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Fazendo uma apreciação sobre a “História de Luís XI”, recebida mediunicamente por Ermance Dufaux, o Codificador esclarece:
“Este trabalho, um dos mais preciosos no gênero, contém documentos precisos do ponto de vista histórico. Aí Luís XI se mostra o profundo político que conhecemos; além disso, dá-nos a chave de vários fatos até aqui inexplicados. Do ponto de vista espírita é uma das mais curiosas mostras de trabalhos de fôlego produzidos pelos Espíritos. A este respeito duas coisas são particularmente notáveis: a rigidez de execução - bastaram 15 dias para ditar a matéria de um grosso volume - e, em segundo lugar, a lembrança tão precisa que pode um Espírito conservar de acontecimentos da vida terrena. Aos que duvidassem da origem deste trabalho e o atribuíssem à memória de Mademoiselle Dufaux nós diríamos que na verdade seria preciso que uma criança de 14 anos tivesse uma memória fenomenal e uma não menos extraordinária precocidade, para que pudesse escrever de uma assentada uma obra dessa natureza. Mas, admitindo que assim fosse, perguntamos onde essa criança teria obtido as explicações inéditas da sombria política de Luís XI e se não teria sido mais interessante que seus paias lhe atribuíssem o mérito. Das diversas histórias escritas por seu intermédio, a de Joana d ‘Arc é a única publicada. Fazemos votos por que em breve as outras o sejam e lhes prevemos um sucesso tanto maior quanto mais espalhadas hoje se acham as idéias espíritas.”(Destaquei.)[1]
Um fato que à época deixou perplexa a França, foi a concessão que Luís XI fizera ao Conde de Charolez, ou seja, a entrega ao mesmo da tenência da Normandia, paralelamente com uma pensão de 36000 libras .
Confessavam os franceses que não podiam compreender ‘como um rei que era tão grande político, comete um erro tamanho’.
Este pormenor, contudo, incluso na “História de France”, de Velly, teria seu esclarecimento. E este seria localizado na obra mediúnica recebida por Ermance Dufaux.
O próprio Codificador, a esse respeito, assumiu uma posição firme:
“As explicações dadas por Luís XI são difíceis de contestar, desde que confirmadas por três atos de todos conhecidos: a conspiração de Constain, a viagem do Conde de Charolez em seguida à execução do culpado e enfim, a obtenção por este príncipe da tenência geral da Normandia, província que reunia os Estados do Duque de Borgonha e do da Bretanha, inimigos sempre ligados contra Luís XI.”
Vejamos, a seguir, o que de fato ocorreu, baseados na explicação dada pelo Rei Luís XI e que “Revista Espírita” publicou no número de março de 1858.
O soberano odiava esse Conde, filho do Duque de Borgonha, confessando mesmo que havia muitas razões para mandar envenená-lo e que a idéia de um crime não mais o espantava.
Idealizou, dessa forma, um plano.
Conseguiu, de início, seduziu um despenseiro, Jean Constain, o qual por sua vez, conquistou a adesão de Jean d’Ivy, mediante a promessa de considerável soma que seria paga tão logo ele se desincumbisse do envenenamento do Conde. Que, diga-se de passagem, logrou escapar.
Apresentando-se posteriormente a Constain para receber o dinheiro, esse ao invés de pagá-lo, o cobriu de injúrias. D’Ivy jurou então vingar-se, o que realmente fez, denunciando Constain ao Conde de Charolez.
Preso Constain, foi conduzido ao Castelo de Rippemonde.
Receoso de ser torturado, tudo confessou, exceto a participação de Luís XI no plano, esperando ser por ele libertado. Já estava para ser decapitado quando resolveu entrevistar-se como Conde de Charolez, tendo então denunciado a participação do rei na tentativa de homicídio.
Entretanto, apesar da denúncia, Constain não foi poupado e acabou sendo decapitado, sorte que teve igualmente d’Ivy.
E agora, o ponto chave do acontecimento.
Cedamos a palavra ao Espírito comunicante, ou seja o próprio Rei Luís XI:
“Quando o Conde veio a Tours, pediu-me uma entrevista particular; nela deixou extravasar todo o seu furou e cumulou-se de censuras. Acalmei-o dando-lhe a tenência geral da Normandia e a pensão de 36 mil libras; a tenência geral não passou de um título decorativo; quanto à pensão recebeu apenas o primeiro pagamento.”
Explicava essa página de forma clara e convincente, a razão das outorga, ao Conde de Charolez, da tenência da Normandia e da pensão de 36 mil libras.
Era a forma que ele, Luís XI, achara para fazer calar o Conde...
Não constituía, como julgava a maioria do povo francês (alheio à trama urdida), um erro do soberano, sempre esperto em seus lances políticos.
Através da mediunidade de uma menina de 14 anos ficava esclarecido um ponto obscuro da história política da França!
*
O capítulo referente à triste quão dolorosa desencarnação de Luís XI, retratada na obra que ele ditou a Ermance Dufaux, se não tivesse o valor de acrescentar algo de novo aos historiadores, teria, entretanto, o mérito de constituir uma página tocante da literatura francesa.
Retrata ela o isolamento por parte de quem obsequiara - embora de forma interesseira -, milhares de súditos; o desprezo refletido em dois acompanhantes; a fidelidade de uma velha galga, impiedosamente morta a bordoadas junto ao leito de morte de sue dono; a consoladora presença de Francisco de Paula[2] que deixando de lado as mazelas cometidas pelo rei que agonizava, o conforta com palavras repassadas de amor e firmeza.
Luís XI descreve a própria desencarnação:
“Não me sentindo bastante firme para ouvir pronunciar o vocábulo morte, muitas vezes eu havia recomendado a meus oficiais que apenas me dissessem quando me vissem em perigo: “Falai pouco.” E eu saberia o que isto significa.
Quando não me restava mais esperanças, Olivier le Daim me disse duramente, em presença de Francisco de Paula e de Coittier:
- Majestade, temos de nos desobrigar de um dever. Não tenhais mais esperanças neste santo homem (referindo-se a Francisco de Paula), nem em qualquer outro; chegais ao fim; pensai em vossa consciência; não há mais remédio.
A tais palavras cruéis operou-se em mim uma revolução completa: eu já não me sentia o mesmo homem e admirava-me de mim mesmo. O passado desenrolou-se rapidamente a meus olhos[3] e as coisas me apareceram sob um aspecto novo. Um não sei que de estranho se passava em mim. Fixando-me, o duro olhar de Olivier le Daim parecia interrogar-me. Para me subtrair a esse olhar frio e inquisidor, respondi com aparente tranqüilidade:
- Espero que Deus me ajude. É talvez possível que eu não esteja tão mal como pensais.
Ditei minhas últimas vontades e mandei para junto do jovem rei aqueles que ainda me rodeavam. Vi-me só com o meu confessor, Francisco de Paula, le Daim e Coittier. Francisco me faz uma tocante exortação. Parece que a cada uma de suas palavras apagavam-se-me os vícios e comecei a recobrar um pouco de esperança na clemência de Deus.
Recebi os últimos sacramentos com uma piedade firme e resignada. A cada instante repetia: ‘Nossa Senhora de Embrum[4], minha boa Senhora, ajudai-me!”
Terça-feira, 30 de agosto[5], pelas sete horas da noite, caí em nova prostração. Todos os presentes me julgaram morto e se retiraram. Olivier le Daim e Coittier, sentindo a execração pública, haviam ficado junto ao meu leito, já que não tinham outro asilo.
Em breve recuperei completamente a consciência. Ergui-me, sentei-me na cama e olhei em torno. Não havia ninguém de minha família; nenhuma mão amiga procurava a minha, nesse supremo instante, para adoçar a minha agonia num último contato. Àquela hora talvez meus filhos brincassem enquanto seu pai morria. Ninguém pensou que o culpado ainda podia contar com um coração que compreendesse o seu. Procurei ouvir um soluço abafado e só escutei as risadas dos dois miseráveis que estavam junto de mim.
Divisei a um canto a minha galga favorita, que morria de velha. Meu coração pulsou de alegria, pois eu tinha um amigo, um ser que me estimulava.
Fiz-lhe um sinal com a mão. A lebreira arrastou-se com esforço até junto ao leito e veio lamber-se a mão agonizante. Olivier percebeu esse movimento; levantou-se de um salto, praguejando, e matou a pobre cadela a bordoadas. Expirando, meu único amigo - aquele animal - lançou-me um olhar comprido e doloroso.
Olivier empurrou-me violentamente para os travesseiros. Deixei-me cair e entreguei a Deus a minha alma culposa.” [6]
*
Outro capítulo de impacto é aquele em que Luís XI faz referência ao envenenamento de seu irmão, o Duque de Guyenne e da Senhora de Thouars.
Minucioso e firme nas expressões, o soberano recorda mais uma vez o ambiente da França de seu tempo, deixando claramente perceber a falsidade, a intriga, o ódio, enfim, que campeavam, sorrateiros.
Importante ressaltar nesse episódio - como, aliás, em todos os demais -, a extraordinária riqueza de detalhes, o que levou Kardec a usar das seguintes expressões:
“(...) a vida desse rei, tal qual foi ditada por ele próprio, é incontestavelmente a mais completa que possuímos e, podemos dizer, a mais imparcial. O estado do Espírito de Luis XI lhe permite hoje apreciar as coisas em seu justo valor. Pelos três fragmentos citados[7] pode ver-se como faz o próprio julgamento: explica sua política melhor que qualquer de seus historiadores; não se absolve de sua conduta; e em sua morte, tão triste e tão vulgar para um monarca algumas horas antes tão poderoso, vê um castigo antecipado.”
O capítulo que descreve o envenenamento do Duque de Guyenne e da Senhora de Thouars, muito detalhado, pode ser localizado no número de junho de 1858, da “Revista Espírita”.
Configura-se nele o que já foi dito a respeito do ambiente que dominava a França.
A insegurança, particularmente nas altas rodas sociais, era total.
A confusão se alastrava.
Distorções eram encontradas em todos os segmentos.
Por tudo isso, muitos anos rolariam na esteira do tempo para que a França, através do movimento revolucionário de 1789, corrigisse algumas dessa mesmas distorções. Algumas, repito, porquanto, conforme os espíritas bem sabemos, constituindo os países o somatório espiritual de seus filhos, requerem, não raro, anos a fio para modificar suas viciações...
*
Quando Kardec afirmou que “as comunicações podem esclarecer-nos sobre a história”, estabeleceu, concomitantemente, um imperativo: - “desde que saibamos nos colocar em condições favoráveis”.
Aliás, devemos convir, nem poderia ser de outra forma.
Para o recebimento, imprescindível a adequada predisposição.
Desta maneira, tanto o esclarecimento de ordem histórica quanto aquele ligado a esferas outras, manifestar-se-ão sempre no justo momento na vida de cada ser, de cada comunidade.
As confissões de Luís XI surgiram no instante devidamente programado.
Assim como surgirão outras que a História não revelou e que ainda ocultas levantam dúvidas e querelas infindáveis... Entre historiadores e os povos em geral.
[1] ‘Revista Espírita’, março de 1858.
[2] Francisco de Paula foi fundador dos ‘mínimos’, também chamados ‘eremitas de São Francisco’. Luís XI mandou chamá-lo à sua cabeceira de agonizante. Foi retido em França por Carlos VII e Luís XII, que o fizeram erguer vários mosteiros. Morreu em Plessis-les-Tours no ano de 1508. Leão X o canonizou em 1519.
[3] A Doutrina Espírita confirma através de várias obras que este fenômeno pode realmente ocorrer: todo um passado a desenrolar-se na mente daquele que está prestes a deixar a vida física.
Na obra “O Céu e o Inferno”, Segunda Parte, no segmento alusivo ao Espírito J. Sanson (antigo membro da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas e que desencarnou em 21 de abril de 1862, confessa ele do plano espiritual:
- O meu Espírito conservou as suas faculdades e quando eu já não mais via, pressentia. Toda a minha existência se desdobrou na memória (...)” (...)
[4] Embrum é uma antiquíssima cidade do Sul da França, situada na Bacia do Rhódano, na Provença. Seu antigo nome latino era Ebraduno.
[5] Realmente, a desencarnação de Luís XI deu-se no dia 30 de agosto de 1483.
[6] ‘Revista Espírita”, maio de 1858.
[7] Os três fragmentos aqui citados por Kardec são os seguintes:
- Envenenamento do Conde de Charolez.
- Desencarnação de Luís XI.
- Envenenamento do Duque de Guyenne.
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