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Raios de Sol... em Eclipse ( A )
Recebi um folheto, sob o título “Raios de Sol”, cuja impressão foi autorizada pelo Rev. Arcebispo Coadjutor.
O Autor começa por dizer que o “Espiritismo é um conjunto de doutrinas errôneas e de práticas misteriosas e más”, sem, no entanto, explicar em que consistem as maldades, a não ser que maldade seja estragar o negócio dos padres.
Entretanto, nem o rev. Coadjutor parece ignorar a Doutrina Espírita, nem o autor do folheto, pois que escreve:
“Quanto à doutrina, o Espiritismo afirma:
1º -- Que há espíritos e almas, e neste ponto estamos de acordo (graças a Deus);
2º -- que estes Espíritos, nossas almas, existiram antes do nosso nascimento, talvez desde a eternidade, ou pelo menos algum tempo antes de nascermos;
3º -- que estes Espíritos ou almas transmigram de um corpo para outro e de um para outro astro, purificando-se mais e mais, sendo estas reencarnações castigos de pecados de que se vão limpando sucessivamente, tornando-se o seu corpo sempre mais espiritual, até que, a certa altura, só fica o perispírito, um corpinho tênue com o qual vivem as almas;
4º -- as almas ou Espíritos podem comunicar com os habitantes deste mundo sublunar;
5º -- (aqui é que o carro pega), que não há inferno; o inferno ou as penas do pecado são as reencarnações;
6º -- tudo que é de graça; sacramentos e Religião Católica não aproveitam nem muito nem pouco, nada.”
E a Igreja já provou em tempo algum o contrário? Quando e onde?
Sendo o Rev. o Sr. Coadjutor tão erudito e conhecedor profundo do Evangelho, peço-lhe que cite um só versículo do Evangelho, onde Jesus tenha instituído algum dos rituais ou cerimoniais praticados pela sua Igreja.
Não somos só nós que afirmamos que o ritual, os atos pomposos e a maioria dos sacramentos da Igreja nada aproveitam, a não ser ao padre. A mesma opinião externou frei Elias Sigismundo de las Paderas que, renunciando ao seu ministério, publicou uma carta, cujo conteúdo produziu grande abalo na sociedade portenha e grande escândalo nas fileiras clericais argentinas.
Eis a famosa carta do frei Elias, publicada em vários jornais e revistas de Buenos Aires:
“Convencido do erro em que vivi durante os melhores anos de minha vida inutilizada pelas práticas de um ministério, que hoje a minha consciência de homem livre repugna, resolvi retirar-me definitivamente do sacerdócio.
“Ao deixar de ser, por minha própria vontade, ministro da igreja, julgo cumprir um sagrado dever, tornando públicos os motivos que tive para adotar uma resolução que é irrevogável.
“Reconheço que há um Deus, porém, entre a divindade e o homem, interpõe-se o padre com o fim de ridicularizar o primeiro e explorar o segundo.
“O Evangelho, tal qual o predicaram os discípulos de Cristo, é uma obra admirável; porém, a Teologia encerra uma doutrina diametralmente oposta ao Evangelho e seus absurdos dogmas são interpretados por sacerdotes que, conhecendo as máximas do Filho de Deus, entregam-se a um luxo indigno da humildade de Cristo.
“A moral eclesiástica tem por base a hipocrisia; a Liturgia é uma infame comédia.
“A dominação da sociedade civil por Sílabus, que é a negação de toda a liberdade individual, e pela confissão, que é a farsa mais iníqua, a arma mais temível e que torna o padre depositário da honra das famílias – é uma dominação que precisa ser abolida em benefício da dignidade humana.”
Nunca tive coragem de dizer as verdades com a energia com que as diz o valoroso frei Elias. Que Jesus o ampare.
Continuando a leitura dos “Raios de Sol”, a que me referi no artigo anterior, deparei com o seguinte período, que naturalmente também foi lido por s. rev., visto que o folheto tem o seu imprimatur (publique-se).
Diz o folheto: “Além disso, o afirmar-se que as nossas almas têm além do corpo carnal um invólucro sutil a que chamam perispírito, com o qual se nos apresentam e aparecem é uma ridicularia sem sombra de fundamentos.”
É boa, Sr. Coadjutor.
Então, as almas ou Espíritos são incorpóreos? Se são incorpóreos e vão, como s. rev. faz constar, para o inferno, que é que aí se queima? Que classe de fogo é este que queima almas incorpóreas? Certamente, v. rev. está gracejando, pois ignorará o que as sumidades da primitiva Igreja escreveram sobre o corpo fluídico, etéreo, dos Espíritos?
Com licença, vou refrescar-lhe a memória.
Tertuliano, padre da Igreja, em 196, declara que a corporatura da alma é afirmada pelos Evangelhos: “Corporalitas animae in ipso Evangelio relucescit”, porque – acrescenta ele – se a alma não tivesse um corpo, “a imagem da alma não teria a imagem do corpo.” (Tratado “De Anima”, capítulos 7-9, edição 1657, pág.8)
São Basílio, no seu “Liber de Spiritu Sancto”, cap. 16, edic. benedit. De 1730, t. 3, pág. 32, fala do corpo espiritual da mesma forma que Tertuliano.
São Gregório, São Cirilo de Alexandria e Santo Ambrósio também aceitavam e ensinavam a mesma doutrina. Assim Santo Ambrósio ensina:
“Não se suponha que criatura alguma seja isenta de matéria em sua composição, excetuando unicamente a substância da adorável Trindade.” (“Abraham”, liv. 2, parág. 58, edic. benedit. 1686, t. I col. 338)
São Cirilo de Jerusalém diz: “O nome espírito é um nome genérico e comum: tudo o que não possui um corpo pesado e denso é de um modo geral denominado espírito.” (“Catechese, cap. 16, edição 1720, págs. 251-252)
Em outras passagens atribui São Cirilo, quer aos anjos, quer às almas dos mortos, corpos mais sutis que o corpo terrestre. (Veja Cat. 12, parágrafo 14, cap. 18, parág. 19, obra citada)
Evódio, bispo de Uzala, escrevendo a Santo Agostinho, em 414, indagando a respeito da natureza e da causa das aparições de que lhe dá muitos exemplos, diz:
“Quando a alma abandona este corpo grosseiro e terrestre, não permanece a substância incorpórea unida a algum outro corpo, não composto dos quatro elementos como este, porém, mais sutil, e que participa da natureza do ar e do éter?” E termina a sua carta da seguinte forma: “Acredito, portanto, que a alma não poderia existir sem corpo algum.” (Obras Santo Agostinho, edic. benedit. De 1679. T. 2, carta 158)
E S. Bernardo, que talvez não tenha atingido o saber do nobre coadjutor, diz: “Atribuiremos, pois, com toda a segurança, unicamente a Deus a verdadeira incorporeidade, assim como a verdadeira imortalidade; porque, único entre os espíritos, ultrapassa toda a natureza corporal, o suficiente para não ter necessidade do concurso de corpo algum para qualquer trabalho, pois que só a sua vontade espiritual, quando a exerce, tudo lhe permite fazer.” (“Sermo VI um Cantica”, edic. Mabillon, t. I, col. 1277)
S. João de Tessalônica resume nestes termos a questão, em sua declaração ao segundo concílio de Niceia (787), o qual adotou as suas opiniões:
“Sobre os anjos, os arcanjos e as potências – acrescentarei também – sobre as almas, a Igreja decide que esses seres são privados de corpo, ao contrário, dotados de um corpo “tênue aéreo ou ígneo”. Sabemos que assim tem entendido muitos santos padres, entre os quais Basílio, cognominado o grande, o bem-aventurado Atanásio e Metódio e os que ao lado deles são colocados. Não há senão Deus, unicamente, que seja incorpóreo e sem forma. Quanto às criaturas espirituais, não são de modo algum incorpóreas.” (“História Universal da Igreja Católica”, pelo abade Rohrbacher, doutor em Teologia, tomo XI, págs. 209 e 210)
Se, pois, o conhecimento do corpo fluídico, do perispírito não fosse uma lei da Natureza já muito conhecida dos antigos, era o caso de dizer que ele é uma descoberta dos primitivos santos padres, dos verdadeiros sucessores dos apóstolos. Aliás, São Paulo foi o primeiro dos apóstolos que escreveu sobre os corpos terrestres.
Como teria podido Santo Antonio defender o seu pai em Pádua, quando, ao mesmo tempo, pregava na Espanha, se não tivesse um perispírito com que se pudesse materializar?
E S. Rev. o Sr. Coadjutor ignoraria mesmo o que era moeda corrente com os primeiros padres da Igreja? Ou será por que o Espiritismo vem de reafirmar esta verdade que ele a nega? Aqui esperamos a sua explicação.
Prosseguindo na leitura do folheto “Raios do Sol”, que o Sr. Arcebispo Coadjutor mandou publicar, topei com o seguinte período que parece ser caçoada de s. rev., pois é incrível que s. rev. ignore os ensinos evangélicos do Cristo, dizendo:
“Isto da preexistência das nossas almas, da reencarnação a das transmigrações de um para outro planeta é tudo imaginação, devaneio de cérebros desequilibrados, destituídos de todo fundamento.”
Mas então no Sr. Coadjutor ignora que Jesus ensinou a Nicodemos sem que este o interrogasse: “Na verdade, na verdade te digo que não pode ver o reino de Deus, senão aquele que renascer de novo.” Ao que Nicodemos respondeu: “Como pode um homem nascer sendo velho? Porventura pode tornar a entrar no ventre de sua mãe e nascer outra vez?” Jesus, deixando persistir a idéia da reencarnação na mente de Nicodemos, disse: b”Não te maravilhes de eu te dizer: Importa-vos nascer outra vez”. Ao ouvir esta declaração formal dos lábios do Mestre, perguntou Nicodemos: “Como se pode isto dar?” Jesus lhe respondeu: “Tu és mestre em Israel e ignoras estas coisas?” (João, cap. 3)
E eu pergunto: O Sr. Arcebispo Coadjutor também ignora estas coisas sendo mestre em teologia católica, apostólica, romana? Não sabe que a Cabala judaica afirma que as almas combinam, antes de encarnar, de se encontrarem aqui, para juntas, unidas em matrimônio, progredirem, sendo esta a razão por que Jesus censurou Nicodemos, que, considerando-se mestre, ignorava este ensino?
Ignorará que Jesus falando de João Batista disse: “É este o Elias que havia de vir” (Mateus, 11:14) referindo-se ao penúltimo versículo do Antigo Testamento, no qual está anunciada a volta do profeta Elias, aliás, esperado pelos judeus?
Leia o Sr. Coadjutor o que disse monsenhor L. Passaválli, arcebispo vigário da Basílica de São Pedro em Roma: “Do meu espírito desapareceram para sempre as dificuldades que me perturbavam quando Estanislau, “de santa memória” “monsenhor Estanislau Pialowsaky, morto em Cracóvia a 18 de Janeiro de 1885), a cujo Espírito atribuo em grande parte esta nova luz que me ilumina, me anunciava, pela primeira vez, -- a doutrina da pluralidade das vidas do homem. Sinto-me feliz por haver podido verificar o efeito salutar dessa verdade sobre a alma de meu irmão”.
Ignorará também, que “no século XV o cardeal Nicolau de Cusa sustentou, em pleno Vaticano, a teoria da pluralidades das existências da alma e dos mundos habitados, não só com assentimento, mas com os aplausos sucessivos de dois papas, Eugenio IV e Nicolau V? (ver “Meditações sobre a lei de progresso; a Estatística moral e a verdade religiosa, pelo coronel Dusaert – Paria, Didier 1892”) E agora?
Não seria melhor que o meu irmão D. Sebastião Leme estudasse e proclamasse estas verdades, para que os ensinos do Cristo penetrassem no coração do povo do que perder o seu tempo em querer erigir a estátua do Cristo Redentor só para satisfazer uma vaidade humana e talvez a sua nomeação, já de si certa, para cardeal?
Os mil e quinhentos contos que s. rev, calcula custará a estátua, não seriam mais bem aplicados dando instrução sã a crianças desamparadas? Não seria isto mais agradável a Jesus? Será a doutrina salvadora do Cristo mais respeitada pelos que hoje pugnam em lhe erigir esse monumento? Eis as perguntas que nos vêm à mente.
O único fim dessa empreitada é fazer o povo imaginar que os seus taumaturgos são cristãos, quando a verdade é justamente o contrário.
Explora-se a vaidade, prometendo D. Sebastião “que o nome de todo doador de quantia superior a 9$900 será publicada, o seu nome constará no livro de ouro e as fórmulas e papéis, em que os contribuintes subscreveram a sua cota e assinatura, serão guardados “in perpetum” dentro da capela do monumento”. E os menos aquinhoados dos bens terrenos, cuja espórtula por força das circunstâncias é pequena, estes nada merecem. E no fim, o clero terá mais uma capela onde possa ridicularizar Deus e explorar os homens, como disse o jesuíta Elias Sigismundo de lãs Praderas, ao publicar em La Nacion” de Buenos Aires a sua renúncia.
O Cristo, lavando os pés dos apóstolos, sujos do pó da estrada, ensinou que a maior das virtudes é a humildade e a Igreja estimula o orgulho e a vaidade para continuar dominando as consciências.
E nós, que por graça de Jesus procuramos seguir outro rumo, que aceitamos os ensinos dos Espíritos e os publicanos com o único fim de ser úteis ao nosso próximo, somos os hereges, os confabuladores com o demônio. E eles não se lembram de que um dia terão de prestar contas quando transpuserem o limiar do infinito?
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