas que lhe revelam que o seu reino não é deste mundo e que lhe é mister buscar, para além do mundo sensível, seu verdadeiro universo de harmonias e felicidade.
Considerai que, para ser muito feliz lá em cima, é preciso ter sofrido muito sobre a Terra.
O homem que verdadeiramente não sofreu, está ainda em harmonia com a natureza e ligado por ela à vida limitada das sensações e dos aspectos inferiores do Universo.
Mas aquele cujo coração tem sangrado, cuja alma foi torturada pela amargura, cujo ser interior sentiu-se mortificado pelas cadeias da vida física, e que tem sede da libertação espiritual, somente esse compreenderá os verdadeiros esplendores do mundo celeste.
Bendizei vossas provas, elas abrirão em vós os olhos do homem interior; elas vos ajudarão a construir o vosso céu - céu tanto mais belo, tanto mais esplendoroso quanto mais o vosso coração se tiver despojado do egoísmo, e comprazido a vossa inteligência na pesquisa do verdadeiro e do belo, que são as formas do amor, aplicadas, não mais aos sentimentos mas à inteligência.
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