segunda-feira, 18 de abril de 2011

'A Caridade'



A Caridade


            
                A caridade, na mais genuína acepção da palavra, é, incontestavelmente, a maior e mais sublime de todas as virtudes. Já dizia o apóstolo São Paulo, em sua primeira Epístola aos Coríntios:

               Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, se não tivesse caridade, seria como o metal que soa ou como o sino que tine. E, ainda que tivesse o dom da profecia e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse caridade, nada seria. E, ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse caridade, nada seria. E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse caridade, nada me aproveitaria. A caridade é sofredora, é benigna; a caridade não é invejosa; a caridade não trata com leviandade, não se ensoberbece. Não trata com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal. Não folga com a injustiça, porém folga com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.”

                Como é bela, como é boa e como é grande a caridade!
                Se quiséssemos analisar, com a devida calma, as nossas prevaricações cotidianas, sejam elas cometidas por pensamentos, por palavras ou por ações, evidente se nos tornaria que, sem exceção, dimanam todas de um mesmo princípio, de uma única fonte, que é a inobservância da virtude por excelência: a caridade.
                Os homens, embrutecidos pelo utilitarismo do século, enxovalharam, falsearam e cercearam a ampla significação dessa palavra, encerrando-a num círculo acanhado e vicioso dentro do qual ela se estiola e amesquinha, transformada em sinônimo de vaidade e de egoísmo. É assim que muitos se queixam de não poderem fazer a caridade, alegando carência de bens.
                A caridade, porém, pode e deve ser praticada por todos, desde o nababo até o mendigo, porque a prática da caridade não consiste apenas em distribuir esmolas, dar de comer a quem tem fome, dar de beber a quem tem sede e vestir o que está nu.
                Acima dessa caridade, toda material, há outra, que não pesa em nossa balança econômica, que não nos custa coisa alguma, que está ao alcance de ricos e pobres e, todavia, é a mais difícil de ser praticada: é a caridade espiritual, é aquela a que se referiu o maior dos apóstolos quando disse: “Ainda que eu distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, se não tivesse caridade, nada me aproveitaria.”
                O exercício da caridade não é, pois - precisamos reconhecê-lo - privilégio dos afortunados.
                Seríamos caridosos, se ouvíssemos, com a devida atenção, o pobre infeliz que lamenta a sua sorte, atendendo, se possível, aos seus reclamos, ou consolando-o com palavras amigas e confortadoras, quando nada pudéssemos fazer em seu benefício. Seríamos caridosos, se retribuíssemos com um bem um mal que nos houvessem feito. Seríamos caridosos se, no contato com ignorantes e ‘pobres de espírito’, soubéssemos aturar-lhes as tolices e frivolidades. Seríamos caridosos, se não nos rigozijássemos com os insucessos ou com os infortúnios daqueles que nos perseguem e nos desejam mal. Seríamos caridosos, se não divulgássemos aquilo que nos chegou aos ouvidos, verdade ou calúnia, mas que, certamente, irá prejudicar a um nosso semelhante, conspurcando-lhe a reputação. Seríamos caridosos, se percebendo em nosso irmão um intento maligno, o aconselhássemos, mostrando-lhe o erro e despersuadindo-o de o levar a efeito.   Seríamos caridosos, se, ofendidos, perdoássemos, de coração, ao nosso ofensor, não lhe guardando ressentimentos. Seríamos caridosos, se, não podendo o nosso devedor saldar, na devida ocasião, os seus compromissos para conosco, usássemos de tolerância, contemporizando, sem lhe acrescentar juros. Seríamos caridosos, se, embora essa atitude viesse a chocar-se com os nossos interesses, tomássemos a defesa do fraco e do pobre contra a prepotência do forte e a usura do rico. Seríamos caridosos, se, repreendidos ou castigados por uma falta não cometida, sofrêssemos calados, sem delatar o verdadeiro culpado. Seríamos caridosos, se, vendo triunfar aqueles cujos méritos sejam inferiores aos nossos, não os invejássemos e nem lhes desejássemos mal. Seríamos caridosos, se, conhecendo os erros e os deslizes dos nossos semelhantes, não os cometêssemos em seu desabono. Seríamos caridosos, se, ao nos referirmos aos nossos irmãos, apenas disséssemos das suas qualidades, sem lhes verberar os defeitos e as imperfeições. Seríamos caridosos, se, guiados ao poder, não nos deixássemos tomar pela soberba, tratando os de condição humilde da mesma maneira como os tratávamos antes. Seríamos caridosos, se, mesmo com prejuízo dos nossos interesses, não sacrificássemos os interesses de outrem. Seríamos caridosos, se, por sermos mais inteligentes, não nos irritássemos com a inépcia daqueles com quem convivemos. Seríamos caridosos, se, embora os fatos a tal nos induzissem, não suspeitássemos mal de nossos semelhantes.
                Os homens, porém, não se apercebem dessas oportunidades que se lhe apresentam, a todo momento, para fazerem a caridade. Por quê? Porque essa forma de caridade não transpõe as fronteiras do seu mundo interior, não transparece, não chama a atenção, não provoca glorificações, não lhe satisfaz, portanto, ao egoísmo e à vaidade.
                Os homens traem, empregam a violência, tratam com leviandade, desconfiam, fazem comentários de má fé, compartilham do erro e da fraude, são intolerantes, alimentam ódios, fomentam intrigas, regozijam-se com a impostura, sacrificam seus semelhantes, desperdiçam fortunas no vício e no luxo, transgridem, enfim, todos os preceitos da caridade e, quando dão esmolas ou fazem algum bem, não é porque estejam, realmente, animados no propósito de suavizar as misérias e os sofrimentos alheio; é, sim, com o intuito de subornar a própria consciência, para se iludirem a si próprios e mui especialmente a Deus, esse Deus de bondade que eles desconhecem, porém cuja suposta ira temem e procuram aplacar.
                Ó Deus! Vós que sois todo amor e bondade, tende piedade de nós, porque os nossos corações estão cheios de iniqüidade!
                “Dai-nos a pureza e a simplicidade, dai-nos a fé e a razão, dai-nos a caridade pura, que fará de nossas almas o espelho em que se reflita a Vossa santa imagem.”

                                                                            por Rodolpho Calligaris      
                                                                             Reformador (FEB)   02 - 1938

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