domingo, 26 de março de 2017

Amália Domingo y Soler



Amália Domingo y Soler 
- Valorosa Mulher Espírita - 
por Silvio Brito Soares
Reformador (FEB) Setembro 1959

            No calendário humano, o dia 30 de Abril de 1909, sexta-feira, assinalou, a 1 hora da madrugada (1), a desencarnação, na cidade de Barcelona (Espanha), de uma veneranda mulher, notável sob vários aspectos, embora sem projeção na vida social mundana, pois nasceu pobre, viveu pobre, e pobre morreu. E, não obstante isso, conseguiu impor-se e ser muito querida não só dentro das fronteiras do seu país de nascimento, como além, muito além desses limites geográficos, pois que se tornou conhecida e admirada de todos os espíritas de fala castelhana e bem assim em Portugal e no Brasil.

            (1) ‘La Voz de la Verdad’, de Barcelona, Maio de 1909.

            Alguma coisa de singular, sem dúvida, possuía essa mulher, que teve o nome 
de Amália Domingo y Soler, para conquistar tamanha simpatia e, diremos mesmo, veneração geral. De fato, ela era possuidora de um tesouro inigualáveI, tesouro que, apesar de distribuí-lo a mancheias, mais se avolumava nas delicadas arcas de seu coração boníssimo.

            Amália fora uma fonte viva de amor, de fraternidade, de sentimento puramente cristão! Não foi sem razão que Confúcio afirmou: "por muito longe que o espírito alcance, nunca irá tão longe como o coração.”

            Não dispomos de espaço suficiente para nos estender sobre a vida e a obra  dinâmica de Amália Domingo y Soler, em terras andaluzas, a prol e na defesa do Espiritismo, sempre cheia de coragem, ânimo forte e inteligência para enfrentar pela pena, adversários tidos e havidos como vultos de primeira grandeza por sua cultura humanista e teológica.

            Vimos, pois, num esforço de síntese, realçar fatos e atitudes capazes de positivarem e documentarem a têmpera de sua fé inabalável no  Espiritismo cristão.

            Precisamos frisar que, durante seus quase 74 anos de existência planetária, jamais gozou de saúde perfeita; antes pelo contrário, os padecimentos físicos e morais lhe foram companheiros inseparáveis e de tal modo a castigavam que, ainda jovem, completamente só no mundo, sem parentes de espécie alguma e, por assim dizer, cega, pensou certa feita em suicidar-se. Desde, porém, que a luz espírita lhe penetrou o entendimento, empreendeu ela admirável jornada de propaganda, pelo jornal e pelo livro, na qual, como muito bem acentuou Leopoldo Cirne, ao referir-se a essa valorosa mulher, punha menos os fulgores de sua inteligência solidamente cultivada, que as expansões persuasivas de seu coração cheio de afeto.

            E a razão de ser a sua vida um perene desfiar de dor e amarguras, ela mesma o explicou num de seus instrutivos escritos, ao relatar-nos suas vidas pregressas. Nas festas do Carnaval, em que as multidões se entregam aos prazeres ruidosos, do espírito de Amália sempre se apoderava indefinível tristeza. Numa dessas ocasiões, tomando do lápis, médium psicografa que também era, pelo seu Guia lhe foi revelado que aquela tristeza traduzia uma pungente intuição do seu Espírito, uma espécie de reminiscência esmaecida, de haver ela, em precedente reencarnação, tomado parte, com esquecimento de tudo, nas orgias tumultuárias do mundo pagão, malbaratando os sentimentos mais nobres nos amores fugazes da carne. Daí a razão de ser de sua atual existência, sem família, sem carinho, órfã das comovedoras alegrias do lar que outrora desprezara.

            Verifica-se assim, pelo que ela própria declarou, que o seu Espírito trouxe do passado erros e culpas, com o compromisso formal de os reparar, e tão exuberante foi esse desejo de regeneração que aceitou, sem vacilar, o remédio - dor -, recebendo, em compensação, principalmente nas horas mais angustiosas e difíceis, o amparo e o auxílio do Alto.

            Nas poesias que, após a sua partida para os planos superiores da Espiritualidade, lhe foram dedicadas, como a do vate Francisco Rios, bem se pode apreciar e avaliar o quanto era querida e quão grande era o seu amor por todos e mui especialmente pelos que se achavam submetidos aos aguilhões do sofrimento.

            No álbum improvisado, posto à disposição daqueles que visitavam os despojos da ilustre anciã, consta esta expansão de sentimento muito verdadeiro de um de seus inúmeros beneficiados:

            Amália! Não tiveste filhos neste mundo, e, no entanto, quantos órfãos não deixas do teu carinho nesta terra!"

            Como boa espírita, Amália ignorava a existência das grandes virtudes a lhe  engalanarem a alma de escol, e, por isto, aliás com muita humildade, não se cansava de dizer a todos que sua única virtude consistia em ser agradecida.

            Ao seu funeral, realizado no dia 1º de Maio, às 10 horas da manhã, compareceram representantes de quase todos os Centros de Barcelona e de alguns de outras cidades vizinhas, não faltando, como era natural, os companheiros a ela mais ligados, e pertencentes às redações da revista "Luz y Unión" e do semanário espírita "La Voz de Ia Verdad". Entre as várias Sociedades beneficentes que se fizeram representar, mencione-se a "Sociedad Progresiva Feminina", que mantinha diversos colégios, e da qual Amália era presidente honorária.

            Vultos do Espiritismo na Espanha daquele tempo, como Jacinto Esteva Grau, Cláudio Carbonell,  Santiago Durán, Augusto Vives, Quintin Lopez, AIberto Andren, Matilde Navarro Alonso, Dolores Zea, Armengol Farrás, lastimaram a partida da grande batalhadora de nossa causa. Ao numeroso cortejo que rumou para o Cemitério do Sudoeste, em Barcelona, seguiam não só os espíritas, que também distintas personalidades da Teosofia, do Ocultismo, do Livre-Pensamento e da Política. E igualmente o povo anônimo, que encheu as ruas por onde passou o coche mortuário, prestou sua homenagem ao nobre espírito que pregava mais pelo exemplo que pela palavra.

*

            Nasceu ela em Sevilha, no dia 10 de Novembro de 1835, e, muito jovem ainda, ficou órfã e ao inteiro desamparo. À custa de seus trabalhos de costura, conseguiu o indispensável para sobreviver e o interessante é que, mesmo auferindo o insuficiente para a sua subsistência, em seu modesto tugúrio encontravam acolhida e carinho o menino desvalido; o débil e abandonado ancião e a viúva aflita.

            Aos dez anos começava a escrever formosas poesias e como nos diz em suas "Memórias": ''figurando-se me que em Madrid meus escritos alcançariam mais êxito, e, ao mesmo tempo, que o trabalho da mulher seria ali melhor retribuído que em Sevilha trasladei-me para a Corte, onde, em realidade, trabalhando, vivia muito melhor que na capital andaluza. Mas tanto trabalhei, dia e noite, que meus olhos se negaram dai por diante a colaborar em meus trabalhos, começando então, para mim, uma série ininterrupta de sofrimentos e de humilhações inexplicáveis.
            “Após dezenove anos de cruento calvário, fui encontrar o Dr. Hysern, que me restituiu a visão; era médico homeopata e, como ocultista, fazia curas assombrosas. Foi nessa época que tomei conhecimento do Espiritismo, lendo um número da revista madrilena El Criterio."

            A partir desse dia, prossegue ela em suas "Memórias", não descansei enquanto não encontrei uma família espiritista que possuísse as obras de Allan Kardec; pedi-as emprestadas e a pouco e pouco, e com muito trabalho, comecei a lê-las ou, melhor diria, a estudá-las."


            Amália Soler fez da pena, desde então, uma verdadeira arma da Verdade, e de tal modo a manejou que, com ela, abriu novos horizontes para a nossa Doutrina, tornando-a respeitada como força aglutinadora em bem da Humanidade.

            Travou sua primeira pugna através da "Gaceta de Cataluna", contestando um artigo do "Diário de Barcelona" intitulado "O Mundo dos Espíritos", em o qual se dizia que o Espiritismo era uma monstruosidade.

            No mês de Abril de 1878, conforme consta nas aludidas "Memórias", El Comercio de Barcelona", referindo-se a uma conferência de Don Manuel Lasarte no Ateneu, declarou que esse senhor havia dito que a vulgarização da Ciência na Espanha lutava com antigas preocupações e com o grave inconveniente de abandonar um fanatismo por outro, de passar da Inquisição para o Espiritismo. Amália Soler entrou em campo e arrasou-o com brilhante artigo, cujas palavras finais foram estas: “A Inquisição de ontem dizia: "Fora da Igreja não há salvação", e o Espiritismo  de hoje exclama: Humanidade! és livre para crer! A razão derribou os deuses e hoje a razão é deusa! Para Deus, pela caridade e pela Ciência! Esta é a síntese do Espiritismo!"

            Em Novembro do mesmo ano, o notabilíssimo orador sacro dom Vicente de Manterola criticou o Espiritismo nos templos de Sant'Ana e Santa Mônica. E essa arremetida contra a nossa Doutrina propiciou a Amália a publicação de seis artigos na “Gaceta de Cataluna", refutando, com energia, as afirmativas  desse sacerdote.

            A respeito desta sua luta com tão proeminente vulto do Catolicismo  espanhol, disse ela: "Quando eu via o afã com que eram lidos os números da "'Gaceta de Cataluna" que traziam os meus artigos, lágrimas de profunda gratidão me brotavam dos olhos”. E mais adiante acrescentou: "'No começo do ano de 1879, Manterola publicou "O Satanismo ou seja, a cátedra de Satanás, combatida desde a cátedra do Espírito Santo. - Refutação dos erros da escola espiritista", e a 5 de Março desse mesmo ano de 1879 principiei a rebater a dita obra, escrevendo 46 artigos, os quais, acrescidos dos anteriores, o editor Don Juan Torrents enfeixou no livro ''El Espiritismo - refutando los errores del Catolicismo romano", impresso em 1880.

            Em 20 de Setembro desse ano, a "Gaceta de Cataluna" publicou os retratos de Manterola e de Amália Soler, a respeito dos quais disse o seguinte:

            "Não precisamos, ao estampar estes retratos, escrever biografia completa de ambas as personagens. A primeira, dela não necessita; a segunda, de certo modo, pode-se dizer que não na tem. O Sr. de Manterola, ex-deputado carlista, antigo conselheiro de D. Carlos durante boa parte da guerra civil e na atualidade ex-pároco de importante paróquia da Corte e, segundo o que os jornais insinuam, candidato a todas as mitras vacantes que se apresentem, é um sacerdote fogoso e apegado às ideias ultramontanas e dotado de indiscutível talento.
            "A Sra. Domingo, que nasceu em Andaluzia, teve sempre uma existência modesta, sendo apóstolo das ideias espiritualistas. Vive humildemente no seio de sua igreja, é querida e considerada por seus correligionários, em todas as regiões da península por ela percorridas.
            "Levada por inextinguível e desinteressado zelo em favor das ideias que professa, soube deixar pegadas brilhantes de seu talento, honrando, com seus fervorosos e cultos escritos, as colunas de grande número de periódicos."

            De sua polêmica com Manterola nasceu o "Credo Espírita," abaixo, excelente síntese dos postulados fundamentais do Espiritismo:

            "Cremos na existência de Deus, na imortalidade da alma, na preexistência e na reencarnação.
            "Cremos na pluralidade dos mundos habitados.
            "Cremos no progresso indefinido, no trabalho como meio de realizá-lo, e na prática do bem.
            "Cremos nas recompensas e expiações futuras, como consequência dos nossos atos voluntários, e cremos na reabilitação e no destino final para todos.
            "Cremos na comunicação universal dos seres, na comunicação com o mundo dos Espíritos, provada por fatos que são a demonstração física da existência da alma.
            "Cremos que devemos caminhar para Deus pelo amor e pela ciência, conservar a fé racional, a esperança e a resignação e ter caridade para com todos."

            Por ai bem se pode formar um juízo acerca do valor de Amália Domingo y Soler, que foi, sem favor algum, grande escritora espiritista, brilhante cultora das belas letras, segura polemista, ardente defensora de nessa Doutrina, doce e inspirada  poetisa, espírito superior cuja personalidade se engrandece com a prática da mais elevada caridade.

            Foi pelos seus inúmeros admiradores cognominada  a "Cantora do Espiritismo", a "Poetisa das Violetas". Este último cognome lhe adveio por causa dos  4 volumes dos seus "Ramos de Violetas", coleção de poesias e artigos espiritistas, dados a público a principiar de 1903.

            Dezenas e dezenas de poesias, curtas e longas, escritas por Amália e não registradas em livro, acham-se espalhadas pelas revistas espíritas de dois continentes. Em todas elas alia-se à espontaneidade e à beleza da forma, a doçura do sentimento e as luzes esclarecedoras do espírito. Seu estro, em muitas ocasiões, se equipara mesmo ao dos melhores vates.             

            Oferecemos, tomadas ao acaso, duas pequenas estrofes de uma poesia sua, recitada nas homenagens que os argentinos lhe prestaram por motivo de sua desencarnação, e nas quais o estro surge profundamente espiritualizado.

 Cuando en mi mente habrá luz
Sintiendo em mi corazón
Esa suprema pasion
Que Cristo sintió en La cruz?
Cuando dejaré el capuz
Que hoy aprisiona mi sién?
Cuando diré al hombre: "ven,
Yo consolaré tus penas,
Yo romperé tus cadenas"
Y el mal pagaré com bien!

Yo busco la perfección
De armonia universal;
EI eterno pedestal
De la civilización
'La gran regeneración
Que nos salve del abismo,
Que domina el egoísmo
Que nuestro ser avasalla.
Y en donde ese bíen se halla'?
Sólo en el Espiritismo.

            Fundou e dirigiu dois periódicos espíritas: "La Luz deI Porvenir" e "EI Eco de la Verdad"; tendo sido também redatora-chefe da revista, Luz y Unión”, órgão de grande projeção nos meios espiritistas da Espanha daquela época.

            Em 1880, Amália escreveu para "La Luz Del Porvenir" quinze artigos, reproduzidos pela "'Gaceta de Cataluna"" nos quais ela refutou a parte alusiva ao Espiritismo que constava nos três volumes das conferências científico-religiosas do padre Llanas. Esse sacerdote nada contestou, mas, curioso é que ao terminar    esses seus artigos, um dos amigos dela perguntou ao padre, de quem era também amigo o porquê do seu silêncio, ao que o padre Llanas respondeu: "Nada tenho a objetar", acrescentando, para estranheza do interlocutor: "Dentro de minha Igreja, sou sacerdote; fora dela, respeito todos os ideais que aspirem ao engrandecimento da humanidade."

            O padre Sallarés, em Março de 1884, proferiu, na Catedral de Barcelona, uma série de conferências de combate ao "falso sobrenaturalismo da seita dos espiritistas" e a nossa biografada logo lhe foi ao encontro, escrevendo dez artigos esclarecedores, então publicados no "El Diluvio" e em "La Luz Del Porvenir".

            Pouco depois, em Fevereiro de 1885, o padre Fita, da Companhia de Jesus, do púlpito da Catedral de Barcelona entrou a deblaterar contra o Espiritismo, e Amália, como era de esperar, imediatamente tomou da pena e redigiu nove artigos, publicando-os nos periódicos retro-mencionados, refutações essas que alcançaram tão grande aceitação que os espiritualistas de Cienfuegos· com eles formaram um livro intitulado "Impressões e Comentários sobre os Sermões de um Jesuíta".

            Entre os vice-presidentes do Primeiro Congresso Espiritista Internacional, realizado em Barcelona, no mês de setembro de 1888, figurou a pessoa de Amália Soler. Nas solenidades do Congresso, ela ocupou o lugar à direita do presidente, o grande Visconde de Torres-Solanot.

*

             Acreditamos que, por este retrospecto, os nossos leitores bem podem fazer uma ideia da vida apostolar dessa extraordinária mulher nas lides espiritistas, que nos assombra pela sua coragem e intrepidez, mormente numa época e num país onde o poder clerical tinha e ainda tem preponderante influência nas esferas governamentais.

            Sabemos que seus escritos receberam tradução na Itália, França, Inglaterra. Portugal e Brasil, e até hoje; de quando em vez, os periódicos espíritas os transcrevem.

             Aqui no Brasil, Amália Domingo y SoleI tornou-se muito admirada e querida, tendo sido numerosos os seus artigos publicados pelo "'Reformador" e por outras folhas espíritas do País. E na sessão de 1º de Agosto de 1884, a Federação Espírita Brasileira concedeu a ela o título de sócia honorária,

            É, entre nós, bem conhecido e bastante apreciado o livro' "Fragmentos das Memórias do Padre Germano", coletânea de comunicações obtidas pelo médium falante Eudaldo Pagés no Centro Espiritista “La Buena Nueva", da vila de Gracia (Baecelona), comunicações que, copiadas e retocadas por Amália, foram dadas à publicidade em  “La Luz deI Porvenir” de 1880 a 1884. Em 1900, graças a um dos fundadores do mencionado periódico, o editor Juan Torrents, e com a inteligente colaboração de Amália, é que saiu a público o livro a que nos referimos, verdadeiro tesouro de amor, esperança e consolação para todos os aflitos e oprimidos.

            Pelo mesmo médium falante, e no mesmo Centro de Gracia, foram ditadas a Amália as “Memórias de um Espírito”, de 1897 a 1899. Só em 1904, depois de corrigidas e ordenadas por Amália, saíram em livro sob o título “Perdoo-te”.

            Como já dissemos, muitos e muitos artigos doutrinários ela escreveu, sobre os mais diferentes assuntos. A clareza e a segurança dos argumentos, secundados por uma lógica convincente, são o característico de suas páginas, nas quais jamais falta a palavra amorosa e persuasiva do seu coração.

            Vários escritos dedicou à mulher, e num deles, replicando a uma bela e inteligente jovem espírita que achava ser prejudicial o casamento à mulher que se dedica à difusão do Espiritismo, aconselhou-a unir-se a um homem de bem, explicando-lhe:

            "Supões que não há outros meios de fazer propaganda senão comparecer aos Centros espíritas e realizar conferências e sustentar polêmicas com ateus e fanáticos religiosos? A verdade se manifesta de muitas maneiras, e uma mãe de família, que
tenha estudado a fundo o Espiritismo, é a melhor propagandista da religião do porvir
."

            E mais adiante acrescentava a grande escritora: "O Espiritismo não precisa de sacerdotisas nem de apóstolos especiais; todas as mulheres podem ser sacerdotisas dentro de seu lar, e os homens podem ser apóstolos na oficina do operário, nas lucubrações do artista, nos afazeres do comerciante, no fundo das minas, nos cumes das montanhas, quebrando pedra ou servindo de mergulhador para arrebatar aos mares os seus tesouros escondidos; em toda a parte pode o homem manifestar os seus bons sentimentos, a sua paciência, a sua tolerância, a sua resignação, a sua íntima convicção de que o que não se ganha não se obtém.”

            Ainda se dirigindo seus à jovem e entusiástica propagandista do Espiritismo, diz-lhe:

            "E acredita-me, minha filha, se te casas - e a seu tempo devido se vai povoando o teu lar de alegres pequeninos, velas o sono deles, e te comprazes em inculcar em seus ternos corações os princípios da moral mais pura, e os levas a visitar os enfermos e os acostumas a repartir as suas economias com outros meninos que não têm pão nem brinquedos, vais despertando em teus filhos os mais generosos sentimentos; não te parece que fazes a melhor propaganda do Espiritismo?"

            Assim era Amália Domingo y Soler. Seu amantíssimo coração estava sempre aberto a todos os pedidos de conselhos, a todas as queixas, a todos os infortúnios. Para tudo tinha uma resposta serena, compreensiva e esclarecedora.

            Cartas e mais cartas lhe chegavam diariamente de todas as terras onde se fala o castelhano e o português. E não eram poucas as pessoas que iam procurá-la em sua própria casa. A todos recebia como Irmãos, membros de sua grande e querida família.

            Frequentes visitas fêz Amália a vários presídios da Espanha, a fim de confabular com os desventurados párias da sociedade , "Sempre que pude - escreveu ela certa vez - vim à fala com eles e nunca me arrependi de haver procurado diminuir a distância entre mim e um assassino."

            Certo dia, ela visitava a Penitenciária de Tarragona, quando, em dado momento, fixou seus serenos olhos num presidiário cujo rosto, sede de um tumor, revelava sofrimento. Condoída, deixou escapar esta palavra em acento triste: Pobrezinho!

            O homem consegue ouvi-la; levanta o olhar e, voltando-se para os companheiros, brada-lhes alegremente: - Olhem! É Amália! é Amália! E todos aqueles infelizes dirigem os olhos, com afetuosa curiosidade para aquela bondosa mulher. Um dos funcionários da Penitenciária explica então a Amália:

            - "O condenado, que você acaba de reconhecer, era o terror do presídio; tem mais crimes na consciência do que todos os seus companheiros. Graças, porém, aos vossos escritos, é atualmente um enfermeiro modelo. Hoje o chamam para intervir junto aos presidiários mais ferozes. Aos domingos, à tarde, vai ler "La Luz del Porvenir", e dá explicações do que lê aos amigos . Até o nosso capelão lhe quer muito e chama-lhe o bom cristão."

            Este dia ficou para sempre gravado na lembrança de Amália como dos mais felizes para a sua alma,

            Nas prisões, converteu, em verdade, muitos incrédulos e revoltados, e minorou muitas dores morais. Estava ela segura, segundo suas próprias palavras, de que "assim como nas entranhas da terra encontram os mineiros metais preciosos, assim também se encontram nas penitenciárias almas dispostas a ir para diante, se uma voz amiga lhes fala: Levantai-vos e andai! Ressuscitei, porque dos ressuscitados é o reino dos Céus!"

*

            Em carta de 12 de Janeiro de 1906 à "Constancia", revista espírita argentina, na época sob a direção do inesquecível Cosme Mariño, acusando Amália o recebimento de novecentos pesos coletados por essa revista, em socorro de sua indigência, disse: "Meus irmãos, mais uma vez vocês me ampararam na minha atual existência expiatória, ameaçada pela miséria e por falta de saúde. Trabalhei intelectualmente tanto quanto me foi possível e quanto sei; acontece. porém, que meus esforços se tornariam completamente nulos, sem a ajuda de vocês.
            "A neve de setenta invernos cobre a minha cabeça, com um corpo anêmico e dois filhos adotivos, aos quais, por gratidão ao pai deles e por humanidade prestei abrigo e não fossem vocês, ver-me-ia forçada a deixar meu lar com profundo sentimento. Graças, porém, a vocês, viverei algum tempo mais na casa de meu Centro. rodeada dos filhos de Eudaldo Pagés, médium inolvidáveI que pelo espaço de 25 anos difundiu a luz do Espiritismo com suas admiráveis comunicações."

            Seus últimos anos na Terra, Amália os viveu com a saúde bastante abalada, mas, graças aos cuidados do bom médico e amigo Dr. Roure, e ao carinho dos que a rodeavam, ainda se animava a escrever e a fazer algo pelo próximo, dentro de suas parcas possibilidades.

            A desencarnação da viúva Sra. de Senillosa, sua boa protetora, veio, contudo, afetar-lhe ainda mais o estado de saúde, abrindo campo à bronco-pneumonia, que a levou à desencarnação em poucos dias.

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            A maior obra que Amália Domingo y Soler deixou foi o exemplo de sua própria vida. Laboriosa, honesta,  resignada, e inteiramente dedicada ao bem de seus irmãos em Cristo.

            Honremos-lhe a memória, sim; mas, sobretudo, busquemos imitá-la.


Desdobramento e Perispírito


Desdobramento e Perispírito 
Hermínio C Miranda
Reformador (FEB) Maio 1959

            Tenho tido ultimamente a satisfação e o privilégio de tomar contato com as mais interessantes obras de autores não-espíritas sobre os problemas do espírito. Continuarei, pois, contando com a benevolência do leitor para estes comentários que, a despeito das naturais limitações do articulista, creio terão sempre a oferecer algo de construtivo e aproveitável.

            A mais recente obra que me foi dado examinar, chama-se “The Projection of the Astral Body”, ou seja, em tradução muito livre, “O desdobramento do corpo astral”. O seu autor é Sylvan J. Muldoon e o livro foi prefaciado e minuciosamente revisto pelo Dr. Hereard Carrington,  profundo conhecedor dos problemas psíquicos. A obra surgiu, pela primeira vez, em 1929 (duas edições). Teve reedições em 1939, 1950, 1952, 1954, 1956. A mais recente é de Julho de 1958. As datas indicam o recrudescimento no interesse pelo assunto, de 1950 para cá.

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            O autor não pretende convencer ninguém da sua tese. Na verdade, nem mesmo defende uma tese: limita-se a expor os fatos observados nas suas amiudadas experiências de desdobramento. Não implora a ninguém que acredite nele; usa de recurso muito mais convincente, desafiando quem quer que seja a perfazer as mesmas experiências. Quem não acreditar, experimente; quem não quiser experimentar; não terá direito de negar o fenômeno. Para que o leitor possa reproduzir a experiência, o autor fornece sua receita. Chega mesmo a admitir que possam existir outras fórmulas; a que ele empregou, no entanto, é a que relata, com todos os pormenores elucidativos.

            A propósito, para encerrar a discussão, ele usou uma expressão muito típica da língua inglesa, dizendo: “The proof of the puding is in the eating”. (A prova do pudim está em comê-Io). E desafia o leitor! “Se você quiser provas, pode obtê-las e eu o ensinarei como, mas você mesmo terá que experimentar. Nada mais que isso poderei fazer.

*

            Como o leitor já percebeu, Mr. Muldoon tem a faculdade de projetar (desdobrar) seu perispírito, conservando, na maioria das vezes, consciência perfeita do que vê sente e experimenta.

            Resolveu escrever o livro após ter lido obras do Dr. Carrington, como “Modern Psychical Phenomena” e “Higher Psychical Development”, nas quais era tratado, sumariamente, o assunto do desdobramento do perispírito.

            Achou Mr. Muldoom que teria muita coisa a acrescentar ao que havia lido e que certamente suas observações teriam algum valor como contribuição ao estudo do problema. De fato, tem um valor incalculável, exatamente porque o livro não é especulativo, nem se baseia em experiências alheias: é todo ele vivido, fundamentado no que o próprio autor observou consigo mesmo, num período considerável de tempo, sob as mais diferentes condições.

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            Mr. Muldoon começa por apresentar um resumo histórico do assunto, demonstrando bons recursos de exposição e argumentação. Criticando o materialismo, que ridiculariza a ideia do desdobramento do corpo astral, fala sobre a famosa deusa Razão, “divina tocha da Razão”. ídolo balofo. “Há - diz o autor - somente uma dúvida com essa tocha divina: ela não derrama luz alguma sobre os mistérios da vida.”

            A existência do corpo astral, longamente aceita como ponto pacífico pela antiga ciência oculta, está hoje sendo demonstrada pelos experimentos e investigações dos pesquisadores modernos.

            Mr. Muldoon previne ainda o leitor de que não discutirá o fenômeno espírita propriamente dito, de vez que numerosos livros tratam do assunto. É bom que se diga, porém, e logo de início, que o autor está firmemente convencido da sobrevivência. Ele não seria coerente se não o estivesse; no entanto, seu relato somente cuida do problema do desdobramento, enquanto o perispírito se acha unido ao corpo físico, isto é, durante a vida terrena da criatura humana.

            Embora muitas vezes falte ao autor certo conhecimento mais aprofundado e objetivo da questão espírita - o que certamente iluminaria determinados ângulos de sua exposição - suas intuições suprem algumas falhas no quadro que ele pretendeu traçar. Diz, por exemplo, que nos consideramos fisicamente vivos, quando, na realidade, a nossa parte material é “tão morta como um prego”. A energia que sustenta o mecanismo físico é que é viva. Alguns têm levantado a hipótese de que o corpo astral é produto de mero processo de criação mental. Sendo assim, argumenta Mr. Muldoon, como é que a criatura, morta por acidente, instantaneamente arranjaria seu corpo astral? Por outro lado, se assim fosse, somente aqueles que tivessem ouvido falar nesse processo de criação mental poderiam possuir seu corpo astral, depois do que se chama morte. No entanto, o corpo astral tem sido visto, vezes sem conta, no momento da morte e depois dela, conservando, em tudo e por tudo, a mesma forma da pessoa morta.

*

            Seus comentários iniciais sobre o corpo astral são dignos do melhor exame, pela lúcida objetividade das ideias que apresenta. Esclarece, por exemplo, que o homem está contido numa faixa vibratória relativamente estreita, que não se estende sobre toda a Criação; consequentemente, ignoramos muitas das realidades que nos cercam. Os olhos do corpo astral, que - adverte ele – “você está, usando mesmo ao ler estas linhas”, passam a vibrar numa faixa muito mais dilatada, mal se desprende o astral do corpo físico. Vemos, então, não somente as coisas familiares que habitualmente nos cercam, como, também, muito daquilo que não poderíamos perceber quando mergulhados na carne.

            Talvez isso possa parecer paradoxal, diz Mr. Muldoon, porque nos acostumamos, erroneamente, a achar que o consciente faz parte do mecanismo físico. Na verdade, porém, o corpo material não tem o que se chama mente; a sede do psiquismo, do ego, é no corpo astral. Diríamos que o corpo físico é simples cabides para a entidade superiormente constituída, que é o períspirito.

            “Sua mente normal, consciente - tudo quanto ela contêm - é você, o indivíduo, agora e através da eternidade, aprendendo à medida que caminha." (pág. 49.)

            Outra noção errônea que o autor procura destruir, é a de que basta morrer fisicamente para nos transformarmos em super-homens. Não. Continuamos, após o desatamento definitivo dos laços carnais a ser a mesma criatura humana que fomos até então, conservando a mesma identidade. O corpo físico é feito de “um material não-inteligente, como se fosse uma vestimenta do corpo astral”.

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            Entretanto, como dizíamos atrás, e já dissemos em comentários anteriores, falta a estes autores, que vimos estudando, certo conhecimento básico, não só da filosofia espírita, como da própria filosofia geral. Tais falhas os levam, às vezes, a inconcebíveis “cochilos”, já não digo doutrinários - que eles não têm obrigação de conhecer doutrinas religiosas ou morais - mas de simples lógica. Diz Mr. Muldoon, a certa altura (ainda na pág. 49), que “é lógico supor que, no ato do nascimento, o corpo astral - o Ego - foi trazido para a vida (criado) pela Inteligência Onipotente, que sempre foi, é e será; enquanto que o consciente desse corpo é uma espécie de folha em branco, pronta para receber impressões, aprender, crescer.”

            Vemos aí uma concepção exata - a do ponto de partida para a formação de um novo consciente no espírito reencarnado - ao lado de outra errônea: e insustentável filosoficamente, qual seja a da criação do espírito no instante do nascimento. Ainda aqui poderemos reconhecer a estupenda superioridade da doutrina espírita sobre qualquer outra filosofia religiosa ou profana.

            O tema é demasiado fascinante para algumas palavras de raspão; melhor seria que a ele fosse dedicado estudo à parte, em que se examinasse o consciente tal como o concebem os cientistas, os pensadores das religiões dominantes e, finalmente, os espíritas. Veríamos, com luminosa clareza, que só o Espiritismo, com a doutrina reencarnacionista, com os fenômenos anímicos e espíritas, poderia explicar satisfatoriamente as manifestações do Inconsciente.

*

            Voltemos, porém, a Mr. Muldoon.
            Com paciente e minucioso espírito didático, vai ele explicando o fenômeno do desdobramento, as causas que podem provocá-lo, como se desloca o perispírito desatada da massa física. Apresenta gráficos, estuda as condições físicas que ajudam ou impedem a projeção do corpo astral, esclarece miudamente todas as dúvidas que o leitor curioso possa ter em mente. Seu objetivo é sempre o mesmo, através de todo o livro; não deseja forçar ninguém a acreditar no que diz; quer apenas deixar bem clara a exposição dos métodos que empregou para obter aqueles resultados, de forma que qualquer pessoa esclarecida e livre de preconceitos possa repetir suas experiências. e “provar o pudim”.

            Seus esclarecimentos sobre o cordão perispiritual são precisos, descendo a pormenores que jamais tive oportunidade de encontrar em outra obra. Fala sobre sua inacreditável elasticidade, sobre sua aparência física, localização, dimensões, tudo. Quando o perispírito se acha ligeiramente afastado do corpo físico (“slightly out of coincidence”), o cordão tem o diâmetro de um dólar de prata (cerca de 35 milimetros). Sua notável elasticidade, no entanto, permite que ele alcance o infinito, reduzindo-se a espessura mínima, desde 4 metros e meio de distância do corpo físico até o infinito.

            Este é um capitulo excelente do livro, pois contém preciosos esclarecimentos. Aqui insiste o autor na importância do corpo astral, dizendo que a vida está nele contida. “Embora possamos crer que somos um corpo vivo, somos, na realidade, como dizia Moisés, uma alma viva.” Informa, ainda, que as pulsações do coração e o fenômeno da respiração se realizam no corpo astral e são transmitidas através do cordão, ao corpo físico, da mesma forma acontecendo quando ambos se acham unidos.

            Isto vem apenas confirmar experiências de Crookes e outros que contaram as pulsações e mediram a temperatura de Espíritos materializados e, como é óbvio, encontraram-nas diferentes das dos médiuns presentes.

            O autor acredita que o corpo astral se separa ligeiramente do corpo físico, durante o sono, a fim de se reabastecer de energia cósmica, tal como delicada e complexa bateria elétrica. Daí admitir que praticamente todo mundo poderá, com algum treino e esforço, seguindo suas instruções e sugestões, obter o desdobramento, isto é, tornar-se consciente fora do corpo físico.

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            Passa então a analisar, metodicamente, os diferentes tipos de sonho, pois que o sonho seria o ponto de partida para a obtenção do desdobramento consciente. Muitas ideias apresenta ele, mas seria impraticável examiná-las num comentário limitado como este.

            Ao estudar, de passagem, os fenômenos de de faquirismo, informa que tais fatos se devem ao desdobramento do corpo astral. Em muitos deles, o médium, em tais condições, é assistido por Espíritos amigos (desencarnados) (pág. 132)

            Ao comparar o cordão astral com o cordão umbilical, tem uma frase feliz, quando diz que o céptico considera, o nascimento como fenômeno natural e o desdobramento como fenômeno sobrenatural, quando, na prática, não pode explicar nenhum deles. Sua conclusão é a de que, com o nascimento, nos tomamos familiarizados, enquanto que, com o desdobramento, ainda não.

            Continua o autor a estudar nos capítulos seguintes, as ligações do corpo astral com o corpo físico, seus pontos de contato, o papel das glândulas.

            Retomando à tese da energia cósmica, esclarece, em palavras simples e com perfeita clareza, suas ideias sobre o assunto. A energia que usamos - diz o autor - não é criada por nós, é condensada da energia cósmica que se acha espalhada por toda a parte. Não vem nem mesmo da alimentação, como muita gente pensa, pois que, em tal caso, quando nos sentíssemos cansados, bastaria ingerir certa quantidade de alimento adequado e prescindir do sono. “O alimento é material, tal como o corpo físico, e o constrói porque a força cósmica opera sobre ele, não porque ele produza energia por si mesmo.” (pág. 143).

            Passa, então, a examinar o problema da alimentação e sua influência sobre o desdobramento do perispírito. Diz mais adiante que, na sua opinião, por observações feitas, “o grande armazém de energia condensada no ser humano está localizado na região do plexo solar.”

            Como se vê, mesmo partindo de premissas algo distanciadas da Doutrina Espírita, o autor frequentemente apresenta conclusões já confirmadas pelos autores espírítas, encarnados e desencarnados.

            Isto se repete inúmeras vezes através do livro, como, por exemplo, à página 183: “os fantasmas dos mortos, por algum tempo após entrarem no plano astral, se conduzem de maneira semelhante à dos fantasmas desdobrados dos vivos. Alguns ficam inconscientes por certo tempo: outros se tornam conscientes, mesmo antes de se romper o cordão astral, e outros vagueiam como se sonhassem, parcialmente conscientes”.

            E aqui está outro autor que falha lamentavelmente na explicação de certos fenômenos justamente por desconhecer a diferenciação entre o Animismo e o Espiritismo. Observa-se Isto no capítulo 13, a que chamou “The Cryptoconscious mind.”  (pág. 249 e seguintes). Diz ele que, em muitos médiuns, a mente cripto consciente opera, produzindo falsos fenômenos espíritas. Em tais casos, o Espíritos desencantados são tidos como produtores do fenômeno, quando se trata de mero desdobramento. É claro que o autor observou corretamente o fato mas faltou-lhe conhecimento específico para explicá-lo, pois que os fenômenos provocados pelo Espírito encarnado - médium ou qualquer outro - são anímicos e não de Espiritismo propriamente dito.

            Contudo, justiça seja feita, o autor faz sua ressalva logo abaixo, informando o leitor de que não se iluda: os Espíritos dos mortos também podem produzir tais manifestações.

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            Como temos observado em outros livros desta natureza, de autores não-espíritas, o verdadeiro calcanhar de Aquiles de suas obras são as conclusões. Mr. Muldoon não foge à regra.

            No momento de concluir e filosofar sobre os fatos que estudou tão bem, apresenta-se com absurdas e insustentáveis hipóteses.

            Vejamos algumas.

            Ao estudar a relação do corpo físico com o espírito, não sei por que razão conclui que a função do corpo físico é a de dar forma ao corpo astral e aí está o disparate, digno de qualquer autor materialista: “esta deve ser a finalidade do corpo físico: dar forma ao nosso espírito. (Pág. 277) Paradoxalmente, cita o próprio Cristo, em apoio de sua tese absurda, repetindo as palavras do Divino Mestre, ao dizer: “O corpo é o templo do espírito.” E de fato é mas daí a admitir que a massa física possa dar forma à substância quintessenciada do perispírito, vai este mundo e o outro. Exatamente o contrário é que se dá, como estamos cansados de saber: o perispírito é o moldeJo do corpo físico, colhendo, em suas delicadíssimas malhas e linhas de atração magnética, as partículas materiais que vão permitir ao espírito obter o instrumento de sua atividade física, essencial ao seu desenvolvimento a caminho da luz suprema.

            Faltou a Mr. Muldoon, como a tantos outros autores menos avisados, aquela parcela de “insight” necessária à nítida percepção de verdade tão óbvia. A própria citação em que se apóia e, ainda mais, a que apresenta a seguir, de Andrew Jackson Davies, desmentem sua estranha conclusão. Começa Andrew Jackson, no trecho citado, a dizer que a organização mental  é o resultado de um refinamento material. “O objetivo do osso físico é fazer o osso espiritual;  o do músculo físico, fazer o músculo espiritual - não a essência, mas a forma (sic).” Por fim, conclui: “Numa palavra: todo o corpo externo é uma representação daquele que é imperecível.” Aí está uma contradição filosófica palmar. Se o corpo físico é uma representação do astral, como poderia aquele - que é transitório e perecível - criar um que fosse imperecível Ww? Nem Mr. Jackson nem Mr. Muldoon esclarecem o ponto.

            O próprio autor, após especular em torno de suas ideias, conclui contraditoriamente seu capítulo, dizendo que não se poderia explicar, dentro da concepção de Davies o fato da formação e conformação daquelesque morrem antes de alcançar a maturidade. Por  conseguinte, diz Mr. Muldoom, “temos que aceitar a teoria de que o ser pode também ser formado no astral, independentemente do corpo físico (pág. 278).

            Donde se conclui, sem sombra de dúvida, dizemos nós, que toda a teoria do corpo astral, formado pelo corpo físico, é destruída pelo seu próprio autor ...

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            Suas páginas finais contêm bastante substância moral de interesse para qualquer leitor, espírita ou não, descontando-se um que outro deslize doutrinário.

            Informa, primeiro, que o plano astral é profundamente influenciado pelo pensamento. “A man thinks, so is he!” O homem é o que pensa.

            Seguindo essa linha de raciocínio, discorre com segurança sobre as zonas purgatoriais, dizendo que a mente cria seu próprio ambiente; contudo, esse ambiente é real. “Essa condição (permanência no purgatório) não poderia, por certo, durar indefinidamente; é uma espécie de purgatório, onde temos que aprender a pensar corretamente (pág. 287)”.  Aí está um pensamento que poderia ser subscrito por autor espírita da mais pura linhagem, como André Luiz. Continua dizendo que não podemos “comprar” nossa liberação desse ambiente; o único recurso é deixar de pensar erradamente.

            A realidade da condição purgatorial é seguramente estabelecida nas “baixas zonas austrais (expressão do próprio autor), que se situam aqui mesmo na atmosfera da Terra.

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            Mais adiante, estuda Mr. Muldoon o fenômeno da obsessão, informando, logo de inicio, que nele acredita firmemente. Lembra um caso típico que levou o famoso Prof. Hyslop a declarar que, “após lutar durante dez anos contra a ideia, ficou finalmente convencido de que a sobrevivência estava provada” (pág. 295).

            Discute, a seguir, as ricas possibilidades que esse campo contém à disposição da medicina do espírito, pois que muitos casos de alienação mental não passam de fenômenos de obsessão espiritual. Neste ponto, como em tantos outros, repete conceitos espíritas, aos quais eventualmente terão que se render os ainda orgulhosos homens de ciência.

            Alguns já se convenceram da evidência, como o Dr. CarI Wickland, que, no seu hospital de Los Angeles. curou um número incontável de obsidiados, utilizando métodos consagrados pelas doutrinas espiritualistas.

            Nos últimas páginas, desculpando-se “pela pregação moral”, que não é sua intenção, o autor recomenda, a bem do próprio espírito, que se procure levar uma vida honesta e limpa. É da maior importância - diz o autor - que vigiemos nossos pensamentos e não pensemos nenhum mal de nossos semelhantes, porque nossos pensamentos criam um ambiente astral em torno de nós e a vingança é um traço não desconhecido entre os habitantes do mundo astral.”

            Seria desejável que, na oportunidade deste livro tão interessante, o autor pregasse abertamente a moral que ressalta das entrelinhas de sua obra; não, porem, como simples prevenção contra possíveis vinganças de habitantes do astral, mas como condição do próprio desenvolvimento espiritual da criatura humana. Praticar o bem pelo próprio bem, sem esperança ou ambição de recompensa; evitar o mal ainda por amor ao bem, porque o mal desequilibra o psiquismo, retarda a evolução e recai sobre nós mesmos. Afinal de contas, o bem encontra sua recompensa em si mesmo, independente das consequências morais que posso acarretar. Na prática da vida temos observado que nenhum gesto de bondade se perde neste grande e maravilhoso mundo de Deus. Por mais anônimo, tímido e insignificante que seja, um dia, lá na frente, vamos encontrar à nossa espera um prêmio desproporcionalmente generoso pela diminuta parcela de bem que praticamos num momento e esquecemos no instante seguinte.

            Esse é outro “insight” que faltou ao autor.

            No final, como conclusão, diz que ainda que ele nunca tivesse ouvido falar em imortalidade ou sobrevivência, ainda que nunca tivesse escrito um livro ou pronunciado uma conferência sobre esse tema, ainda que nunca tivesse assistido a uma sessão espírita ou visitado um médium, ele acreditaria firmemente na sobrevivência, porque experimentou pessoalmente o fenômeno do desdobramento do corpo astral.
     

O Espiritismo ante a Ciência e a Religião


   O Espiritismo ante a Ciência e a Religião 
por A. Assis
Reformador (FEB) Julho 1959

            Os dias de hoje, em que a Ciência marcha a passos acelerados, são vividos, por todos aqueles que creem em alguma coisa além daquilo que se pode medir, pesar e submeter a experimentos, numa, por assim dizer, batalha constante para
manter em pé suas concepções metafísicas, diante das arremetidas do cientificismo materialista.

            Talvez mais do que nunca, os progressos da Ciência fazem estremecer os bastiões da Religião, pois que aquela, bafejada por concordâncias aparentemente inquebrantáveis, vai apresentando fatos que destroem as revelações desta.

            No campo das atividades organizadas pelo homem, nota-se uma antinomia irreconciliável entre Ciência e Religião. Salvo as raras exceções, os cientistas se cobrem. de vanglórias toda a vez que, em virtude de suas descobertas, esmagam os artigos da fé religiosa dogmática. E os religiosos, por não poderem desmentir as verdades reveladas pela Ciência, procuram, num esforço de sobrevivência da Religião, confundir as afirmativas daquela, para confirmar a supremacia das suas.

            Reduzidos os termos - Ciência e Religião - a Matéria e Espírito, depara-se-nos um espetáculo contristador: a guerra entre espírito e matéria.

            É verdade que nem sempre foi assim. Houve tempo, a contar dos princípios da história da Humanidade, em que a Religião dominava amplamente, sendo as Escrituras ao mesmo tempo compêndios científicos e códigos jurídicos. Mas os religiosos não souberam compreender as revelações transcendentais, especialmente o seu aspecto progressivo, e buscaram cristalizar, imobilizar, como se já tivessem alcançado o Infinito, os conhecimentos que lhes eram transmitidos.

            A Lei, é claro, não tomou conhecimento disso. E enquanto a Religião estagnava, mercê das interferências humanas, a Inteligência se movimentava, crescia, agigantava-se, e com isso ia devassando os segredos da Natureza. Cumpria-se o "nada está oculto que não venha a ser manifesto; e nada foi escondido, que não haja de ser divulgado".

            Mais uma vez, porém, o homem não soube interpretar as mensagens que desvendava na pesquisa cientifica. Despindo o hábito religioso, vestiu o avental do cientista iconoclasta, e, longe de buscar entender as revelações religiosas à luz
das verdades científicas, encastelou-se no negativismo arrogante, passando a deprimir os templos da Fé e a exaltar os templos da Ciência. E hoje, em nome da fé científica, procura-se matar a fé religiosa.

            Podemos dizer, pois, que o mundo vive a época do predomínio da Ciência. E as verdades por esta demonstradas são tão assombrosas, que o homem, embriagado pelo ascendente que vai adquirindo sobre as forças naturais, volta, por outros caminhos, à egolatria, crente de que, com a desagregação da matéria, conseguiu o domínio sobre o Universo!

            Tem vivido a Humanidade, assim, até hoje, um duelo formidando entre Espiritualismo e Materialismo. E visto que a grande maioria daqueles que se intitulam "espiritualistas" timbram em viver como se fossem materialistas, poder-se-ia temer que, afinal, a vitória definitiva coubesse à Ciência, isto é, àquela ciência que procura demonstrar a inexistência do Espírito.

            Mas a Lei não se deixa surpreender. E ela, que é a Verdade, teria que reajustar as coisas, fazendo que fossem compreendidas e amalgamadas as verdades religiosas (reveladas) e as verdades científicas (desvendadas). Eis porque, há cem anos, funcionou mais uma vez a revelação transcendente: acendeu-se, no seio da Humanidade, a luz do Espiritismo!

            E a doutrina trazida pelos Espíritos tem como traço marcante fundir Ciência e Religião: com ela e por ela, a Ciência se torna religiosa e a Religião passa a ser científica. Soou a hora em que os homens são convocados a perceber que Ciência e Religião, em nosso estágio evolutivo, não são outra coisa que facetas de uma só e única Verdade.

            Força é reconhecer, todavia, que, nesse entrechoque de Ciência e Religião, a primeira soube encontrar melhores caminhos, pois foi no clima de livre pesquisa por ela implantado que o homem pode vir a vislumbrar, por exemplo, na observação dos fenômenos biológicos, a trama maravilhosa da evolução dos seres vivos, lançando as bases de uma das mais revolucionárias concepções descortinadas ao gênero humano.

            Mas o Espiritismo, como religião, e religião que convida os homens a pensar, vem em benefício da Ciência, adicionando-lhe os condimentos de espiritualidade que lhe aqueçam e aprimorem os conceitos, ao mesmo tempo em que nela encontre apoio para suas afirmativas. Da simbiose perfeita das duas brota o continuíismo da evolução infinita, a se desdobrar em dois planos, o visível e o invisível.

            E como confirmação iterativa do que acabamos de enunciar, vem de surgir, da lavra do Espírito que entre nós se fez conhecido pelo pseudônimo de André Luiz, um livro, a que não chamaremos novo porque é mais do que isso; é quase, diríamos, insólito. Insólito para os espiritistas, assim como para os cientistas que o
lerem...

            Seu titulo: "Evolução em dois Mundos" é um convite ao raciocínio avançado, a levar a criatura humana a descortinar os horizontes da imortalidade, apercebendo-se do mecanismo grandioso da evolução, a processar-se ininterruptamente na sequência alternada de vida e "morte", de vida encarnada e vida desenfaixada da carne.

            Para os espiritistas, a obra vem solidificar a sua convicção religiosa, realçar a magnificência da Doutrina. E ela se destina, a nosso ver, de preferência aos que não aceitam as teses do Espiritismo, especialmente àqueles que, por conferirem primazia ou exclusividade aos postulados científicos, repelem as explicações que não sejam extraídas das provas de laboratório.

            O próprio Autor espiritual, no pórtico de seu livro, cita, entre outros, o seguinte conceito de Allan Kardec, constante de "A Gênese": "O Espiritismo e a Ciência se completam reciprocamente; a Ciência, sem o Espiritismo, se acha na impossibilidade de explicar certos fenômenos só pelas leis da matéria; ao Espiritismo, sem a Ciência, faltariam apoio e comprovação."

            Dentre os aspectos novos da obra que apreciamos, destaca-se o de ter André Luiz mobilizado dois médiuns; um em Pedro Leopoldo, Francisco Cândido Xavier; outro em Uberaba, Waldo Vieira, ditando-lhes alternadamente, em dias determinados de cada semana, as suas mensagens, que se encadeiam perfeitamente, formando a harmonia do conjunto.

            A outra faceta nova deste livro é que André Luiz não usa aquele estilo narrativo de todas as suas obras anteriores. Em vez disso, e com a mesma fluência de sempre, ele faz uma exposição maciça, embora sintética, de fundo científico. Com que objetivo? Ele mesmo o explica, em sua ''Nota ao Leitor", ao declarar que as páginas que escreveu buscam "aliar o conceito rígido da Ciência, compreensivelmente armada contra todas as afirmações que não possa esposar pela experimentação fria, e a mensagem consoladora do Evangelho do Jesus-Cristo de que o Espiritismo contemporâneo se faz o mais alto representante na atualidade do mundo ..."

            Essa destinação do Espiritismo, de aliar fé e razão, de conjugar ciência e religião, tornou-se evidenciada desde a primeira hora. Kardec foi inspiradamente claro ao elaborar a Codificação .

            E a literatura espírita, quer da lavra de encarnados quer de desencarnados, tem insistido nesse ponto.

            No tocante à tese fundamental do novo livro de André Luiz, vale a pena citar uma passagem da obra de autoria do Dr. Antônio J. Freire intitulada "Ciência e Espiritismo":

            "0 Transformismo e o Espiritismo, talvez antagônicos aparentemente dentro das escolas positivista e materialista, são no entanto, substancialmente termos complementares, intimamente ligados na correlação indissolúvel que une a forma à vida no panvitalismo universal.

            Só pela ação dum dinamismo psíquico, ainda que rudimentar, podem ser preenchidas as lacunas e resolvidas as incógnitas que ainda obscurecem alguns problemas do transformismo: - quer fisiológicos, desde a própria origem das espécies e da histólise dos insetos até as transformações bruscas criadoras das novas espécies (mutação de Vries); quer de origem psicológica, como demonstrou Fabre para os instintos dos insetos; quer, ainda, de ordem filosófica, fazendo o transformismo  “sair o máximo do mínimo, o complexo do elementar") como justifica o Dr. G. Geley na sua obra magistral – “De l’Inconscient au Conscient”.

            Emmanuel, o seguro mentor espiritual do nosso Chico Xavier, em seu livro "O Consolador", já havia abordado, sem rebuços, esse pormenor. Foi assim que, respondendo à pergunta nº 35 - A genética está submetida a lei puramente materiais?, ele afirmou:

            "As leis da genética encontram-se presididas por numerosos agentes psíquicos que a ciência da Terra está longe de formular, dentro dos seus postulados materialistas. Esses agentes psíquicos, muitas vezes, são movimentados pelos mensageiros do plano espiritual, encarregados, dessa ou daquela missão junto às correntes da profunda fonte da vida. Eis porque, aos geneticistas comumente se deparam incógnitas inesperadas, que deslocam o centro de suas anteriores ilações."

            Não se creia, pois, que André Luís, no seu novo livro "Evolução em dois Mundos", tenha ferido uma tecla desconhecida dos espiritistas. Para estes, confirmando o que se encontra registrado em outras obras, ele vem trazer maior soma de esclarecimentos, evidenciando com isso que também a evolução da intelectualidade humana sofre a fecundação dos agentes da Espiritualidade Superior.

            Para aqueles que fazem repousar no cientificismo materialista a base de suas concepções da vida, o livro é uma prova daquela ousada afirmativa de Allan Kardec, ainda em "A Gênese" de que o “materialismo pode ver por aí que o Espiritismo longe de temer as descobertas da Ciência e o seu positivismo, vai além e os provoca, por ter certeza de que o princípio espiritual, que aliás possui existência própria não pode com isso sofrer".

            Mencionaremos, atinentes às considerações que ora tecemos, os títulos de alguns capítulos dessa nova obra de André Luiz, que valem por primícias daquilo que se vai encontrar em seus textos:
"Evolução e corpo espiritual"
"Evolução e sexo"
"Evolução e hereditariedade"
"Evolução e metabolismo"
"Evolução e cérebro"
            É uma obra que nos introduz no fascinante e profundo campo da Biologia, mas daquela que é realmente a Ciência da Vida.


            Uma obra para quem tem "olhos de ver".