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Água mole em pedra dura tanto bate até que fura.
É com prazer que vejo que o padre Dubois já reconheceu, em parte, o nosso parentesco. Desejava eu que fôssemos irmãos, mas visto V. Revma. me querer só como tio, aceito; fico assim, mais à vontade.
Recebi, meu sobrinho, a sua missiva e vejo que você é incorrigível; não quer pôr os pontos nos ii. Se ao menos tentasse destruir as minhas citações evangélicas com alguma lógica, mesmo que fosse esfarrapada, vá, mas você só sabe descompor e isto não convence a ninguém.
No fim das contas, você confirma as minhas asserções, isto é, de que para você, e isto faz supor que para todos os seus colegas, o dizer missa, batizar, casar, etc., é um negócio como o meu é para mim.
Gostei da franqueza.
De fato, o pregar, como você diz, cansa os miolos, a garganta, os pulmões e, sobretudo, os ouvintes, quando é feito com o desprazer que você demonstra ter pelo ofício que adotou. E os trezentos diabinhos, palavras suas, hão de aproveitar muito com a sua catequese se com o mesmo desamor os disciplinar.
Se você, meu caro sobrinho, considera o seu sacerdócio uma escravidão, tome o meu conselho: imite a S. Paulo, monte uma fábrica de tendas e verá quando entrar no mundo da espiritualidade porque você lá irá, quer creia quer não, que você fez um bom negócio.
Meu caro sobrinho, tenha paciência e não confunda as coisas; eu não pretendi e não pretendo, como você disse, ser um pontífice espírita. Sei muito bem que nada sou e que nenhum valor tenho. Nem ralhei com você pela sua incredulidade: lamento-o, pois crê quem pode e não quem quer, e você mesmo, em público, se confessou cético. Portanto, é muito provável que a você, mais do que a mim, é que S. Paulo se referira no versículo 14 do cap. 2 de I dos Coríntios, que você citou: “Mas o homem animal não percebe aquelas coisas que são do Espírito de Deus; porque lhe parece uma estultícia e não as pode entender, porquanto elas se ponderam espiritualmente.”
Tendo eu, por graça de Jesus, tido a ventura de não só ver, mas sentir os Espíritos, e confabulado com eles há mais de vinte anos, é natural que compreenda melhor as coisas espirituais do que você, meu caro sobrinho.
Também se enganou você, quando disse que alugo as colunas no “Correio da Manhã”; não, meu sobrinho; elas estão à minha disposição por oferta espontânea do proprietário do jornal, e, não sei se você tem observado, quase todos os jornais da Capital já têm colaboração espírita diária.
Você, no fim de contas, ainda não procurou provar com provas provadas o valor intrínseco das missas, das comunhões, das bênçãos papais, dos casamentos religiosos, das confissões, das encomendações dos corpos e das missas de corpo presente, para as almas que partem para a espiritualidade.
No cap. 25 de S. Mateus, v 31-40, Jesus diz: “Quando vier o Filho do homem na sua glória, e todos os anjos com ele, então se assentará no trono da sua glória; todas as nações serão reunidas diante dele e separará uns dos outros e porá as ovelhas à sua direita, mas os cabritos à esquerda. Então dirá o rei aos que estiverem à sua direita: Vinde benditos do meu Pai, possuí o reino que vos está destinado desde a fundação do mundo, pois tive fome e deste-me de comer; tive sede e deste-me de beber; era forasteiro e recolheste-me; estava nu e vestiste-me; fui preso e viestes ver-me. Então perguntarão os justos: Senhor, quando é que te fizemos tudo isso? E o Rei responderá: Em verdade vos digo que quantas vezes o fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes.”
Agora diga, meu caro sobrinho, se, como Jesus ensina, só a caridade dará direito à posse do reino, e, se antes da vinda de Jesus ninguém é julgado, que é que adiantaram às criaturas todos os atos que a Igreja pratica?
Além disso, você, ainda sofismando, disse que S. Paulo formulou a regra geral: “Quem serve o altar vive do altar” quando S. Paulo em I Coríntios, 9:15, diz: “Porque tenho por melhor morrer antes que alguém me faça perder a glória de não ter vivido do altar”.
Meu caro sobrinho, com gente como S. Paulo não se brinca.
Se viajei em camarote de 1ª classe e me hospedei no “Grande Hotel”, você, como bom sobrinho, devia alegrar-se com isso e devia ter ido almoçar comigo. Olhe que a inveja é um pecado mortal.
Quanto a ter cautela com os peixes que eu pegar no meu anzol, não se preocupe, porque todos os peixes que até hoje peguei, e não são poucos, ficaram logo mansos, transformando-se em pescadores. E enquanto você for a isca eu preciso aproveitar o tempo, porque isca que estrebucha, que vira e mexe sem perder o fôlego, é coisa rara e um pescador não a despreza assim. Nem pense que peixe algum possa com as suas rabanadas inutilizar os meus petrechos. Estes são o Evangelho de N. S. Jesus Cristo e, se a Igreja, com os seus 16 séculos de barbaridades, não conseguiu inutilizá-lo, muito menos os peixes que se acolherem debaixo da sua sombra, e menos ainda a isca, que se peixinho é, não passa da isca.
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