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Propaganda Católica ( F )
Sob o título acima e “O grande mal do Espiritismo”, recebemos um folheto de propaganda involuntária do Espiritismo, folheto que teve larga distribuição em todas as igrejas...
O autor do folheto começa por dizer “que o Espiritismo não tem uma doutrina fixa porque se baseia nas revelações do outro mundo”.
Se o Espiritismo não tem uma doutrina fixa, por que este pavor de que está possuída a Igreja? Que mal lhe pode advir disso?
Se decretar dogmas e absurdos e fizer os crentes aceitá-los sem exame, sem raciocínio, é ter doutrina fixa, é justo confessar que não temos tal coisa; temos, entretanto, uma doutrina fixa, e esta é o Evangelho de N. S. Jesus Cristo, explicado, nos pontos a que ele se refere como sendo as suas palavras espírito e vida, em espírito e verdade, pelos seus mensageiros.
A fixidez da doutrina católica foi que gerou o materialismo. Para a Igreja, até hoje, o mundo é fixo e o Sol gira em torno dele.
Se tudo progride, fatalmente a noção da moral tem também de progredir com o correr dos tempos. A prova disse é que Moisés pregou a um povo bárbaro, povo de escravos, recém-libertados, a doutrina de “olho por olho e dente por dente”, doutrina ainda hoje adotada pela Igreja, enquanto Jesus veio ensinar: “amai os vossos inimigos, fazei o bem aos que vos odeiam e orai pelos que vos perseguem e caluniam”. Esta é a doutrina adotada pelo Espiritismo e é por isso que a Igreja diz que temos parte com o demônio. Bendito demônio que a isso induz.
Porventura pode o autor, ou melhor, a Igreja, mostrar um único ensino, nos livros de Kardec, de Léon Denis ou em outros tantos de ensinos espíritas, que não esteja de acordo com a moral de Jesus? Aponte-os, mas não invente.
Não podendo fazê-lo, lança mão da mentira, como acontece no folheto a que me refiro. Diz a Igreja: “Estas revelações em geral se adaptam ao modo de pensar do médium, conforme diz Allan Kardec no livro “O que é o Espiritismo”, pág. 92”.
O que se encontra na página 92 e seguintes é um diálogo entre um padre e Kardec, do seguinte teor:
“Padre – Se a Igreja, vendo levantar-se uma nova doutrina, cujos princípios, em consciência, julga dever condenar, podeis contestar-lhe o direito de discuti-los e combatê-los, premunindo os fiéis contra o que ela considera erros?
A.K. – De modo algum podemos contestar esse direito, que também reclamamos para nós mesmos.
Se ela não houvesse encerrado nos limites da discussão, nada haveria de melhor; lede, porém, a maioria dos discursos proferidos por seus membros e publicados em nome da religião, e os sermões que têm sido pregados, e vereis neles a injúria e a calúnia transbordando por toda parte e os princípios da doutrina sempre indigna e perversamente desfigurados.
Do alto do púlpito os espíritas não temos sido qualificados de inimigos da sociedade e da ordem pública, não temos sido anatematizados e rejeitados do grêmio da Igreja, chegando-se a avançar que é melhor ser incrédulo do que crer em Deus e na alma pelos ensinos do Espiritismo?
Não lamentam muitos hoje não se poder atear para os espíritas as fogueiras da Inquisição?
Padre – Todo homem sensato deplora esses excessos; mas a Igreja não pode ser responsável pelos abusos cometidos por alguns dos seus membros pouco esclarecidos.
A.K. – Convenho; mas entrarão na classe dos poucos esclarecidos os principais da Igreja? Vede a pastoral do bispo de Alger e de alguns outros, nossos conhecidos...”
É exatamente o que acontece aqui.
Mas que é que a Igreja defende? (falo do clero). Não é a sua farta subsistência? Não é a sua ociosidade? Não é a sua, durante séculos, privilegiada posição? Não é o domínio das consciências favorecido pela ignorância do povo? Quais são as suas obras? Que é que ela faz de graça que de algum modo aproveite a quem quer que seja?
As obras de Francisco de Assis, de Vicente de Paulo não são obra da Igreja; eles, enquanto vivos, não foram por ela benquistos. A Igreja perfilhou as confrarias muito depois da desencarnação de seus fundadores.
Demonstre, porém, com fatos concretos, o mal produzido pelos adeptos da Doutrina Espírita, já que não temos papa nem clero para fazê-lo. Desejamos, mesmo, que se exponha ao juízo do mundo o nosso mal.
Continuando, diz o autor do folheto: “Sendo que todos nós somos médiuns, no dizer de Léon Denis (“ Depois da Morte”, pág.222)”, chega o autor à seguinte conclusão tendenciosa: “e sabendo todos que “cada cabeça, cada sentença” – podemos concluir logicamente: O Espiritismo, como doutrina religiosa e como ciência, é uma confusão.”
O Espiritismo nem é confusão como doutrina religiosa nem como ciência, por não ser ele obra dos homens como o são os dogmas católicos, sim obra de Espíritos superiores, enviados pelo Cristo com o objetivo de esclarecer a Humanidade sobre a vida de além-túmulo e apontar-lhe o caminho da salvação. E tanto assim é, que jamais uma filosofia tocou tantas consciências e fez tantas conversões em tão curto espaço de tempo, como a explanada n’”O Livro dos Espíritos”.
Quanto a “todos nós sermos médiuns”, segundo afirma Léon Denis e segundo ensinam os Espíritos, é um fato, e a própria Igreja ensina “que cada um tem o seu anjo de guarda, ou guia, segundo o dizer dos Espíritos. O guia fala a consciência do guiado inspirando-o para o bem e censura por meio dessa mesma consciência os maus atos e maus pensamentos, assim como os Espíritos atrasados, inimigos nossos de existências passadas, nos tentam e procuram prejudicar-nos desviando-nos do cumprimento do dever. Isto é doutrina católica, pois ela tanto admite a tentação do demônio como a proteção dos santos e do anjo de guarda, admitindo ipso facto a mediunidade universal. E... da mesma forma pode aplicar-se a si mesma o provérbio “cada cabeça, cada sentença”, pois que, com diferença de poucos dias, um cardeal manda excomungar os protestantes e mover-lhes guerra, enquanto um outro, homem de real valor, sai do seu caminho para visitar a Convenção Protestante de Detroit, onde disse alto e em bom som “estar certo de que tanto as ovelhas da sua igreja como as de outra qualquer seita cristã, são filhos de Deus”. São, pois, dois príncipes da mesma infalível Igreja que se contradizem.
A simples proibição às suas ovelhas da leitura dos livros espíritas, bem como do tratamento pelo Espiritismo, S. Em. o Sr. Cardeal deve estar farto de saber que é um convite para fazer o contrário. E as estatísticas o demonstrariam se fosse caso de os espíritas fazerem reclamo.
Lê-se ainda no folheto: “O médium, então, ou é um espírita sincero ou é um explorador da credulidade pública. Se é um espírita sincero, é perigoso, pois caminha para a loucura; é na melhor hipótese um doente.” (E diante desta classe de doentes a Igreja treme?)
Eis o que diz, a respeito, o Dr. Juliano Moreira: “até hoje não tive a fortuna de ver um médium, principalmente os chamados videntes, que não fosse nevropata.”
Assim pensam os Drs. Franco da Rocha, Homem de Melo, Henrique Roxo, A. Peixoto e um sem número de homens de valor.” (?)
É o velho chavão, já muito enferrujado. E se a Igreja assim pensa, admira que ela tenha tanto medo dos loucos, ou, na melhor hipótese, dos doentes, que se atrevem a não abdicar da razão e deixar que ela pense e raciocine por eles, pagando, já se subentende.
Quanto ao que ela atribui como sendo opinião do Dr. Juliano Moreira, pouco ou nenhum valor tem no caso, pois que ele não se tem dedicado a pesquisas psíquicas e a sua opinião é mais que contrabalançada pelos seus colegas Drs. Bezerra de Menezes, Paul Gibier, Dias da Cruz, March, Pinheiro Guedes, Alberto Seabra, Charles Richet, Lombroso, Conan Doyle, o próprio Laponi (este médico do Vaticano), e inúmeros médicos e cientistas de real valor, que durante longos anos se dedicaram desinteressadamente a exaustivos estudos. E quanto ao que pensam os outros médicos citados, que valor tem as suas opiniões diante dos fatos constatados em todas as partes do mundo por homens sábios?
Que valor tem tal opinião diante do fato presenciado pelo senador Dr. Virgílio Mendonça, Dr. Remígio Filgueiras e outras pessoas, no Pará, em casa do Sr. Eurípides Prado, onde assistiram a uma operação praticada por um Espírito que, em presença de todos, se materializou, operou e sumiu-se depois de lancetar um tumor?
Que valor têm as suas opiniões diante do fato de um médium receitar remédios, acertando no diagnóstico de uma pessoa a mil léguas de distância, somente com apresentação do nome, idade e moradia do doente?
Lê-se ainda no folheto: “O Espiritismo prega a prática da caridade, dá esmolas e remédios. As grandes virtudes são três: Fé, Esperança e Caridade, segundo as palavras do próprio Cristo, nosso Senhor. O Espiritismo fomenta a caridade (ora graças), mata por completo a fé e falsifica a esperança. Conclusão: é uma seita legitimamente filha do Espírito das trevas, do Espírito mau, que deslumbra com luz falsa para matar.”
De fato, o Espiritismo, isto é, os Espíritos não se cansam de aconselhar a prática da caridade que é a tábua de salvação da criatura e o Evangelho de Jesus resume-se nisso: “O amor a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo; portanto, se o Espiritismo fomenta a caridade, está, ipso facto, dentro da lei e disso nenhum mal pode advir.
Diz a Igreja que o Espiritismo mata por completo a fé. Também isso não deixa de ser verdade se a Igreja se refere à fé que ela prega, a fé cega, a fé que sem exame aceita os seus mistérios sem lhes procurar uma explicação. Mata-a mesmo. Mas no seu lugar dá origem à fé raciocinada, à fé baseada em fatos e provas provadas da sobrevivência da individualidade consciente e da possibilidade de sua comunicação com o mundo material.
No nosso caso, não existe mais a fé vacilante do católico, que pratica os atos prescritos pela Igreja, por causa da dúvida, se por acaso Deus for assim mesmo como a Igreja pinta.
Quanto à esperança, também tem razão a Igreja. Ela dá aos seus fiéis mais de uma: dá-lhes a do céu, a do purgatório e a do inferno. Dá-lhes a esperança na comunhão, nas rezas e a promessa da nossa senhora do Carmo de tirar do purgatório no primeiro sábado depois da morte, a quem adquirir um escapulário. Na dúvida, porém, de que a nossa senhora do Carmo cumpra a promessa, aconselha a Igreja que se mande dizer missa, mesmo que o freguês tenha levado o escapulário para o outro mundo.
Para o espírita a esperança se transforma na certeza de que a lei é uma só para todas as criaturas e que a cada um é dado segundo as suas obras, e de acordo com o grau de culpabilidade é julgado pela sua própria consciência no Além, que a salvação é universal, porque a todas as criaturas é dado expiar e reparar o mal feito e que essa expiação e reparação se executam por meio da lei da reencarnação.
Quanto à conclusão acima citada, ainda deste mercantilismo, quem segue os conselhos do Cristo, dando de graça o que de graça recebe, por força há de ter o diabo no corpo, visto que a única religião verdadeira, isto é, os seus propugnadores tudo vendem a preço marcado desde o batismo até a encomenda e benzedura do corpo podre para melhor os vermes o devorarem. E tudo isso por espírito de caridade, às avessas...
Naturalmente, quem se atreve a dar receitas e remédios de graça e a curar, sem interesse de espécie alguma, pois a despeito de toda classe de acusações, a Igreja ainda não demonstrou que interesse material nos move e assim proceder, é um astucioso e tem por força que ter pacto com o demônio, visto que a Igreja, que é a única do Deus verdadeiro, nada disso pode fazer.
E as palavras de Jesus aos apóstolos e aos sucessores dirigidas: “Ide, curai os enfermos, limpai os leprosos, ressuscitai os mortos, daí vista aos cegos, fazei andar os paralíticos, expeli os espíritos imundos, daí o de graça o que de graça recebeis”, é uma tradução falsa do texto latino. O que aí consta é justamente o contrário. Aí Jesus manda: “negociai com os sacramentos, vendei as missas e se alguém vos implorar uma prece de graça, excomungai-o.
A Igreja tem por força de seguir os ensinos do texto latino, pois que é em latim que ela reza.
O folheto finaliza com o seguinte:
“Em resumo: o Espiritismo é um mal. O bem que ele possa fazer, pela Caridade, desaparece diante dos males funestos que espalha por toda parte.
“Contribuir de qualquer modo para propagar essa moléstia, (é contribuir para a diminuição da renda da Igreja e do seu conseqüente poder, e, portanto) é cometer um crime. A imprensa devia ser a primeira a calar qualquer notícia dessas aparições forjadas pela superstição dos tolos e pela esperteza dos maliciosos.
“Se, como diz o Evangelho, pelo fruto se conhece a árvore e sendo os frutos do Espiritismo: o suicídio, a loucura e a perda da fé (católica) é dever de consciência (católica) combater o Espiritismo.”
Se na coerência dos seus ensinos condescendemos com a Igreja, dando-lhe razão, não podemos concordar com este final, mesmo porque a Igreja não demonstrou, com um único fato, ao menos, ser o Espiritismo um mal. Acusar sem provas não é honesto. É preciso provar: e por isso proponho o seguinte alvitre:
Se a Igreja tem coragem, obtenha do Dr. Juliano Moreira, a quem cita no seu folheto, licença para se proceder a um inquérito com o fim de verificar quantos católicos e espíritas se acham internados em Hospício de quem é diretor, ou, para ser mais favorável à Igreja, quantos doentes se acham aí internados sofrendo de mania religiosa e quantos aí se acham devido ao Espiritismo. Argumentemos com fatos.
O “Occult Review” de Novembro, citando a resposta de Sir Artur Conan Doyle deu a um pastor, que também cometeu a leviandade de dizer que o Espiritismo faz loucos, cita a seguinte estatística: “Numa investigação a que se procedeu nos asilos de New England, a parte dos Estados Unidos onde o Espiritismo é mais disseminado, verificou-se que de 14.500 casos de alienação mental existiam 22 clérigos e 4 espíritas”.
Como nos Estados Unidos, segundo o último censo, existiam aproximadamente 12 milhões de católicos e 31 milhões de protestantes, portanto, mais ou menos 25% da população total, pode-se razoavelmente presumir que entre os 14.500 internados havia 3.620 católicos e protestantes para 4 espíritas.
Se quiséssemos usar de má fé de que usam os nossos adversários gratuitos, concluiríamos que é muito mais perigoso ser católico do que espírita. Os mesmos algarismos se aplicam ao suicídio e a Igreja sabe disso melhor do que nós.
Nós, porém, não pretendemos nem devemos usar das mesmas armas para responder aos nossos detratores. Se os clérigos e os seus fiéis internados nos hospícios sofrem das faculdades mentais, não é devido à religião que professam ou representam, e, sim, as faltas, crimes, cometidos em existências passadas, que Deus permite por esse meio serem resgatados. É a lei de “quem com ferro fere com ferro será ferido” que se cumpre.
Quanto a ser crime, o “contribuir para propagar a moléstia do Espiritismo”, é questão de opinião e opinião de quem, neste caso, tem interesse material em abafar a verdade para que o seu erro não seja manifesto.
A imprensa não foi instituída para calar fatos que se desenrolam, só para ser agradável a quem julga que os fatos o possam prejudicar, e, si, para esclarecer a Humanidade.
Os fatos espíritas, mesmo com a imprensa arrolhada, como quer a Igreja, produzem-se tão amiúde nos lares católicos, sem ser provocados, que por si só bastarão para converter as massas.
Lamentamos o clero católico, pois, de sobra, conhecemos a sua responsabilidade quando, como agora, procura acirrar ódios contra quem lhe procura acirrar ódios contra quem lhe procura abrir os olhos para que não caia no abismo que ele mesmo está cavando. Que Jesus o ampare, são os nossos votos sinceros.
De um anônimo recebemos a seguinte missiva que aqui transcrevemos para ser respondida por quem de direito, visto ser impossível a nós.
“Rio, 25 de Novembro de 1919.
Ilmo. Sr. Fred. Figner
Caro Amigo:
Poderá V. S. me explicar, pela “Crônica Espírita”, no “Correio da Manhã”, qual é a razão por que S. Em. o Cardeal Arcoverde faz a campanha somente contra o Protestantismo, Espiritismo, Abrigo Teresa de Jesus e a Associação Cristã de Moços e deixa em paz o Positivismo que fez a separação da Igreja do Estado no Brasil? Será porque no Exército brasileiro haja muitos positivistas? Como eles são espertos!
Um vosso admirador”
Tem, pois, a palavra, S. Eminência.
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