sábado, 23 de abril de 2011

49/50 'Crônicas Espíritas'

49CM


Outra Investida          ( G )



            Novas baterias foram assentadas contra o Espiritismo, e, desta vez, são elas compostas de canhões de grosso calibre. O artilheiro é o incansável e distinto padre Locher da Companhia de Jesus, patrício de Lutero. O diretor de tiro é S. Eminência D. Sebastião Leme, que está começando a ensaiar-se neste gênero de guerra.
            Com o imprimatur de D. Sebastião recebi um folheto que serve de alimento a esses canhões de 420. O folheto começa assim:

            “Estimados leitores!
            “Sois brasileiros católicos, apostólicos, romanos?
            “Então não podeis adotar a perniciosíssima heresia do Espiritismo, sob pena de serdes excomungados pela verdadeira igreja de Jesus Cristo.
            “Não podeis adotar um erro tão grosseiro e irracional como é o Espiritismo, sob pena de serdes taxados de retrógrados e néscios.
            “Não podeis admitir uma religião falsa e estulta, importada do estrangeiro (o padre Locher não foi importado) sob pena de enxovalhardes a honrosa tradição, quatro vezes secular do povo brasileiro que sempre foi católico.”

            A lógica de rev. Locher é de cabo de esquadra.
            Em tudo neste mundo e mau grado o clero, o progresso é uma lei à qual ninguém, por mais retrógrado que seja, pode fugir.
            Obstáculos ao progresso tem a Igreja procurado opor em todos os tempos, mas a despeito da sua tenaz oposição o progresso caminha. As dores, muitas vezes ferindo fundo a Humanidade, dilaceram-lhe o corpo, como o fez a última guerra, para despertar a alma para as alvoradas de uma vida mais consoante com os ensinos evangélicos.
            No estado estacionário, senão retrogrado, em que se acha a Igreja, a lei “Amai os vossos inimigos”, pregada por Jesus e representada pela nova doutrina que surge majestosa, é uma heresia. E de fato o é.
            Não pactuar com a transformação do altar em um balcão de carne seca, onde tudo se ajusta a peso do vil metal, cujo uso o divino Mestre proibiu aos apóstolos, é ser louco, herético, falso e estulto, nestes dias de mercantilismo prático.
            O ser excomungado pela santa mãe Igreja é um horror a que ninguém de bom senso se pode expor, pois os espíritas que foram católicos (e entre eles minha esposa que teve a ventura de ver, sentir, abraçar e ser beijada por sua filha depois de 13 meses de desencarnada) são uns verdadeiros desgraçados.
            Não deixa de ser um néscio quem adotar o erro grosseiro, irracional e seguir o conselho do Cristo de se sacrificar pelo seu próximo. Mas neste caso o mais néscio foi o próprio Cristo, e foi assim tachado pelos sacerdotes daquele tempo, porque lhes veio estragar o rendoso negócio de vender as entradas no reino dos céus.
            O admitir-se uma religião que não seja puramente nacional, é forçoso convir, nestes tempos de nacionalismo, é um crime, mas neste caso é preciso banir em primeiro lugar a Religião Católica, pois esta é de todas a mais estrangeira. E em segundo lugar banir o clero que não seja nacional ou ao menos obrigá-lo a ganhar o pão com o suor do seu rosto, em vez de ganhá-lo com o suor do rosto de seu próximo. E isso é o que o clero quer que continue a constituir a mais honrosa tradição do povo brasileiro.
            Agora, quanto a ser a religião espírita estulta e falsa, isto depende do ponto de vista de cada um.
            Não ponho em dúvida a boa fé com que o rev. Locher escreveu esta frase, e a mesma boa fé com que D. Sebastião a subscreveu. Mas esta mesma boa fé nós a reclamamos para nós e neste caso é preciso um estudo acurado para se verificar de que lado está a razão.
            A primeira coisa a averiguar é o interesse que move as partes contendoras. E como estou certo de que o rev. Locher está agindo de boa fé, proponho-lhe, também de boa fé, a nomeação de uma comissão de ateus ou positivistas ou simples materialistas, que nenhum interesse possa ter por um ou outro lado, para decidir a nossa pendência, isto é, para decidir qual das duas religiões é falsa ou estulta. Sim, qual das duas, porque os mesmos direitos nos assistem, e nós preferimos usar termos mais suaves, porque certos estamos de que com termos acres nada arranjamos, e preferimos mesmo ser mansos como as pombas do que agressivos como as feras. Sentimo-nos mais à vontade.
            Esperamos, pois, as ordens do rev. Locher e de S. Em. D. Sebastião e continuemos a comentar o folheto do revmo. Locher.
            Diz s. rev. que “A doutrina infalível da Igreja ensina que só por uma exceção da lei que separa o mundo visível do invisível, Deus permite que anjos apareçam em forma visível aos homens da Terra e só para certos fins sobrenaturais” (Que sirvam os interesses materiais da Igreja).
            Ora, meu caro padre, bem se vê através da pele do carneiro as unhas do lobo. Deus, por ser Deus, é que não faz exceção da lei, e a palavra sobrenatural só existe no dicionário da Igreja para a fabricação dos dogmas, e v. rev. melhor o sabe do que eu.
            Jesus, porém, disse: “Escrito está: vós sois deuses”, referindo-se a toda a Humanidade, e isto em resposta aos fariseus que em todos os tempos procuraram encobrir a verdade aos povos. E sendo assim, sendo todos nós filhos de Deus, não há razão para que os anjos, ou Espíritos não nos possam aparecer, falar e aconselhar para o bem, como constantemente o fazem, mau grado à negação do clero.
            Se o Espiritismo não fosse uma verdade, aliás, constatada por muitos padres, o clero não se daria tanto trabalho para procurar abafá-lo e especialmente as materializações, que eu tive a grande ventura de presenciar e que são a prova provada de que os mortos voltam e que tudo o que o clero arquitetou, para confundir os homens, não passa de grosseira mistificação.
            E tanto assim é, que o clero anda cabisbaixo, desconfiado, sentindo no seu íntimo que a maioria do povo que pensa já compreendeu a mistificação que lhe querem impingir como religião. O grito de consciência que o clero ouve, e que lhe diz que prestes está a se precipitar no abismo apocalíptico, está produzindo os seus efeitos; e qualquer dia, e Deus queira que não seja longe, veremos uma deserção em massa das fileiras de Roma.
            Os mais corajosos sentem o solo fugir-lhe debaixo dos pés e procuram apressar os passos para ver se alcançam terra firme, mas em vão. E sentindo a sua fraqueza, apela o clero para os mafuás, para ver se com o jogo embriaga o povo. Vicia-o, sim, mas a fé cada vez mais se apaga.
            Tão mal visto anda o sacerdócio que já é preciso lançar mão de reclame especial para alistar meninos para os seminários, pois a rapaziada já não quer ser padre. E, em contraposição, nunca se viu tantos moços e moças espíritas convictos, fervorosos e cheios de fé. Todos vieram do Catolicismo. Sentiram que aquilo não era religião, porque Deus não podia ser parcial, concedendo àqueles que podiam comprar uma grande vela, a saúde e a felicidade e negando as suas graças aos pobres que não dispunham de recursos para fazerem e cumprirem uma promessa.
            O fato é que os maiores sofredores que se manifestam nas sessões espíritas são frades, padres, cônegos, bispos, arcebispos, cardeais e papas, todos eles carregando ainda o estigma da ignomínia e de todas as misérias que o infelicitaram na Terra.
            Meu caro rev. Locher, se quer evitar as dores que acicatam os seus colegas, tome o meu conselho: largue a batina e procure outros meios, que não o de querer tapar o Sol com uma peneira, para servir a Jesus.
            E, se tem dúvidas, faça uma experiência. Lá na sua Companhia, forçosamente há de haver um médium. Experimente com alguns de seus colegas, fazendo-os sentar-se ao redor de uma mesa e colocar as mãos sobre ela. Feito isso, faça um sincero apelo a Deus, porém sincero, pedindo a graça que algum dos seus parentes ou amigos possa vir e esclarecê-lo. Espere com paciência até que a mesa se mexa. Aí, então, interrogue à entidade que se manifestar, de que lado está a verdade.
            Se o seu pedido for sincero, os bons virão e o esclarecerão; se, porém, a sua sinceridade for a mesma com que parece ter escrito o seu folheto, não faça a experiência, porque fatalmente será mistificado por um desses padres, que, estando nas trevas, para lá quer atrair o resto dos seus companheiros.
            Nisso o Espiritismo tem a vantagem sobre todas as religiões. De ninguém se exige que creia sem ver. A todos é dado verificar com fatos a prova da sobrevivência e o interesse com que os nossos parentes e amigos nos acompanham, vendo os nossos atos, sofrendo com os nossos desvarios e gozando quando observam que procuramos ser cristãos.
            Faça a experiência, meu caro rev. Locher, e depois conversaremos. Estou certo de que não deixará de me agradecer o conselho.
            Disse v. rev.: “Quem segue a religião do Espiritismo, cujo rito essencial consiste na evocação dos Espíritos, (que em absoluto não é verdade) desobedece diretamente as ordens de Deus que já no tempo de Moisés proibiu esse comércio abusivo (portanto possível, não é assim?) com o mundo do Além. (Levítico, 26,27; Deuteronônio, 18:10-13)”.
            A esse propósito, dissera o Dr. Mullins: “Vou primeiramente citar e comentar algumas passagens do Velho Testamento e concluirei pela análise do caso especial da (para ele) feiticeira (para nós médiuns) de Endor, consultada pelo rei Saul. E cita: Levítico, 19:31; 20:6; II Reis, 21:6, 23:24; Deuteronômio, 18:9-14; Isaías, 8:9.”
            V. rev., padre Locher, esqueceu-se de citar o capítulo do Levítico. Foi, por certo, confundido na ocasião de escrever, porque os versículos 26 e 27 do capítulo 19 dizem o seguinte: “Não comerás coisa com sangue. Não usareis de agouros, nem observareis sonhos. Não cortareis o cabelo em redondo; nem raspareis a barba... eu sou o “Senhor” e no mesmo Levítico, capítulo 21’, os vers. 5 e 6 prescrevem o seguinte: “Os sacerdotes não farão calva na sua cabeça e não rasparão a ponta da sua barba... Santos serão a seu Deus e não profanarão o nome do seu Deus...”
            V. rev. não pode negar que os versículos por mim citados são também mandamentos do Senhor, segundo a opinião infalível da santa mãe Igreja, do mesmo Levítico com cujos textos quer condenar o Espiritismo, não é verdade? E os padres seguem um único dos mandamentos da lei?
            Os santos padres da santa mãe Igreja não comem coisa com sangue? V. rev. nunca comeu galinha ao molho pardo? Vv. Revs. Não vendem bentinhos para bons augúrios? Não observam sonhos para fazerem a sua fezinha ao bicho, no Sonho de Ouro, onde se acotovelam com a plebe? Os frades católicos não cortam os cabelos em redondo e os padres não fazem a calva na cabeça para mostrar a sua coroazinha de inocência e castidade e não raspam a barba? E são eles santos como preceitua o Senhor?
            Se as citações de v. rev. são lei contra nós, por que não cumpre a Igreja a lei para poder com ela argumentar? E no mesmo Levítico, cap. 19, vers. 4 está escrito: “Não vos volteis para os ídolos, nem façais para vós deuses fundidos. Eu sou o Senhor vosso Deus.” Observais e fazeis cumprir aos vossos fiéis este preceito? Não lhes ofereceis imagens de homens e de mulheres para adoração? Não adorou o papa outro dia a Joana d’Arc a quem outro infalível papa permitiu fosse queimada na fogueira como herege? E não sustentou ela até ao último instante que ela falava com os Espíritos?
            O Velho e o Novo Testamento são espadas de dois gumes, porém, só os gumes que ferem as igrejas estão afiados.
            E o Dr. Mullins cumpre todos os preceitos do Velho Testamento? Imola novilhas e carneiros como manda Moisés para ofertá-los a Deus, espargindo
O sangue em torno do holocausto? Usa roupa tecida de uma só qualidade de fios? Não faz nada disso para não cair no ridículo e, no entanto, quer que nos cinjamos aos preceitos formulados para um povo que só compreendia um Deus que gozava com o cheiro de carne queimada na fogueira, que ordenava o massacre dos Cananitas, homens, mulheres e crianças.
            Quanto à mulher de Endor que tinha o Espírito de adivinhar e à qual Saul consultou, pedindo-lhe que lhe fizesse surgir o profeta Samuel para ser por ele consultado (I Samuel, cap. 28), não passava ela do que hoje se chama médium, e prova que em todos os tempos se praticava o comércio com os desencarnados.
            Nem o padre nem o pastor foram sinceros quando disseram que o rito essencial do Espiritismo consistia na evocação dos Espíritos.
            O Espiritismo foi codificado por Kardec e nesse código os Espíritos ensinam justamente o contrário. A não ser para fins morais, não se deve evocar Espíritos, mesmo porque, estando eles no gozo do mesmo livre arbítrio que a nós é conferido, e tendo eles as suas ocupações muito importantes, não podem eles estar às nossas ordens para serem chamados. Quanto aos Espíritos atrasados que pululam em torno de nós, com estes não é de vantagem entreter comércio, pois só podem prejudicar a quem com boa fé os ouvir.
            O fim principal do Espiritismo é muito outro, e o essencial é a modificação moral das criaturas de acordo com os ensinos do Cristo, cujo Evangelho é a base da nossa doutrina, Os fatos, as provas materiais da sobrevivência não têm outro objetivo senão chamar a nossa atenção para os ensinos evangélicos, pela prática dos quais nos libertaremos das dolorosas encarnações neste mundo de provação.
            Com esse raciocínio, reverendo, os materialistas também afirmariam que o Cristo não passou de um intrujão, de um fazedor de mágicas.
            Veja, por exemplo, o revdo. Esta notícia que se lê no “Progressive Thinker”, de 6 de Julho de 1918, sob a epígrafe “Quarenta anos de observação no Moderno Espiritismo”, contada por G. B. Stebbins, a seguinte notícia:
            “Em 1846, a senhora Lucina Tuttle, de Byron, perto da Bavária, Estado de Nova York, senhora muito respeitada, que tinha uma grande clínica médica e que para isso era magnetizada pelo Sr. Joseph Walker, para sonambulicamente receitar, uma tarde de Junho, quando nesse estado, disse ao seu marido e ao Sr. Walker: os Espíritos de minha mãe, do meu marido e o pai do Sr. Walker estão aqui com mensagens para nós. Era a primeira vez que tais visitas eram mencionadas. O seu marido era um agnóstico e o Sr, Tuttle era membro da Igreja Batista.
            A mensagem do pai do Sr. Tuttle finalizava com estas palavras: “conta isso só a alguns amigos. Brevemente poderás dizer a todos. Estamos fazendo preparativos adequados para produzir demonstrações tangíveis da sobrevivência da nossa personalidade e a possibilidade de nos comunicar com o mundo material, demonstrações que começarão perto de vocês e que irão à volta do mundo.”
            A predição do Espírito, pai de Tuttle, realizou-se a 31 de Março de 1848, espalhando-se pelo mundo inteiro e dando em resultado ser o Espiritismo hoje a única filosofia-ciência-religião, a ciência da religião, dos tempos modernos e de todos os tempos, que não tem um promotor, a única sem uma cabeça e sem diretores humanos, sem indivíduos proeminentes que tomassem a si o encargo de serem chefes do movimento.
            O Espiritismo tem movido os homens, mas não foi Por eles movido, tem escolhido os seus próprios instrumentos sem a intervenção dos homens. É, por outras palavras, um movimento espiritual nascido no seu próprio reino.
            É o trabalho dos próprios Espíritos, que a despeito da má vontade da Humanidade de despertar do sono secular, em que jaz, irrompe nos lares de todas as seitas religiosas, produzindo assombro, e, a despeito do expurgo com rezas e água benta, vem trazendo a convicção aos incrédulos.
            Há, infelizmente, muitos crentes que não têm a coragem necessária para vir à praça pública confessar suas crenças, devido aos preconceitos da sociedade; outros há, que não o fazem por medo de prejuízos materiais; outros ainda por interesse de família, não querendo a sua paz ser perturbada por semelhante ninharia.
            Ai de todos esses, são os de quem Jesus disse: “Todo aquele, pois, que me confessar perante os homens, também eu o confessarei diante de meu Pai que está nos céus, e o que me negar diante dos homens, também eu o negarei diante de meu Pai, que está nos céus.” (Mat., 10:32, 33)
            E por que este medo do juízo do mundo? Será porventura o mundo que nos há de julgar no Além? “Que importa, diz ainda Jesus, ao homem, em ganhar todo o mundo se vier perder a sua alma? Porque o que quiser salvar a sua alma perdê-la-á, e o que perder a sua alma por amor a mim, achá-la-á.”
            São bem significativas estas palavras do Divino Mestre, e referem-se especialmente àqueles que desprezam o cumprimento da lei de fraternidade, e que, agarrados ao bem estar na Terra, deixam que aqueles a quem devem amparar sejam lesados pelo turbilhão das paixões que ainda dominam os corações dos homens; estes são os que ganham o mundo, mas perdem a alma. Esquecem-se eles de que Deus pode dar-lhes os bens do mundo, desde que se esforcem em cumprir a lei; e a felicidade da alma do Além, por acréscimo.
            Mas... prossigamos.
            Continuando, diz o rev. Locher:
            “O único argumento que o Espiritismo tenta invocar em abandono de suas imaginações PE tirado dos fenômenos extraordinários (que assombram o clero de todas as igrejas), que são verificados nas sessões espíritas. “Os Espíritos aparecem; logo, existem.”
            “Suponhamos em favor do adversário que o maior número das aparições não seja o natural produto de sugestão, de alucinação, transe hipnótico ou de artimanhas, mas que sejam reais, sempre lhe fica ao Espiritismo o dever de provar que não pode haver senão uma só causa daqueles fenômenos, a saber: os Espíritos desencarnados.”
            Mas, meu caro padre Locher, se v. rev. reconhece que o Espiritismo se baseia nos fenômenos extraordinários que aparecem nas sessões e, aqui digo eu, onde inúmeros Espíritos dão diariamente provas de identidade, e não fazendo nós disso meio de vida nem tendo nenhum interesse material em vista, cumpre, não a nós, e sim a vós e àqueles que nos combatem provar que os Espíritos não são Espíritos.
            E para isso não basta negar, ou supor que a palavras de um padre tenha valor real quando centenares de cientistas de verdade, afirmam que viram, sentiram, ouviram e falaram com os seus mortos.
            Aliás, hoje, com o registro oficial da prova dactiloscópica, não é difícil de provar a identidade dos Espíritos comunicantes, pois com a médium de materializações que temos, e que é genuinamente brasileira, fácil se torna ao Espírito dar a prova dactiloscópica, além, de outras que provem a sua identidade.
            No entanto, duvido que v. rev. precise de provas, pois convencido estou de que, fazendo a experiência que aconselhei, v. rev. já teve a prova provada que só os Espíritos desencarnados se comunicam.
            Mas já que fala em provas, quais são as provas que v. rev. pode oferecer para provar o valor da mercancia que vv. revs. Negociam nas sacristias das igrejas? As suas ovelhas já não se conformam com o seu magister dixit, e, como há tempos o falecido papa disse “que só o Evangelho pode salvar a Humanidade”, elas começam a folheá-lo e lá encontram, logo no 6º capítulo de S. Mateus, o seguinte: “Mas tu quando orares entra no teu aposento e, fechada a porta, ora a teu Pai em segredo; e teu Pai, que vê o que se passa em segredo, te dará a paga. Logo, Jesus a ninguém mandou à missa, nem ofertar dinheiro aos santos, nem jogar nos mafuás, nem pagar hóstias, nem prometeu absolvições, nem mandou comprar indulgências.
            Nem se referiu aos espíritas quando disse: “Ai de vós escribas e fariseus hipócritas, porque devorais as casas das viúvas, fazendo longas orações; por isso levareis um juízo mais rigoroso. Ai de vós escribas e fariseus hipócritas, porque sois semelhantes aos sepulcros branqueados, que parecem por fora formosos aos homens, e por dentro estão cheios de ossos de mortos e de toda asquerosidade; assim também vós outros por fora vos mostrais na verdade justos aos homens, mas por dentro estais cheios de hipocrisia e iniqüidade.” (S. Mateus, capítulo 23)
            A razão da guerra surda que se move à nossa doutrina é justamente por pregarem os espíritas o estudo e a prática dos ensinos evangélicos do Cristo; o que não convém à Igreja e precisa ser combatido a todo o transe. Mas o grande público já se compenetrou do fato de que o Espiritismo só é combatido por aqueles que têm interesses materiais a defender.
            Diz v. rev. que: “O inimigo da nação católica conseguiu introduzir neste país o pior contrabando estrangeiro, o “Espiritismo”, e eu pergunto a vossa rev. de onde veio o Catolicismo? É ele brasileiro? Não foi importado de Roma? E, em consciência, v. rev. é um dos rebentos mais frondosos, não é um inimigo mais perigoso à nação que o Espiritismo? Quem é que vive da nação sem trabalhar? Os espíritas ou o clero?
            Como, porém, a grande expansão da nossa Doutrina, em todas as partes do globo, é devida a esse choque de idéias, a esse combate sem tréguas, sem os quais o Espiritismo não teria atingido a popularidade que hoje desfruta e que dia a dia aumenta, devemos, do fundo dos nossos corações, orar por aqueles que, a despeito de inimigos, serviram para propagá-lo.
            E, se quer mais provas, leia meu caro padre Locher, “O Trabalho dos Mortos", livro editado ultimamente pela Federação e veja se alguma das fotografias dos Espíritos materializados tem cara de demônio.
            Disse ainda o padre Locher:
            “O Espiritismo rejeita igualmente o dogma do inferno eterno. Os Espíritos sofrem apenas o inferno da dor interna sobre as faltas cometidas na existência planetária, mas, desde que o Espírito resolve reabilitar-se, obtém indulto. Assim o próprio Nero achou graça e perdão.”
            Poderá parecer ao padre Locher que não cabe a mim ensinar o “Padre-Nosso ao vigário”, mas o padre Locher já deve estar farto de saber que ele só me serve de meio de dizer algumas verdades e rebater os falsos conceitos que procurou insinuar a respeito de nossa salvadora doutrina.
            Quanto ao dogma do inferno eterno, de fato, o Espiritismo não o aceita, por absurdo, colocando Deus abaixo do nível das suas criaturas.
            Não há homem que não seja capaz de perdoar uma ofensa em um dado momento; entretanto, Deus não perdoa, e o padre pode perdoar! Heresia! Mas, então, para que ensinou Jesus a parábola do Filho Pródigo? Aí o filho pediu ao pai a sua herança, afastou-se da casa paterna, caiu na perdição, pecou contra o Pai, e, não arrependido, mas focado pela necessidade, veio, esfarrapado, implorar ao Pai um lugar de servo, e ele, ao saber que o filho voltava, mandou festejar a sua volta ao lar paterno. E Jesus aí diz: “Porque este filho era morto e reviveu, tinha-se perdido e achou-se.” (São Lucas, 15:13-32)
            Da mesma forma fala o Senhor na parábola da ovelha perdida dizendo: “Qual de vós outros é o homem que tem cem ovelhas e, se perde uma delas, não é assim que deixa as noventa e nove no deserto e vai buscar a que havia perdido, até que a ache? E que depois de achá-la, a põe sobre seus ombros cheio de gosto; e, vindo à casa, chama os seus amigos e vizinhos, dizendo-lhes: congratulai-vos comigo porque achei a minha ovelha que se havia perdido. Digo-vos que assim haverá maior júbilo no céu sobre um pecador que fizer penitência, que sobre noventa e nove justos que não há mister de penitência.“ (São Lucas, 15:1-10)
            Depreende-se destes ensinos de Jesus que a todo o tempo que o filho, o pecador, se volta para o Pai, Este o recebe de braços abertos. Jesus não impôs restrições de tempo ou de espaço a esta recepção. Quem impôs restrições foi a Igreja Católica, porque isto era propício aos seus interesses.
Sem estas restrições, ela não teria podido inventar as rendosas missas.
            Também ensina o Espiritismo, isto é, os Espíritos, que o Espírito sofre na erraticidade dores terríveis, adequadas à falta por ele cometida; sofre o remorso e, quando, devido a este sofrimento, se arrepende e implora misericórdia a Deus, é-lhe concedida a graça de voltar ao mundo, encarnando num meio onde poderá expiar as faltas do passado e, possivelmente, reconciliar-se com o ofendido de outras eras. E os sofrimentos aparentemente injustificáveis por que passam certas criaturas confirmam a veracidade deste ensino.
            Eis o que dizem os Espíritos a este respeito:
            “Toda falta cometida, todo mal realizado, é uma dívida contraída que deverá ser paga; se o não for em uma existência, sê-lo-á na seguinte ou seguintes, porque todas as existências são solidárias entre si. Aquele que se quita numa existência não terá necessidade de pagar segunda vez.
            O Espírito sofre, quer no mundo corporal, quer no espiritual, as conseqüências das suas imperfeições. As misérias, as vicissitudes que se padecem na vida corpórea, são oriundas das nossas imperfeições, são expiações de faltas cometidas na presente ou em precedentes existências.
            Pela natureza dos sofrimentos e vicissitudes da vida corpórea, pode julgar-se a natureza das faltas cometidas em anterior existência, e das imperfeições que as originaram.
            A expiação varia segundo a natureza e gravidade da falta, podendo, portanto, a mesma falta determinar expiações diversas, conforme as circunstâncias, atenuantes ou agravantes em que for cometida.
            A duração do castigo depende da melhoria do Espírito culpado.
            Nenhuma condenação por tempo determinado lhe é prescrita. O que Deus exige por termo de sofrimento é um melhoramento sério, efetivo, sincero, de volta ao bem.
            O arrependimento, conquanto seja o primeiro passo para a regeneração, não basta por si só; são ainda precisas a expiação e a reparação.
            “Arrependimento, expiação e reparação constituem, portanto, as três condições necessárias para apagar os traços de uma falta e suas conseqüências.” (Kardec – “O Céu e o Inferno”, págs. 92-94, Edição Centenário)
            Disse ainda o padre Locher:
            “Saiba, pois, todo homem cordato, ufano do nome cristão, que essa pseudo-religião nega os dogmas fundamentais do Cristianismo; a Santíssima Trindade e a divindade de Jesus Cristo. Com isto o Espiritismo se exclui do número das religiões cristãs e baixa o nível do maometismo.”
            O padre Locher tem razão. O Espiritismo nega os dogmas fabricados pela Igreja Romana com o fim de confundir os povos e viver da sua ignorância. Mas o Espiritismo explica razoavelmente o que a Igreja nunca tentou explicar.
            Não somos cordatos, porque para a Igreja Católica só é cordato quem lhe paga à boca do cofre as suas missas, sem regatear o preço...
            Ufanar-se de ser cristão só o pode fazer aquele que cumpre os preceitos do Cristo, isto é, quem se sacrifica pelo seu próximo e não quem vive de barriga cheia, sem trabalhar, à custa do seu próximo. E Jesus claramente o ensina, quando diz: “Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor, entrará no reino dos céus; mas sim o que faz a vontade do meu Pai, que está nos céus, esse entrará no reino dos céus. Muitos me dirão naquele dia: Senhor, Senhor, não é assim que profetizamos em teu nome, e em teu nome expelimos demônios, e em teu nome obramos muitos prodígios? E eu então lhes direi em voz muito inteligível: Pois eu nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que obrais iniqüidade.” (Mateus, 7:21-23)
            Todo aquele, portanto, que cumpre religiosamente os preceitos ensinados e postos em prática pelo Cristo, é cristão, quer seja chamado judeu ou budista. E todos os que praticam tão somente os atos ensinados pela Igreja, como rezas, confissões, comunhões. Promessas, etc., perdem o seu tempo, pois que nenhum valor tem perante Deus.
            Negamos, sim, o dogma da SS. Trindade como a Igreja o arquitetou, porque sabemos que Deus é Uno e Indivisível e que as três pessoas distintas e um só Deus verdadeiro são uma estulta invenção da Igreja, que não se justifica nem no Velho nem no Novo Testamento, como, aliás, nenhum dos dogmas. Somos monoteístas.
            Deus é o Criador incriado do Universo Infinito; Jesus é Filho, assim como nós o somos, com a diferença que Ele sempre foi obediente ao Pai e nós não o fomos, mas, sendo-o de hoje em diante, um dia atingiremos a altura moral do próprio Cristo, porque Deus não faz distinções entre as suas criaturas. É necessário, porém, que haja esforço pessoal para que a criatura tenha mérito. E Jesus claramente diz no seu Evangelho que ele é o Filho, que veio por ordem do Pai, que obrava os prodígios e ensinava aquilo que o Pai lhe havia ordenado.
            E o Espírito Santo, de quem a Igreja faz tanto alarde e a quem rende reverentemente culto nos mafuás, como, aliás, da mesma maneira o rende a Jesus, é, segundo os ensinos dos Espíritos, “a multidão de Espíritos puros, purificados e superiores, que sob a direção de Jesus trabalham pelo progresso da Humanidade”. Nem se depreende outra coisa dos ensinos de Jesus a este respeito dados.
            No capítulo 14 de S. João, Jesus, depois de consolar os apóstolos por ter em breve de deixar o mundo, disse-lhes no vers. 16: “E rogarei ao Pai e Ele vos enviará outro Consolador” e, no mesmo capítulo, vers. 26, Jesus disse: “Mas o Consolador, que é o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome"... E no capítulo 15, vers. 26, ainda diz Jesus: “Quando, porém, vier o Consolador, aquele Espírito da Verdade, que procede do Pai, que eu vos enviarei da parte do Pai, ele dará testemunho de mim”.
            Ora, depreende-se daí que Consolador, Espírito Santo e Espírito da Verdade têm a mesma significação, e, se Jesus enviar o Espírito Santo da parte do Pai, não é ao Pai que Ele envia, e, sendo Jesus quem dá ordens para que o Espírito Santo desça, não se faz descer a si mesmo e sim a alguém que lhe obedece. Recebendo este alguém ordens de Jesus, claro está que não é igual a ele, e, sendo assim, está perfeitamente de acordo com os ensinos dos Espíritos, aliás elevados, pois a “Revelação da Revelação” foi dada pelos Evangelistas, assistidos pelos apóstolos.
            Quanto à divindade de Jesus, depende da significação que se der à palavra divindade. Se, como Jesus ensinou, a ninguém devemos chamar pai senão a Deus, e sendo só Ele eterno, incriado, e tudo e todos que existem são da sua criação, ou tudo e todos somos divinos ou nada e ninguém o é. Há hierarquia, e na hierarquia espiritual Jesus é nosso Mestre e Senhor, por ter sido, segundo a “Revelação” e segundo as suas próprias palavras, incumbido da direção física e moral do nosso planeta. Mas todos os planetas são habitados, e cada um deles tem o seu mestre e Senhor, seu Cristo. E Deus, o Pai, governa e inspira todos os Cristos do Universo Infinito. Até aí a Igreja pequena, que levou batalhando três dias para eleger Pio XI, não alcança.
            Além de outras inverdades, que já tive ocasião de rebater, diz o padre Locher:
            “Afirma o Espiritismo, sem uma sombra de argumento, que no outro mundo só existem Espíritos destinados a se encarnarem e se tornarem homens cá na Terra. Afirma, isto é, imagina gratuitamente que o homem se compõe de corpo, alma e perispírito, um como invólucro semi-material do Espírito.”
            Ainda desta vez faltou a verdade o rev. Locher, e D. Sebastião, arcebispo-coadjutor, que deu o seu imprimatur ao folheto que cito, incidiu na mesma falta no que de refere ao primeiro período.
            É contristador que o padre Locher e D. Sebastião descessem do seu pedestal e lançassem mão de uma inverdade para com ela amparar as causa da Igreja, já tão desmoralizada.
            Nunca os Espíritos, de quem emanam os ensinos constantes das obras de Kardec, Roustaing e tantos outros, revelados em todas as partes do planeta, ensinaram que no outro mundo, que é o espaço infinito, só existem Espíritos destinados a se encarnarem cá na Terra. Pelo contrário, os Espíritos ensinam que no espaço existem Espíritos em todas as escalas de progresso moral até atingirem a escala dos Cristos, ponto sideral a que moralmente pode atingir o Espírito. E, segundo o progresso físico (evolução) de cada planeta, convergem para ele, por atração, Espíritos que nele encontrem meios para fazer o seu progresso.
            Ensinam que todos os planetas estão habitados por entes, cujos corpos têm a densidade sempre em relação com o progresso físico do planeta em que habitam, variando ambos desde o mais grosseiro e material até o mais fluídico
 e etéreo.
            Ensinam ainda que, de acordo com o progresso do Espírito em um dado planeta, lhe é dado encarnar, ou incorporar-se em planetas mais adiantados, seguindo sempre uma escala ascendente, porque o progresso é uma lei à qual ninguém é dado fugir. Pode o Espírito estacionar, mas num dia, devido ao abuso do livre arbítrio, este é cassado ao Espírito recalcitrante, e ele é forçado a encarnar em meio doloroso, para que o desejo de progresso desperte nele. A dor é sempre corretiva e nunca punitiva.
            Os Espíritos reveladores dizem ainda que os Espíritos ou homens que perseveram no mal serão forçados a encarnar em planetas muito mais atrasados do que o nosso, onde a vida penosa que são obrigados a viver torna tais planetas “as trevas exteriores, onde há choro e ranger de dentes”, na frase de N. S. Jesus Cristo.
            Ora, tudo isso está muito longe do que afirmou o rev. Locher.
            Quanto a “ser o homem corpo material, alma (ou Espírito) e perispírito”,
Não é uma imaginação nossa, como afirma o rev. Locher, pois o próprio Paulo, o grande apóstolo da fé, fala dos corpos celestiais, dizendo: “E corpos há celestiais e corpos terrestres.” (I Cor., 15:40)
            E a Igreja Católica ensina que a alma, ao separar-se do corpo, vai para o inferno, se não arranjou uma absolviçãozinha aqui, pois que ele rende à Igreja a fatia gorda, e dele só se sai com umas tantas missas, e, assim mesmo, sem receio de quitação.
            À vista disso, o céu não é acessível aos verdadeiros pobres, por não deixarem estes quem lhes possa pagar missas, porque quem deixa aqui alguém que disponha de recursos sempre tem uma, ao menos, para repouso de sua alma. Naturalmente, não pode estar no céu, porquanto lá deveria haver repouso, mesmo sem missa. E se o próprio papa precisou de missas é porque a Igreja tem dúvidas sobre a sua salvação, a despeito de todos os sacramentos e infalibilidade.
            Sendo, pois, a alma, segundo a Igreja, responsável pelos desvarios que na Terra praticou quando encarnada, fatalmente ela representa uma personalidade, uma individualidade, e para representar a personalidade precisa ter um corpo qualquer, invisível, embora, aos nossos olhos materiais, porém real, corpo que no inferno possa arder, já que o corpo material fica na cova. Se a Igreja nega a existência deste segundo corpo que individualiza a alma, e por intermédio do qual ela possa sofrer, então nega o que ela própria arquitetou, o purgatório e o inferno.
            Este corpo semi-material existe de fato, e os Espírtos reveladores chamam-lhe perispírito, porque ele envolve o Espírito (a essência da vida) e lhe fornece o meio de agir e de se ligar ao corpo carnal, quando baixa à Terra para encarnar. E este corpo o acompanha, faz parte integrante do Espírito, desde a sua criação.
            Depende do estado moral da alma, para o perispírito se tornar mais etéreo ou mais denso; quanto mais elevado for o estado moral da alma, tanto mais etéreo se torna o seu perispírito, e maior é a sua felicidade espiritual. Isto, aliás, também ensina a Igreja, porém por outra forma e com outro interesse.
            Continuando, disse ainda o padre Locher:
            “Para cortar desde já a objeção que a religião católica pratica também o comércio com o outro mundo, eis o que a Igreja ensina e permite aos seus fiéis.
            “Ao desejo natural do homem de entrar em comunicação com o mundo do Além, Deus correspondeu sabiamente, unindo com laços de caridade as três partes do seu reino: a Igreja militante (para o bem estar dos padres) cá na Terra, a do céu.
            “Dentro dos limites traçados pela Igreja, podemos comunicar com Deus pelo culto (das imagens de pau) religioso, com os bem aventurados e os anjos, invocando a sua intercessão perante Deus e com as almas do purgatório, sufragando-as com as nossas orações (missas). Só isso e nada mais.“
            Engana-se o rev. Locher se pensa que acusamos a sua Igreja de manter relações comerciais com o outro mundo. Não, a Igreja não pratica o comércio com o outro mundo, pois ela, com o seu grande poder, transportou até o próprio Deus para as suas igrejas e lá está ele representado pelo velho barbado por cima do altar-mor; e, para representar o resto da corte celeste, lá estão as imagens do Cristo crucificado, dos santos e das nossas senhoras de todos os feitios e paladares.
            Ao Cristo, a Igreja continua a crucificar todos os dias, pois deturpa os seus ensinos, transmitindo ao povo doutrinas falsas com o fito exclusivo de garantir a sua posição privilegiada e rendosa.
            O velho deus das suas igrejas, este, nem merece mais atenção, pois já de velho perdeu o poder dos milagres e por isso mesmo não tem mais caixa para esmolas. Está fora de moda. Não rende mais dinheiro.
            Para as nossas senhoras e para os santos têm sim, todas as honras, pois representam os verdadeiros deuses da Igreja Católica. Foram elas e eles que deram o poder que a Igreja ainda hoje desfruta. Os deuses do paganismo transformaram-se em figuras mal ajambradas, de pau, de massa, de pedra e de bronze, representando os bem-aventurados, segundo ela, muitos dos quais foram piores que o próprio Nero citado pelo reverendo.
            Obter dinheiro por esse intermédio é o comércio da Igreja. Com o outro mundo, o mundo da verdade, ela de fato não tem negócios, porque os seus são circunscritos à Terra. E a prova ainda mais patente disso é que os seus sacerdotes procuram, a todo transe, fazer o céu aqui no mundo. O céu futuro, este, eles preferem vendê-lo aos outros. O preço ajusta-se segundo as posses do freguês. Esta é a caridade da Igreja.
            A latitude que o rev. Locher concede aos seus fiéis é bem reduzida. Podem pelo culto religioso, assistindo ao cerimonial pagão e ao ritual carnavalesco, comunicar com Deus. Mas que Deus é este que se comunica por este meio com as suas criaturas? Só pode ser um Deus igual aos padres que pretendem representá-lo na Terra.
            Não deixa o padre Locher de fazer reclamo das suas missas, quando diz que a comunicação com o outro mundo também se pode fazer sufragando as almas que se acham no purgatório. É sempre o interesse que domina em todos os atos da Igreja. Felizmente, o povo já vai compreendendo de que lado está a verdade e não se deixa mais levar por cantigas de padre. Restam apenas as beatinhas que ainda não puderam desvencilhar-se das idéias retrógradas que o clero lhes ensinou quando crianças.
            Bem diz o Dr. Bittencourt Sampaio no seu livro “Do Calvário ao Apocalipse":
            “Eu acabo de dizer-vos – acusam a Doutrina Espírita. E, em verdade, não existe um só templo, em o qual se não faça uma referência a essa diabólica doutrina! Satanás com as suas garras de abutre aguarda todos aqueles que se entregam a esses místicos trabalhos, a esses místicos estudos, porque, diz a Igreja, as almas que vão não voltam mais, e, se voltam, se alguma coisa de extraordinário algumas vezes se revela, é do demônio!
            “Mas, no entanto, meu leitor, no entanto cristãos, homens inteligentes, a quem eu quero falar, a Igreja venera as Senhoras Aparecidas.
E serão também as Senhoras Aparecidas o demônio? Esses Espíritos que, tomando a forma da Santíssima Virgem, se mostram nas fontes termais, dando lugar até a levantamento de monumentos, essas senhoras serão porventura filhas de Satanás?...
            “Eu pergunto aos homens inteligentes onde está a seriedade desses argumentos contraproducentes, onde a sinceridade da fá,m a verdade da crença desses que do burel abusam, fazendo da túnica sagrada do Cristo um manto esfarrapado de misérias?”
            O rev. Locher já leu “Do Calvário ao Apocalipse?” Já leu “O Claustro”, história recente, que se passou em Pernambuco? Leia e extasie-se.
            Disse ainda o padre Locher no seu folheto:
            “O Espiritismo pretende ser religião e ser a religião definitiva, destinada a substituir a religião revelada de Jesus Cristo.”
            Quanto à primeira parte da sua oração, o padre Locher tem razão. De fato, o Espiritismo pretende não só ser religião, mas a religião de Nosso Senhor Jesus Cristo.
            O Espiritismo, tendo por base o Evangelho e exclusivamente o Evangelho, não aceitando colaboração dos homens e recebendo a expli8cação das passagens, inexplicáveis para a Igreja, desse Evangelho, dos Espíritos reveladores, não pode deixar de ser a religião do presente e do futuro. E se o não fosse não se daria o clero de todas as seitas, que vê o seu interesse prejudicado, ao trabalho de combatê-lo com unhas e dentes, como o está fazendo. É a prova provada da verdade.
            Jesus disse: “eu não vim destruir a lei e sim dar-lhe cumprimento”; da mesma forma o Espiritismo diz: “Não venho destruir a lei ensinada por Jesus, mas dar cumprimento à lei revelada a Moisés acrescida do ensino exemplificado por Jesus: Eu, porém vos digo: amai os vossos inimigos, fazei o bem aos que vos odeiam e orai pelos que vos perseguem e caluniam”.
            Nos ensinos espíritas nada se encontra em contradição com os ensinamentos do Cristo. Explicam os Espíritos os termos alegóricos usados por Jesus, em frases claras, para serem compreendidas por todos, e aí está a sua força. Não procuram enfeixar em dogmas incoerentes ensinos absurdos, preparados pelos concílios para enganar a Humanidade; pelo contrário, vêm explicar e destruir os falsos ensinos da Igreja.
            E mais ainda: vêm reavivar a religião, pois vêm atestar com provas e fatos irrecusáveis a possibilidade da comunicação com o mundo do Além, a responsabilidade de cada um pelos seus atos, a não remissão do pecado pela confissão, a inutilidade da missa e de todos os rituais praticados pelos padres. Ao mesmo tempo vêm demonstrar o valor da súplica sincera feita em recolhimento e com humildade a Deus, como, aliás, ensinou Jesus.
            Mas os fatos demonstram, melhor do que eu o poderia fazer, o valor da Nova Revelação. Para gáudio do rev. Locher e à guisa de mais um parênteses, aqui dou uma alviçareira notícia à sua reverendíssima:
            À pequena, mas progressista República de Guatemala, coube a imorredoura glória de haver introduzido o estudo do Espiritismo entre as disciplinas correntes das Universidades e Liceus do país, antes de qualquer outra nação.
            A lei que adotou tal alvitre é fundamentada da forma seguinte: “Só o Espiritismo é capaz de concorrer eficazmente para o progresso moral coletivo, resultado a que nunca puderam chegar as lições de psicologia, lógica e ética dos programas.” Do Catolicismo nem se fala. O mundo caminha. Fechado o parênteses.
            Quanto à segunda parte em que insinua que o Espiritismo pretende substituir a religião revelada por Jesus, quase não valia à pena rebater, pois, quem conhece o Espiritismo sabe que o padre Locher ainda uma vez mentiu, sim, e por que não falar claro?
            Se o rev. Locher tem dúvidas, que vá à Federação Espírita Brasileira às terças e sextas-feiras e veja se lá não se estuda o Evangelho do Cristo, como, aliás, em todos os Centros Espíritas, centros que já são legião.
            E se se estuda o Evangelho, como vem o reverendo Locher dizer que pretendemos substituir a religião revelada por Jesus? Mas eu lhe compreendo a manha... Ele quer continuar a impingir o catecismo fabricado pela Igreja, para engazopar a Humanidade como sendo o que Jesus prescreve como religião. Mas o rev. Locher anda enganado. Jesus continua a velar pelos seus ensinos e pelo seu rebanho, e não permitirá que os lobos continuem a desviar as ovelhas com falsas promessas.
            Repete-se a história. A vinha, que foi arrendada à Igreja Católica, já lhe está sendo tirada, por não quererem os lavradores de a mesma dar os frutos que cabem ao Senhor da vinha. (Parábola dos maus lavradores, Mateus, 21:33-46) E sentindo o clero a verdade disso é que lavra a revolta contra os novos arrendatários, chamados a substituir os relapsos. A culpa não nos cabe.
            Nem é caso para nos regozijarmos, pois a responsabilidade é tremenda. Conhecendo, como conhecemos, a lei, ai daquele que for a pedra de escândalo. Mas já que tivemos a ousadia de pedir esta prova, não devemos pensar em voltar atrás e, por maiores que sejam os obstáculos que se nos antolhem em nosso caminho, devemos prosseguir confiantes na misericórdia do Bom Pastor. E por mais pesada que seja a nossa cruz, devemos esforçar-nos por levá-la até aos pés do Senhor. Para esta caminhada gloriosa convidamos o rev. Locher, de todo coração e sem o mínimo rancor.
            Prosseguindo na sua denúncia do Espiritismo, diz o padre Locher:
            “A religião de Jesus Cristo (a Católica, quer o rev. Locher dizer) ensina que há Espíritos puros, chamados anjos, os quais servem à Providência Divina para salvação das almas, já intercedendo por elas, já as protegendo contra os anjos maus, os demônios, que têm permissão para tentar os homens, dando-lhes assim ocasião para atos virtuosos e meritórios e servindo indiretamente para a salvação das almas e glória de Deus.”
            Através de todo o folheto ressalta a manha, o subterfúgio e a má fé do rev. Locher, mesmo porque, de boa fé, ele nada tem que dizer do Espiritismo. A desgraça da Igreja Católica é justamente o fato de ela ter instituído certos dogmas aos quais se apega, a despeito de ver diariamente que os fatos desmentem as suas asserções.
            A base do seu edifício está assentada sobre o demônio – os anjos maus, cuja missão é tentar e perder os homens.
            Se o demônio existisse, poderia ele ter mais maldade do que aquela que animava os padres católicos da Santa Inquisição? Seria ele capaz de torturar as criaturas tanto quanto o fizeram os santos padres, inclusive alguns papas?
Seria ele capaz das intrigas de que a História acusa a Ordem dos Jesuítas, da qual o rev. Locher é um dos mais conspícuos rebentos? Em consciência digo que não!
            Portanto, o que se pode deduzir e o que o meu longo tirocínio de comércio com os Espíritos me tem demonstrado é que os padres, manuseadores do Evangelho que não souberam pô-lo em obra, praticando, segundo a História, as maiores barbaridades, são os demônios que a Igreja proclama existirem e que, tanto lá de cima como cá de baixo, ainda procuram
Desviar a Humanidade do Evangelho de N. S. Jesus Cristo, impingindo-lhe, no seu lugar, o catecismo.
            O Espiritismo não nega que haja Espíritos puros e Espíritos maus; pelo contrário, afirma-o e demonstra-o, mas também tem demonstrado, ao menos aos assistentes das sessões, que os maus Espíritos são capazes de se tornarem bons, se têm regenerado e, arrependido, procuram na prática do bem resgatar as suas faltas.
            Diz ainda o padre Locher:
            “O Espiritismo imitando a antiga magia e o xamanismo dos selvagens da Ásia, procura com certos ritos (nós não temos igreja), mormente por meio dos médiuns, obrigar os Espíritos desencarnados a se apresentarem.”
            O rev. Locher conhece, por certo, o ditado “que mais depressa se pega um mentiroso do que um coxo”. É o caso agora. Pois logo antes do período acima transcrito ele disse: “A própria natureza de Deus exige o absoluto domínio sobre todos os seres fora dele e sobre as relações mútuas entre eles”.
            Se, pois, Deus tem absoluto domínio sobre todos os seres, nenhum ser pode manifestar-se sem a sua permissão; logo, manifestando-se algum Espírito pelo médium, só o pode fazer com a permissão de Deus. Mas nenhum espírita sensato se atreveria a fazer, a o9brigar os Espíritos a se apresentarem, como afirma o rev. Locher, mesmo porque eles têm mais liberdade do que nós, devido ao seu estado etéreo.
            E os médiuns? O rev. Locher já conseguiu dar ou tirar a mediunidade a alguém? Ela, porventura, é o produto da vontade humana? Se Deus tem o domínio absoluto sobre todos os seres da Natureza, pode a mediunidade existir sem a vontade de Deus? Por que não responde o rev. Locher a estas e outras interrogações e afirmações minhas?
            O Espiritismo não imita coisa alguma: se as manifestações se dão é porque os Espíritos têm liberdade de vir, como de todos os tempos têm vindo, e em todos os lugares do globo terráqueo. Os pretensos milagres praticados pelos santos da Igreja não passam de manifestações espíritas, que desde 1848 se têm intensificado e continuam a intensificar-se cada vez mais, apesar do ranger de dentes (de raiva) dos pretensos representantes de Deus na Terra.
            Não temos ritos, como pretende insinuar o reverendo Locher, mesmo porque sabendo o nenhum valor deles, e sabendo que a Igreja só tem ritual para enganar os beócios, não queremos cair no mesmo erro.
            E quanto aos selvagens da Ásia, o rev. padre pode em consciência afirmar que eles em tempo algum foram, de fato, mais selvagens do que os santos inquisidores da Santa Madre Igreja? Eu sempre ouvi dizer que “quem tem telhado de vidro não atire pedras no telhado do vizinho”. Talvez fora mais prudente que o rev, Locher não as tivesse atirado sobre o meu telhado; as pedras não teriam resvalado sobre o seu.
            Em todo caso, estas pequenas discussões familiares, desde que não há alteração de ânimos, sempre trazem alguma luz e, se não beneficiam os contendores, beneficiam o público que se diverte sem pagar. E desde que não seja à minha custa...
            Conclui o rev. Locher com as seguintes frases o seu aranzel contra o Espiritismo:
            “Vêm essas heresias infiltrar-se no organismo e como um ácido (que corrói os alicerces da Igreja) dissociar os elementos vitais, destruir a união na sociedade brasileira e na família, onde de ora em diante haverá a mãe católica, o pai espiritista, o filho protestante americano. Esta desunião das crenças religiosas será a mãe da desunião política. Verificar-se-á a palavra de Nosso Senhor: “Todo o reino dividido contra si mesmo, não subsistirá.” (Mateus, 12:25)
            “A República, oficialmente leiga, não protegerá o patrimônio mais sagrado, a fé dos antepassados, a garantia da união e grandeza nacional, penhor da bênção do céu. Portanto, “cada um”, que se preza de bom brasileiro, cumpra o seu dever de cristão católico e patriota e defenda a sua família e sua pátria contra as heresias estrangeiras.”
            Meu caro padre Locher, para o bom entendedor meia palavra basta, diz o ditado. V. rev. não fez mais nem menos do que convidar o povo a fazer o mesmo que os “santos padres” do seu quilate fizeram na noite de São Bartolomeu em Paris, mas os tempos mudaram e tenha cuidado que o tiro não saia pela culatra. Os espíritas já têm foros de cidade no Brasil como, aliás, em todas as partes do nosso globo e não é um convite de padre irresponsável que levará o povo a cometer desatinos, a não ser no sertão do Brasil.
            V. rev. disse bem: a mãe (alguma) sertã católica, o pai será espírita, e isto é o desespero de vv. revs. O ser que raciocina, isto é, que se preocupa com o seu futuro, que procura desvendar o que o espera depois da “morte”, torna-se espírita, e a mulher que menos pensa nesse assunto e que mais amiúde entra no confessionário, esta permanece católica, mas, assim mesmo, já a luz se está fazendo no seu espírito e vv. revs. já não têm o mesmo domínio que tinham sobre ela.
            Não é, porém, o patriotismo que faz falar a v. rev., pois sabido é que v. rev. ainda reza alemão: é o pavor da perda da influência e conseqüentemente necessidade de pegar na enxada como qualquer outro mortal e ganhar o pão com o suor do rosto. Não fosse v. rev.. jesuíta. Perdoe-me a franqueza. Eu é que nenhum interesse tenho em defender a verdade a não ser o de cumprir o preceito do Cristo que manda que a verdade seja proclamada do alto dos telhados e sem temor.



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